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Eeefm Doutor Francisco De Albuquerque Montenegro
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<p>Copyright © 2017 por Rodrigo Trespach.</p><p>Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela CASA DOS</p><p>LIVROS EDITORA LTDA. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser</p><p>apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer</p><p>forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor</p><p>do copirraite.</p><p>Rua da Quitanda, 86, sala 218 – Centro – 20091-005</p><p>Rio de Janeiro – RJ – Brasil</p><p>Tel.: (21) 3175-1030</p><p>CIP-Brasil. Catalogação na fonte</p><p>Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ</p><p>T732h</p><p>Trespach, Rodrigo</p><p>Histórias não (ou mal) contadas : Segunda Guerra Mundial / Rodrigo Trespach. - 2.</p><p>ed. - Rio de Janeiro : HarperCollins, 2017.</p><p>240 p. : il. ; 23 cm.</p><p>Inclui bibliografia</p><p>ISBN: 9788595081079</p><p>1. Guerra Mundial, 1939-1945. I. Título.</p><p>CDD: 940.53</p><p>CDU: 94(100)’1939/1945’</p><p>Para Gisa, Jr. e Guto.</p><p>SUMÁRIO</p><p>HISTÓRIAS NÃO (OU MAL) CONTADAS</p><p>1. LUSTRANDO ARMAS</p><p>2. HITLER, O LOBO</p><p>3. CHURCHILL E ROOSEVELT: SEXO, DROGAS E PODER</p><p>4. TIO JOE, O CZAR VERMELHO</p><p>5. SHOAH, O HOLOCAUSTO JUDEU</p><p>6. HOLOCAUSTOS ESQUECIDOS</p><p>7. SOLDADOS VIRA-CASACAS E DROGADOS</p><p>8. GUERRA DE INTELIGÊNCIA</p><p>9. MULHERES NA GUERRA</p><p>10. RESISTÊNCIAS</p><p>11. A COBRA FUMOU! O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA</p><p>12. CIÊNCIA NAZISTA</p><p>Ã Ó</p><p>13. OS ALIADOS NÃO ERAM HERÓIS</p><p>14. HITLER (NÃO) MORREU NO BUNKER!</p><p>15. UMA GUERRA (NADA) FRIA</p><p>Lista dos personagens principais</p><p>Abreviaturas e terminologias comuns</p><p>Bibliografia de referência</p><p>Notas</p><p>Q</p><p>HISTÓRIAS NÃO (OU MAL) CONTADAS:</p><p>SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, 1939-1945</p><p>uando o assunto é Segunda Guerra Mundial, há certo consenso</p><p>de que os alemães eram os “bandidos” e os Aliados, os</p><p>“mocinhos”. Essa é uma ideia parcialmente verdadeira. Muitos</p><p>alemães eram “bons”, assim como os principais países Aliados</p><p>também tinham sua cota de “maldade”.</p><p>Não se trata de apologia ao nazismo ou de revisionismo</p><p>histórico. Na Segunda Guerra (delimitada, por convenção, entre</p><p>1939 e 1945), como sempre acontece na História, os vencedores</p><p>fabricaram uma estrutura de ideias — e estereótipos que servem</p><p>para que possamos ter uma noção razoável do que se quer</p><p>considerar certo e errado. A realidade, no entanto, é muito mais</p><p>complexa. Talvez haja vencedores e vencidos, mas não há heróis ou</p><p>bandidos em uma guerra.</p><p>Judeus lutaram nos exércitos de Hitler e até mesmo ajudaram a</p><p>caçar e a assassinar outros judeus nos campos de concentração,</p><p>mas invariavelmente somos levados a pensar especificamente nos</p><p>seis milhões deles que os nazistas mataram, e poucos sabem que</p><p>eles não foram os únicos. Homossexuais, ciganos e outros grupos</p><p>marginalizados também foram humilhados, torturados e</p><p>assassinados. Da mesma forma, somos levados a pensar nos</p><p>milhares de mortos de Hiroshima, sem lembrarmos que japoneses</p><p>estupraram e assassinaram barbaramente milhares de mulheres</p><p>chinesas e asiáticas e realizaram experiências químicas macabras</p><p>com pessoas inocentes, como idosos e crianças. Não há</p><p>justificativas aceitáveis para uma ou outra situação, mas é preciso</p><p>ver a História sob as duas perspectivas. A maioria das pessoas</p><p>acredita, por exemplo, que Hitler desejava escravizar países e</p><p>conquistar o mundo. Embora isso seja verdade, novamente somos</p><p>levados a ignorar que os britânicos queriam o mesmo. A Grã-</p><p>Bretanha era “dona” do mundo havia séculos e lutou para manter</p><p>vários povos sob seu domínio imperialista inclusive depois da</p><p>guerra (a Índia de Gandhi é um grande exemplo). A França fez o</p><p>mesmo com suas colônias na África e na Ásia.</p><p>Os Aliados não eram apenas guerreiros lutando por paz e</p><p>liberdade. Eles também cometeram um grande número de</p><p>atrocidades e coisas pouco heroicas. Se lutaram mesmo por</p><p>liberdade, esta seria para quem? Acabada a guerra, Stálin mantinha</p><p>vinte milhões de prisioneiros-escravos na União Soviética. Os</p><p>negros norte-americanos que haviam lutado por liberdade nos</p><p>campos da Europa e nas ilhas do Pacífico ainda eram tratados como</p><p>animais no próprio país. O continente africano levou décadas para</p><p>se libertar do jugo dos países europeus. Liberdade?</p><p>Essas histórias normalmente não são contadas. Ou então são mal</p><p>contadas a ponto de não serem conhecidas do grande público. Essa</p><p>é a função deste livro. Histórias não contadas (ou mal contadas):</p><p>Segunda Guerra Mundial, 1939-1945 não segue a ordem</p><p>cronológica dos fatos, não narra campanhas militares, tampouco</p><p>quer ser a biografia oficial de generais e de líderes políticos.</p><p>Também não pretende ser um resumo do conflito. Para essas</p><p>questões, existem muitos outros livros. O que esperamos ter</p><p>reunido aqui são histórias contadas sob um ponto de vista pouco</p><p>convencional e incrivelmente reais.</p><p>RODRIGO TRESPACH</p><p>Osório, Junho de 2016.</p><p>O</p><p>1. LUSTRANDO ARMAS</p><p>A Segunda Guerra foi marcada por convenções e interesses</p><p>geopolíticos sem precedentes. Enquanto Hitler ainda se</p><p>preparava para o conflito, Itália e Japão deram início à expansão</p><p>imperialista, invadindo e conquistando territórios e países na</p><p>África e na Ásia. Já com a guerra em curso, Stálin se aproveitou</p><p>de países do Leste Europeu sem ser molestado pelos Aliados,</p><p>assim como os países neutros lucravam com a desgraça alheia.</p><p>historiador britânico Eric Hobsbawm afirmou que enquanto o</p><p>culpado pela deflagração da Primeira Guerra (1914-1918) fora</p><p>uma conjunção complexa de fatores — e não apenas a Alemanha,</p><p>que em 1919 pagaria quase que sozinha pelo pato —, a culpa pela</p><p>Segunda Guerra Mundial podia ser atribuída exclusivamente ao</p><p>projeto megalômano de Hitler. Joachim Fest, possivelmente o mais</p><p>conhecido biógrafo do ditador nazista, também creditou à política</p><p>de Hitler o surgimento de uma nova grande guerra.</p><p>Essa ideia cabe bem dentro do contexto europeu, e tão somente.</p><p>Mesmo sem a loucura racista de Hitler e muito antes de o líder</p><p>nazista começar a pôr em prática seus planos de dominação</p><p>mundial, atrocidades de todos os tipos eram cometidas em todos os</p><p>lados do globo. Em verdade, em 1939, quem ainda dominava</p><p>metade do mundo eram os inimigos da Alemanha. França e</p><p>Inglaterra dividiam quase ao meio o continente africano, deixando</p><p>pequenas porções para portugueses, espanhóis, belgas e italianos.</p><p>O mesmo ocorria na Ásia. Do Oriente Médio à Austrália, quem</p><p>mandava eram os reis inglês e holandês, com franceses, espanhóis</p><p>e norte-americanos dividindo a maior parte restante. Países</p><p>independentes, como a China, viviam sob forte pressão europeia;</p><p>no caso, dos britânicos. Na África, apenas a Libéria era, de fato,</p><p>independente.</p><p>Ainda que a Alemanha nazista tenha mostrado desde cedo sua</p><p>intenção de expansão territorial e militar (em 1925, em seu livro</p><p>Mein Kampf, Hitler já havia anunciado pública e claramente seu</p><p>plano de luta contra judeus e comunistas e de instauração de um</p><p>governo forte para que a Europa fosse dominada por uma nação</p><p>racialmente superior), ela não foi a única nem a primeira a instalar</p><p>um Estado totalitário, invadir, escravizar e dizimar países vizinhos.</p><p>JAPÃO E ITÁLIA SAEM NA FRENTE (1931-1939)</p><p>Antes que as nuvens negras de uma nova guerra chegassem à</p><p>Europa, a Ásia vivia sob uma tempestade imperialista desde que o</p><p>Japão decidira sair do anonimato econômico mundial. Em 1895, o</p><p>império japonês derrotou a China, conquistou a Coreia e ainda</p><p>recebeu a Ilha Formosa (Taiwan) como recompensa. Dez anos</p><p>depois, foi a vez de os russos serem derrotados pelos nipônicos.</p><p>Fora a primeira vez na História que um país asiático derrotava uma</p><p>grande potência europeia. O já então cambaleante czar teve que</p><p>ceder Port Arthur, a península de Liaodong e metade da Ilha de</p><p>Sacalina ao Japão. Nicolau II ainda reconhecia a soberania do</p><p>imperador japonês sobre a Coreia e se retirava da Manchúria.</p><p>Mesmo depois de apoiar os Aliados ocidentais na Primeira</p><p>Guerra, o Japão não teve reconhecida sua importância na Ásia no</p><p>Tratado de Versalhes. Para os europeus, os japoneses ainda eram</p><p>membros de uma nação inferior.</p><p>A crise de 1929 piorou ainda mais essa percepção, pois afetara</p><p>substancialmente a economia japonesa. No começo da década de</p><p>1930, o país era isolado do resto do mundo</p><p>Eleanor</p><p>estava em Washington.</p><p>A “GRANDE ALIANÇA”</p><p>A URSS não assinou a Carta do Atlântico (1941), mas assinou e</p><p>nunca se dispôs a cumprir os acordos assinados em Teerã (1943),</p><p>Yalta e Potsdam (1945). Tanto Roosevelt como Churchill notaram</p><p>que os russos davam significados muito diferentes aos acordados.</p><p>Na verdade, Stálin era uma incógnita política. Se por um lado</p><p>financiou os partidos comunistas no Leste Europeu e mesmo na</p><p>Europa Ocidental, por outro lado não fez o mesmo na China.</p><p>Durante a guerra, a URSS prestou apoio aos nacionalistas do</p><p>Kuomintang de Chiang Kai-shek, e não aos comunistas de Mao</p><p>Tsé-tung. A verdade é que os Aliados acusavam Hitler de</p><p>imperialismo em sua busca pelo “espaço vital” para o povo</p><p>alemão, mas eles próprios eram exploradores de vários povos e</p><p>países.</p><p>Durante a guerra, Aneurin Bevan, do Partido Trabalhista</p><p>Independente, declarou na Câmara dos Comuns, o equivalente</p><p>brasileiro à Câmara dos Deputados: “O Exército britânico não está</p><p>lutando pelo Velho Mundo. Se os honrados membros da oposição</p><p>acham que estamos passando por essa provação para preservar seus</p><p>pântanos malaios, estão enganados.”92</p><p>Não há justificativa para os horrores cometidos pelo nazismo,</p><p>mas os Aliados não podiam atirar a primeira pedra. Os “Três</p><p>Grandes” — como Roosevelt, Churchill e Stálin ficaram conhecidos</p><p>— tinham pouca coisa em comum, e o que os uniu durante os</p><p>longos anos de guerra e a Grande Aliança foi o objetivo de derrotar</p><p>a Alemanha de Hitler. Engana-se, no entanto, quem pensa que</p><p>seus objetivos eram unicamente a luta pela liberdade e pela</p><p>democracia. Seus objetivos eram e continuaram a ser imperialistas.</p><p>Na Ásia, Manila foi retomada dos japoneses ao custo de cem mil</p><p>civis filipinos apenas para voltar ao domínio americano. Quando os</p><p>Estados Unidos finalmente reconheceram a independência do país,</p><p>em 1946, haviam se passado cinquenta anos desde a primeira</p><p>tentativa de liberdade. Ao todo, quinhentas mil pessoas morreram</p><p>na batalha pelas Filipinas, vítimas dos combates, dos massacres</p><p>perpetrados e da fome.93</p><p>Nos Estados Unidos, os negros ainda eram tratados como</p><p>inferiores em muitos Estados. Até morrer, em 1945, Roosevelt</p><p>relutou em tratar da questão racial, mas não podia negar o racismo</p><p>latente na população branca norte-americana — curiosamente,</p><p>Prettyman, seu criado pessoal, era negro. Diversos distúrbios</p><p>ocorreram em 1941 e 1942, quando o país precisou aumentar a</p><p>produção nas fábricas e a população negra passou a trabalhar com</p><p>brancos. Houve um aumento de 6% em três anos, mas em 1945 os</p><p>negros ainda eram malvistos e mal remunerados. No entanto, o</p><p>preconceito racial não se restringia aos afrodescendentes.</p><p>Quando o Japão atacou Pearl Harbor forçado pelas circunstâncias</p><p>— o embargo econômico e o congelamento de bens nipônicos</p><p>impostos pelos americanos —, os japoneses e seus descendentes</p><p>que viviam em solo norte-americano foram presos e internados em</p><p>campos de concentração. Muitos não tinham mais nenhuma</p><p>ligação com o Japão, mas um governador estadunidense declarou:</p><p>“Os japas vivem como ratos, procriam como ratos e agem como</p><p>ratos. Não queremos saber deles.”94 Os Estados Unidos viam a Ásia,</p><p>assim como viam a América Latina, como o quintal de casa,</p><p>passível de exploração — tal como os britânicos faziam há séculos.</p><p>Consideravam, no entanto, mais importante derrotar primeiro a</p><p>Alemanha, depois o Japão. Hitler era muito mais perigoso. E foi o</p><p>que se viu: os norte-americanos atacados pelos japoneses</p><p>empenharam-se mais para vencer na Europa do que para dar</p><p>atenção ao que ocorria na Ásia. O interesse em “vingar” Pearl</p><p>Harbor ficou em segundo plano quando os interesses geopolíticos</p><p>se mostraram mais favoráveis e necessários na Europa. Na</p><p>realidade, o Japão deu a Roosevelt a oportunidade de declarar uma</p><p>guerra que de outra forma o povo americano não aceitaria.</p><p>Roosevelt, escreveu Lewin, “conseguira vencer a poliomielite, mas</p><p>a legalidade constituía uma forma mais sutil de paralisia”.95</p><p>Dado o que se viu depois da guerra, o discurso do presidente</p><p>Harry Truman, o sucessor do falecido Roosevelt, em 1947, soa</p><p>irônico: “Creio que a política dos Estados Unidos deve ser a de</p><p>apoiar povos livres que resistem às tentativas de subjugação por</p><p>minorias armadas ou por pressões de fora.” Mais uma vez, a falácia</p><p>norte-americana de defender o “mundo livre”. Com a Doutrina</p><p>Truman, os Estados Unidos estavam ampliando seu império</p><p>econômico.</p><p>A</p><p>4. TIO JOE, O CZAR VERMELHO</p><p>Nem o nazismo foi responsável por um número tão grande de</p><p>perseguições, expurgos e assassinatos como o perpetrado pelo</p><p>líder soviético. As atrocidades cometidas por Stálin eram pouco</p><p>conhecidas na época da guerra, mas é certo que Churchill e</p><p>Roosevelt sabiam que a URSS era governada por um ditador tão</p><p>sanguinário e implacável quanto Hitler. Enquanto o povo russo</p><p>morria de fome, Stálin colecionava carros e casas luxuosas.</p><p>ssim como hoje, as atrocidades cometidas por Stálin eram pouco</p><p>conhecidas na época da Grande Aliança que destruiu o nazismo</p><p>e venceu a Segunda Guerra. Muitos políticos norte-americanos na</p><p>época das conferências de Teerã (1943) e Yalta (1945) acreditavam</p><p>que Roosevelt havia sido ingênuo diante do ditador soviético. Mas o</p><p>presidente americano sabia que, se tivesse dito ao público a</p><p>verdade sobre Stálin (que a URSS era governada por um ditador tão</p><p>sanguinário e implacável quanto Hitler), os Aliados não teriam</p><p>atingido seu objetivo. A frase de um confidente do presidente</p><p>resume bem essa ideia: “Roosevelt morrera sabendo que tinha</p><p>utilizado Belzebu para lutar contra o Demônio.”96 Ao contrário de</p><p>Stálin, que não via problema algum em sacrificar exércitos em favor</p><p>do objetivo final, Roosevelt, que vivia em uma democracia e era</p><p>pressionado pela opinião pública, tinha uma grande preocupação</p><p>em poupar vidas, principalmente americanas.</p><p>O HOMEM DE AÇO</p><p>O mais impiedoso ditador do século XX nasceu em 6 de dezembro</p><p>de 1878 na pequena Gori, uma aldeia a setenta quilômetros de Tíflis</p><p>(Tbilisi), capital da Geórgia, fronteira com o Azerbaijão, como Iosif</p><p>Vissarionovitch Djugachvil. Há muitas dúvidas sobre o verdadeiro</p><p>pai de Stálin. (O oficial era um beberrão que espancava tanto o filho</p><p>quanto a mãe.) Na opinião de uma neta do ditador, entre os muitos</p><p>candidatos, o mais provável seria o conde Iakov Egnatachvili, para</p><p>quem a mãe de Stálin trabalhava como faxineira e ama de leite. Seja</p><p>como for, “Keke” Gueladze deu duro para possibilitar uma boa</p><p>educação ao filho. “Sosso”, como ela o chamava, entrou para o</p><p>seminário de teologia ortodoxa russa em Tíflis, mas a rebeldia o</p><p>impediu de terminar os estudos. Passou a ser operário e</p><p>revolucionário; trocou o apelido para “Koba”.</p><p>As manifestações e ações revolucionárias lhe renderam</p><p>frequentes e longos períodos de exílio na Sibéria, o que possibilitou</p><p>as leituras e estudos marxistas. Leu e também escreveu muitos</p><p>artigos, principalmente em Viena. Transformou-se em teórico e</p><p>redator do jornal Pravda. A Revolução Russa de 1917 transformou</p><p>Koba em “Stálin” (o homem de aço), nome pelo qual passou para a</p><p>história. (Stal significa aço em russo, mas uma das muitas lendas</p><p>em torno do enigmático georgiano diz que o nome Stálin teria</p><p>surgido de seu relacionamento com Ludmila Stahl.)97</p><p>Se Vladimir Lênin foi o cérebro e o personagem central do</p><p>movimento revolucionário russo, Leon Trótski, criador do Exército</p><p>Vermelho, foi o braço militar da revolução, o responsável por</p><p>derrotar de vez os inimigos dos comunistas durante a Guerra Civil</p><p>(1918-1921). A vitória vermelha e a morte prematura de Lênin, no</p><p>entanto, não significaram a vitória de Trótski. Para o historiador</p><p>norte-americano Bertrand Patenaude, Trótski “nunca adquiriu os</p><p>hábitos necessários para trabalhar dentro de uma organização</p><p>política, muito menos para manobrar nos corredores do poder.”98</p><p>Algo em que Stálin era mestre. Usando dessa habilidade incomum,</p><p>ele conseguiu expulsar Trótski da URSS em 1929 e o perseguiu pela</p><p>Europa até seu refúgio final em Coyoacán, no México. Trótski</p><p>chamava Stálin de “coveiro da revolução”, mas acreditava que</p><p>existia um futuro</p><p>glorioso para o comunismo, desde que livre da</p><p>“revolução degenerada” de seu arquirrival. Em 1940, Trótski</p><p>finalmente perdeu a batalha para Stálin, sendo assassinado por</p><p>agentes do ditador.</p><p>A vitória marcou o início de uma nova era. Stálin agora era o</p><p>vozhd, o líder. Começava o culto à personalidade. Uma biografia</p><p>oficial foi publicada, praças receberam seus bustos e ruas foram</p><p>batizadas com seu nome. Até uma cidade: Volgogrado passou a se</p><p>chamar Stalingrado. Ele ordenou que os antigos companheiros de</p><p>revolução fossem apagados da história, em livros e fotografias.</p><p>Apenas Lênin permaneceu intocável. “Stálin é o Lênin de hoje”,</p><p>era o lema. Sua imagem estava em todos os lugares, livros e jornais.</p><p>O vozhd tornou-se onipresente.</p><p>A propaganda escondia os crimes, e o primeiro deles ocorreu</p><p>com o início da coletivização da agricultura, em 1929. A estatização</p><p>da produção com o confisco dos grãos e a corrupção do sistema</p><p>desencadeou uma enorme crise de abastecimento, principalmente</p><p>na Ucrânia, o celeiro da URSS. A “deskulakização” expulsou mais</p><p>de dois milhões de camponeses de suas fazendas e outros 1,8</p><p>milhão foram deportados para o Gulag — o acrônimo russo para</p><p>“Administração Geral dos Campos de Trabalho Correcional e</p><p>Coloniais”. Cerca de quatrocentos mil foram fuzilados por serem</p><p>classificados como “contrarrevolucionários”.99 Estima-se que entre</p><p>1932 e 1933 mais de 3,5 milhões de ucranianos morreram em</p><p>decorrência da fome. Muitos historiadores consideram genocídio a</p><p>política de Stálin aplicada na região, daí o episódio ser conhecido</p><p>como “Holodomor”, o holocausto ucraniano.</p><p>Enquanto perseguia Trótski e kulaks, Stálin iniciou uma caça às</p><p>bruxas dentro do Partido Comunista e do Exército Vermelho.</p><p>Principalmente entre os anos de 1936 e 1938, perseguições,</p><p>execuções, deportações e trabalhos forçados no Gulag aconteceram</p><p>em grande escala. Não há números precisos, mas havia cerca de</p><p>nove milhões de pessoas presas no Gulag em 1938. Alguns</p><p>historiadores modernos estimam que, somente entre 1935 e 1940,</p><p>mais de oito milhões de “degenerados”, “corruptos”, “traidores” e</p><p>outros “inimigos do povo” tenham morrido durante o que ficou</p><p>conhecido como “terror vermelho”.100 Outros vinte milhões</p><p>estavam presos em 1946. Stálin havia se transformado no “Czar</p><p>Vermelho”, e a NKVD — o “Comissariado do Povo para Assuntos</p><p>Internos” —, na organização mais temida da União Soviética.</p><p>O responsável pela NKVD era Lavrentiy Beria, o Heinrich</p><p>Himmler de Stálin. Beria era cruel, sádico e viciado em sexo,</p><p>recorrendo frequentemente ao estupro para satisfazer seu prazer.</p><p>Ele drogava jovens estudantes e abusava delas ou de quem quer que</p><p>lhe agradasse. O escritor russo Alexander Soljenitsin relatou que,</p><p>para não estragar o tapete persa de seu gabinete, “uma passadeira</p><p>suja e manchada de sangue era desenrolada”.101 A filha de Stálin</p><p>escreveu em suas memórias que Beria era uma “réplica soberba e</p><p>contemporânea do tipo de palaciano insidioso e a encarnação da</p><p>perfídia, da adulação e da hipocrisia orientais”.102</p><p>A NKVD não era temida sem motivos. Sua prisão Lubianca era o</p><p>terror de qualquer um que caísse nas mãos de Beria. Golpes</p><p>violentos nas costas ou na cabeça com cassetetes de borracha eram</p><p>apenas um aquecimento. Quebrar ossos e castrar homens era</p><p>prática comum. Mulheres tinham os cabelos e as unhas arrancados,</p><p>eram violentadas e tinham o rosto e a pele do corpo lacerados.</p><p>Jovens, meninas e mulheres grávidas não eram perdoadas.</p><p>Mergulhos em barris de urina também eram usados para ajudar</p><p>presos a “lembrarem” e confessarem o desejado.103</p><p>O historiador polonês Moshe Lewin, especialista em história</p><p>russa e na Era Soviética, resumiu: o terror stalinista não resultou da</p><p>existência dos inimigos políticos; os inimigos políticos foram</p><p>inventados para justificar o terror que Stálin exigia.104 Uma</p><p>verdadeira “paranoia institucionalizada”. O escritor inglês Nikolai</p><p>Tolstoy, aparentado com o grande escritor russo, afirmou que “a</p><p>grande realização de Stálin consistiu em colocar uma população de</p><p>quase duzentos milhões inteiramente nas mãos da polícia,</p><p>enquanto ele exercia poder absoluto sobre essa mesma polícia”.105</p><p>A “ilógica lógica” de Stálin pode ser explicada por um episódio</p><p>narrado nas memórias de Valentin Berezhkov, seu intérprete, e que</p><p>envolveu Molotov, um dos poucos homens no império soviético</p><p>que passou ileso pelo Grande Terror, pela Segunda Guerra e pela</p><p>Guerra Fria.106 Quando algo não dava certo, Stálin exigia que “o</p><p>culpado fosse encontrado e severamente punido”. A única coisa a</p><p>fazer era identificá-lo. Certa vez, o ministro do Exterior verificou</p><p>que um telegrama do ditador para Roosevelt não havia sido</p><p>respondido. Imediatamente Molotov ordenou que Berezhkov</p><p>encontrasse o culpado pelo erro. Berezhkov não encontrou</p><p>ninguém no lado soviético e concluiu que o erro era do</p><p>Departamento de Estado dos EUA. Ao ler o relatório, Molotov riu</p><p>dele, explicando que toda falha poderia ser atribuída a alguém. Um</p><p>culpado foi encontrado no departamento de criptografia, afastado</p><p>da função, expulso do partido, desaparecendo sem deixar rastro. A</p><p>lógica insana de Stálin era clara: se não houvesse um culpado nos</p><p>escalões inferiores, ele teria que ser encontrado entre os superiores,</p><p>e isso não podia ser posto em questão. Para Tolstoy, o líder</p><p>soviético tinha uma “mentalidade criminosa”.107</p><p>A perseguição aos inimigos do povo atingiu a equipe doméstica</p><p>de Stálin, que também “foi levada embora”. Tanto no Kremlin</p><p>quanto nas dachas em Moscou, cozinheiras, criadas e outros</p><p>funcionários foram substituídos por serviçais escolhidos pela</p><p>NKVD. Até mesmo as famílias Svanidze e Alliluyev, parentes das</p><p>mulheres de Stálin, foram dizimadas. “Tudo isso vai além do que</p><p>eu poderia imaginar para a desonestidade e vileza humanas”,</p><p>escreveu em seu diário Maria (“Mariko”) Svanidze, a cunhada do</p><p>ditador.108</p><p>Insensibilidade e indiferença eram uma marca stalinista.</p><p>Quando sua mãe morreu em 1937, Stálin não foi ao enterro e</p><p>proibiu que se divulgasse a notícia. A velha mãe do homem de aço</p><p>foi sepultada ao som da “Internacional”, o hino comunista, como</p><p>mandava o rito soviético. Nem a religiosidade materna ele</p><p>respeitou. A pesquisadora francesa Lilly Marcou escreveu: “Com</p><p>Keke, Stálin enterrou a essência de sua vida humana.”109</p><p>Ele tratou os filhos da mesma forma. Iakov Stálin, conhecido</p><p>como “Iacha”, era o primogênito de seu casamento com Ekaterina</p><p>Svanidze, a quem o ditador chamava de “Kato”. Iacha servia como</p><p>tenente-major na 14ª Divisão de Tanques quando sua unidade foi</p><p>cercada e ele foi feito prisioneiro da Wehrmacht próximo a Vitebsk,</p><p>na Bielorrússia, em julho de 1941. Os alemães distribuíram folhetos</p><p>com a informação e com uma foto do prisioneiro, bem como uma</p><p>suposta mensagem escrita por Iacha pedindo a rendição russa.</p><p>Seguindo as regras vigentes, a mulher de Iacha foi presa pela</p><p>NKVD como familiar de um “traidor da pátria” que se entregara ao</p><p>inimigo — ela permaneceu presa por dois anos e a neta de Stálin foi</p><p>entregue a outro membro da família. Destacamentos especiais</p><p>foram realizados para libertá-lo, mas o precioso troféu permaneceu</p><p>em um campo de prisioneiros alemães na Baviera junto com</p><p>generais russos. Os alemães não conseguiram convencer Iacha a</p><p>lutar com os voluntários russos de Vlasov que serviam na</p><p>Wehrmacht. Depois de uma tentativa frustrada de fuga, ele foi</p><p>transferido para o campo de concentração de Sachsenhausen.</p><p>Quando a batalha de Stalingrado terminou, no começo de 1943,</p><p>Hitler tentou trocar o marechal de campo alemão Friedrich von</p><p>Paulus pelo prisioneiro importante. “Não troco um soldado por um</p><p>marechal”, teria dito Stálin.110 Iakov Stálin foi morto pelos guardas</p><p>do campo em uma tentativa de fuga, em abril de 1943. Seu corpo</p><p>foi cremado e as cinzas levadas a Berlim.</p><p>Como a mãe de Iakov morreu de tifo em 1907, o viúvo Stálin</p><p>casou-se em 1919 com Nadeja Sergueievna Alliluyev. Nadia, como</p><p>era mais conhecida, era secretária de Lênin e tinha apenas 18 anos</p><p>de idade; Stálin tinha 41. Antes de cometer suicídio em 1932, Nadia</p><p>lhe deu dois filhos, Vassili e Svetlana,</p><p>a queridinha do pai. Nadeja</p><p>foi encontrada no quarto com uma arma sobre a cama e com um</p><p>tiro na cabeça, mas a versão oficial afirmou que uma apendicite</p><p>fora a causa da morte. O caso nunca foi esclarecido. As relações</p><p>com Stálin eram difíceis, mas as cartas trocadas entre o casal são as</p><p>mais humanas escritas pelo líder soviético. “Tateka”, escreve à</p><p>esposa, “os negócios que vão para o diabo… Quando tiver seis ou</p><p>sete dias livres, venha diretamente para Sotchi”. Em outra carta,</p><p>ele se refere a ela como “minha Totuchka”.111 Quase todos que o</p><p>viram afirmam que o suicídio da mulher abalou profundamente</p><p>Stálin.</p><p>O filho Iakov também tentou suicídio antes de se alistar no</p><p>Exército para tentar agradar o pai. O segundo filho, Vassili, era um</p><p>playboy e, anos depois da guerra, acabou morrendo em uma</p><p>bebedeira. A caçula Svetlana tinha uma relação melhor com o pai,</p><p>mas depois de três casamentos infelizes e da morte de Stálin,</p><p>terminou seus dias nos Estados Unidos.</p><p>Viúvo duas vezes, o líder soviético encontrou na cunhada</p><p>Evguenia Aleksandrovna um novo amor. O romance iria durar</p><p>quase uma década, até que Evguenia também foi presa pela NKVD.</p><p>Era “uma amizade amorosa e cúmplice mais que uma paixão”,</p><p>revelou uma biógrafa do vozhd, e o cunhado de Stálin, irmão de</p><p>Nadeja, nunca suspeitou de nada. A “terceira mulher” de Stálin</p><p>nunca passou de lenda, depois do suicídio da segunda esposa ele</p><p>nunca voltou a casar-se oficialmente. Mas teve muitas amantes.</p><p>Além de Evguenia, nomes como Rosa Kaganovich e a estrela do</p><p>Bolshoi, Vera Aleksandrovna Davidova, aparecem com frequência</p><p>na lista de suas amantes. Mas provavelmente seu último</p><p>relacionamento sexual foi com Valentina Vassilievna Istomina, a</p><p>governanta da dacha de Blijniaia que o acompanhava em todas as</p><p>viagens e passou a ser sua companheira durante a Segunda Guerra.</p><p>Valetchka, como era mais conhecida, tornou-se a amante secreta</p><p>de Stálin por quase vinte anos. Quando ele morreu, ela estava</p><p>junto, chorou aos gritos, “como é de uso no campo”, “custou a</p><p>conter-se e ninguém a incomodou”, revelou a filha do ditador.112</p><p>Stálin e os filhos Vassili e Svetlana, em junho de 1935.</p><p>Í</p><p>POLÍTICO PARANOICO</p><p>Stálin tinha um medo insano de ser assassinado. Ele jamais andou</p><p>em meio ao povo e temia manifestações ou situações em que</p><p>ficasse exposto. Poucas vezes utilizou o avião, por medo de</p><p>acidentes aéreos ou de atentados; seu principal meio de transporte</p><p>era um trem blindado. Jamais anunciava com antecedência viagens</p><p>e destinos. Sua alimentação era rigorosamente controlada pela</p><p>NKVD; cada pedaço de pão ou carne era examinado antes que ele o</p><p>ingerisse, mesmo sendo toda a comida produzida em hortas</p><p>destinadas especialmente para ele. Seu maior medo, no entanto,</p><p>era o Exército Vermelho, criado por seu desafeto Leon Trótski.</p><p>O medo e a mania paranoica de perseguição de Stálin eram</p><p>tamanhos que ele assassinou a elite militar do país às vésperas da</p><p>Segunda Guerra. Ao todo, 35 mil oficiais do Exército Vermelho</p><p>foram executados em 1937. Entre eles, havia um comissário do</p><p>povo para defesa e três subcomissários, 16 comandantes de distritos</p><p>militares, 33 comandantes de corpo, 76 comandantes de divisão,</p><p>40 comandantes de brigada e 291 comandantes de regimento.</p><p>Muitos cientistas e projetistas de armamentos, como o famoso</p><p>Tupolev, foram presos. Nem soldados rasos escaparam, pelo menos</p><p>um milhão deles foram eliminados, a maioria por simples delação</p><p>sem provas. Um historiador russo escreveu que “bastava alguém</p><p>ser visto embrulhando peixe em um jornal onde estivesse impresso</p><p>um retrato de Stálin para que fosse preso e desaparecesse da face da</p><p>terra”.113</p><p>Franklin Roosevelt acreditava que Stálin não era muito diferente</p><p>dos políticos ocidentais. Quando o ditador invadiu a Finlândia, ele</p><p>descreveu a União Soviética como “uma ditadura tão radical como</p><p>qualquer outra ditadura no mundo”. Mas o historiador Michael</p><p>Dobbs afirmou que o vozhd “guardava mais semelhanças com</p><p>Tamerlão ou Ivã, o Terrível, do que com George Washington”.114</p><p>Charles de Gaulle, o líder da França Livre, também deu sua opinião</p><p>sobre Stálin: “Ditador dissimulado e astuto, conquistador com ar</p><p>bonachão, de tudo fazia para iludir.”115 Por fim, o próprio líder</p><p>resumiu seu perfil político: “Não há maior prazer que descobrir um</p><p>inimigo, preparar a vingança, ver tudo feito e, depois, dormir</p><p>sossegado.”116</p><p>Stálin recebia dezenas de relatórios diários de Beria e ele tinha</p><p>prazer em ler cada um deles até altas horas da madrugada.</p><p>Apreciava cada detalhe sobre a vida pessoal e a intimidade de seus</p><p>inimigos. Quando o QG de Hitler na Prússia Oriental caiu em mãos</p><p>soviéticas, recebeu detalhes de cada milímetro quadrado da área. O</p><p>mesmo ocorreu com o bunker em Berlim. Precisava saber de tudo</p><p>sobre todos, para decidir quem iria morrer. E o vozhd fazia isso</p><p>frequentemente, conferindo pessoalmente cada ordem de</p><p>execução. Em 1938, antes de ir ao cinema do Kremlin “para</p><p>relaxar”, deixou anotada a lista com alguns nomes: “Todas essas</p><p>3.167 pessoas devem ser fuziladas.”117 Até a sua morte quinze anos</p><p>mais tarde, Stálin teria mandado executar cerca de oitocentas mil</p><p>pessoas, entre generais e políticos importantes na URSS.</p><p>Durante a Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945, Roosevelt,</p><p>tentando se aproximar do ditador soviético, confidenciou que</p><p>Churchill e ele se referiam a ele como “Tio Joe” em suas mensagens</p><p>e comunicados. Churchill já havia contado a história dois anos</p><p>antes, em 1943, mas o líder soviético não gostou nem um pouco de</p><p>ser insultado diante dos subalternos. A palavra russa para tio,</p><p>“dyadya”, também é usada para se referir a um velho inofensivo,</p><p>que pode ser facilmente enganado.118</p><p>Mas Stálin podia ser tudo, menos um velho tolo que podia ser</p><p>enganado. Quando a “Grande Guerra Patriótica”, como os russos</p><p>chamam a Segunda Guerra Mundial, começou, ele não teve o</p><p>menor pudor em convocar o povo com a retórica czarista, o regime</p><p>que a revolução derrubara. No famoso discurso de julho de 1941,</p><p>dias após a invasão alemã da URSS, ele lembrou os heróis russos</p><p>dos tempos dos czares, Aleksandr Niévski, Aleksandr Suvorov,</p><p>Mikhail Kutuzov, entre outros (até o Stavka, o comando supremo</p><p>das forças armadas, criado por Nicolau II, foi reativado). E para</p><p>cooptar as graças do povo, reabriu a Igreja Ortodoxa, substituiu as</p><p>imagens e as condecorações de Marx, Engels e Lênin pelas dos</p><p>antigos heróis imperiais. Permitiu que antigas canções populares</p><p>voltassem a ser cantadas e que a literatura, o teatro e o cinema</p><p>voltassem a exaltar o passado da grande Mãe Rússia.119 Stálin</p><p>também não teve problemas em se juntar com os novos aliados,</p><p>ingleses e americanos, depois da traição de Hitler.</p><p>Stálin em seu escritório no Kremlin, em Moscou, em 1939.</p><p>KATYN E OUTROS MASSACRES SOVIÉTICOS</p><p>Depois da invasão do lado oriental da Polônia, em 1939, os</p><p>soviéticos levaram cativos para as proximidades de Smolensk, na</p><p>Rússia, cerca de 22 mil prisioneiros poloneses, oficiais do Exército,</p><p>policiais e a inteligência do país.120 Com ordens diretas do Politburo</p><p>do Partido Comunista Soviético, eles foram executados entre abril e</p><p>maio de 1940. Em abril de 1943, os alemães descobriram o local das</p><p>execuções e do sepultamento: a Floresta de Katyn, às margens do</p><p>rio Dnieper. O local era um campo de extermínio dos opositores do</p><p>comunismo desde 1918.</p><p>A propaganda nazista permitiu que representantes da Cruz</p><p>Vermelha Internacional visitassem o local da exumação, mas os</p><p>russos negaram veementemente e a ação foi encoberta após a</p><p>retomada do território pelo Exército Vermelho. Churchill</p><p>desconversou a respeito, “quanto menos se falar a respeito,</p><p>melhor”. Roosevelt acreditou em Stálin: tudo não passava de</p><p>“propaganda alemã e conspiração nazista”.121 Em 1946, durante os</p><p>julgamentos de Nuremberg, com a anuência dos Aliados</p><p>ocidentais, os russos conseguiram jogar seus próprios crimes de</p><p>guerra nas costas da Alemanha derrotada. A ordem das execuções</p><p>assinada diretamente pelo próprio Stálin só foi tornada pública</p><p>após a queda do regime soviético na década de 1990.</p><p>Não apenas oficiais do Exército</p><p>polonês foram enviados para a</p><p>Rússia. Nos primeiros meses de 1940, enquanto a SS de Hitler</p><p>prendia judeus, os soviéticos deportaram quase 140 mil civis para a</p><p>Sibéria acusados de ser “kulaks”. “Vocês são senhores e nobres</p><p>poloneses. Vocês são inimigos do povo”, disse a uma família</p><p>polonesa um oficial da NKVD.122</p><p>Nos primeiros meses após a invasão alemã, em 1941, mais de 1,3</p><p>milhão de pessoas foram julgadas e 67,4% delas enviadas para as</p><p>prisões do Gulag. No Volga, onde havia uma grande colônia alemã</p><p>criada na época da czarina Catarina, a Grande, no século XVIII,</p><p>quatrocentos mil descendentes de alemães foram levados</p><p>prisioneiros para a Sibéria e o Cazaquistão. Os prisioneiros</p><p>supostamente destinados aos reformatórios eram na verdade</p><p>enviados para lutar na frente de batalha, na maioria das vezes</p><p>colocados em esquadrões suicidas, conhecidos como “batalhões</p><p>penais”. Entre 1942 e 1945, 975 mil prisioneiros serviram nesses</p><p>batalhões.123</p><p>Com medo que a Wehrmacht libertasse prisioneiros “políticos” e</p><p>descobrisse os horrores do Gulag, a NKVD ordenou que todos os</p><p>campos fossem evacuados para as regiões inóspitas ao leste. A</p><p>rapidez do avanço alemão fez com que os russos exterminassem</p><p>campos inteiros. Em Smolensk, Minsk, Kharkov e em outros</p><p>lugares, centenas de milhares foram fuzilados ou espancados até a</p><p>morte. Só em Lvov, na Ucrânia, os alemães encontraram 3.500</p><p>pessoas mortas, a maioria mutilada, os homens sem os órgãos</p><p>sexuais e as mulheres com os seios dilacerados; os olhos tinham</p><p>sido arrancados.124 Em Riga, na Letônia, os alemães encontraram</p><p>na prisão evacuada pela NKVD instrumentos para quebrar ossos,</p><p>amassar os testículos, furar a sola dos pés e arrancar unhas das</p><p>mãos. Algo mais assombroso ainda os aguardava nas celas: os</p><p>corpos pareciam “carne na vitrine do açougue”.</p><p>O mesmo Stálin que a propaganda pintava como libertador da</p><p>barbárie nazifascista não estava disposto a perdoar ninguém. Em</p><p>1943, pelo menos duzentos mil tártaros e 390 mil chechenos que</p><p>mantiveram “relação amistosa” com o inimigo foram deportados</p><p>para a Sibéria, para o trabalho escravo.125 Milhares de pessoas</p><p>morreram de sede nos vagões que os tártaros chamaram de</p><p>“crematórios sobre rodas”. Não foram os únicos. Os cossacos, por</p><p>exemplo, viram na invasão nazista da União Soviética a</p><p>oportunidade de reivindicar terras historicamente suas e apoiaram</p><p>os alemães com a esperança de serem recompensados no pós-</p><p>guerra. Com a derrota alemã, tornaram-se prisioneiros dos</p><p>britânicos que, apesar dos pedidos em contrário, os devolveram</p><p>aos soviéticos. Só de oficias (como os generais Piotr Krasnov e</p><p>Andrei Shkuro), 15 mil desapareceram em mãos russas. O povo</p><p>cossaco foi dizimado e riscado do mapa.126 Ao todo, 3,5 milhões de</p><p>pessoas pertencentes a minorias étnicas foram deportadas para o</p><p>Gulag.127</p><p>Depois da guerra, as obras de propaganda não cansaram de</p><p>exaltar o “generalíssimo”, o “maior líder dos tempos modernos”.</p><p>Stálin recebeu as medalhas de Herói da União Soviética, a Ordem</p><p>de Lênin e a Ordem da Vitória, uma estrela de platina de cinco</p><p>pontas cravejadas com 135 diamantes e cinco rubis. M. Kharlamov</p><p>escreveu em 1949 que Stálin era o responsável pela “libertação dos</p><p>povos da Europa do jugo fascista alemão, e a salvação da civilização</p><p>europeia da destruição pelos bárbaros fascistas”.128 Foi a</p><p>consolidação da política de culto à personalidade.</p><p>MANSÕES E CARROS DE LUXO</p><p>A propaganda escondia muitas outras verdades. Em 1 de março de</p><p>1953, o vozhd foi encontrado caído no chão do quarto, em sua</p><p>dacha em Blijniaia, Kuntsevo, no subúrbio de Moscou. Seu médico</p><p>particular, Vinogradov, estava preso, e uma equipe médica só foi</p><p>chamada no dia seguinte, mais de 12 horas depois. O ditador</p><p>agonizou até o dia 5, quando finalmente faleceu de “hemorragia</p><p>cerebral”. Pelo menos essa foi a versão oficial divulgada, o que na</p><p>União Soviética não significava nada. Poucos dias depois, Beria</p><p>teria revelado a Molotov quem o havia matado: “Salvei vocês</p><p>todos!”129 Assassino ou não, Beria foi detido quatro meses depois e</p><p>executado em dezembro do mesmo ano. Se não houve</p><p>envenenamento, o longo tempo que Stálin permaneceu sem</p><p>atendimento médico pode ser caracterizado, no mínimo, como</p><p>“assassinato por omissão de socorro”.</p><p>Segundo Lilly Marcou, no inventário dos bens pessoais de Stálin,</p><p>quase nada foi encontrado além de móveis baratos, poltronas</p><p>revestidas com capas, nenhum objeto antigo, nada de valor. Ele</p><p>dormia com um cobertor do Exército. Para Tolstoy e para a própria</p><p>filha, no entanto, a fortuna de Stálin não era depositada em contas</p><p>no banco. Ele tinha tudo que queria sem precisar de dinheiro. Para</p><p>Svetlana, ele sequer sabia o real valor do dinheiro. Além de uma</p><p>suíte no Kremlin, Stálin possuía várias dachas. Eram cinco</p><p>próximas a Moscou (Blijniaia e Zubalovo eram as principais), mas</p><p>havia ainda casas luxuosas às margens do Mar Negro, como Sotchi,</p><p>na sua Geórgia natal. Abkhazia, próxima a Sokhumi, era uma cópia</p><p>da casa de Hitler em Berchtesgaden. Nem mesmo seu arquiteto</p><p>favorito sabia quantas eram ao todo, mas eram todas</p><p>magnificamente decoradas e equipadas com salas de bilhar, salas</p><p>de cinemas e estábulos com cavalos de raça. Todas mantidas em</p><p>segredo, “para que o povo não tome conhecimento”.130 Além de</p><p>casas, carros importados, como Rolls-Royces, Packards, Cadillacs e</p><p>Lincolns. Tudo de que ele precisava era pago pelo governo: viagens,</p><p>roupas, empregados, festas, ópera, absolutamente tudo. Uma</p><p>“quantia astronômica”, bilhões de rublos. A filha Svetlana</p><p>comentou: “Só Deus sabe o quanto tudo isso custava.” Nada mal</p><p>para um comunista que obrigara seu povo à coletivização e à fome.</p><p>Três anos depois da morte de Stálin, durante o 20º Congresso do</p><p>Partido Comunista, o novo líder da URSS Nikita Kruchtchev</p><p>denunciou as atrocidades da ditadura stalinista ao mundo.</p><p>“O</p><p>5. SHOAH, O HOLOCAUSTO JUDEU</p><p>Quando a Segunda Guerra começou, a comunidade judaica já</p><p>estava em declínio há muito tempo. E os alemães não eram os</p><p>únicos a persegui-los. Na década de 1930, vários países europeus</p><p>criaram leis antissemitas. Os ingleses pensaram até mesmo em</p><p>enviar todos para Uganda ou Madagascar. Para piorar, o</p><p>Holocausto não foi arquitetado por loucos e alienados, mas por</p><p>cientistas e juristas, e até mesmo por judeus.</p><p>grande problema da civilização é assegurar um aumento relativo</p><p>daquilo que tem valor, quando comparado aos elementos</p><p>menos valiosos e nocivos da população. [...] Eu desejo muito</p><p>que se possa evitar completamente a procriação de pessoas erradas.</p><p>E o que se deve fazer, quando a natureza maligna dessas pessoas for</p><p>suficientemente flagrante? Os criminosos devem ser esterilizados, e</p><p>aqueles mentalmente retardados devem ser impedidos de deixar</p><p>descendência. A ênfase deve ser dada à procriação de pessoas</p><p>adequadas.”131</p><p>É bem provável que antes de terminar de ler o texto acima você</p><p>já tenha imaginado o autor dele. Mas se pensou em Hitler, errou.</p><p>Tais palavras foram proferidas por Theodore Roosevelt, presidente</p><p>norte-americano no início do século XX e primo distante de outro</p><p>presidente estadunidense provavelmente mais popular, Franklin</p><p>Delano Roosevelt.</p><p>Teddy Roosevelt não estava dizendo bobagens, pelo menos não</p><p>para a época. A reprodução seletiva de modo a aprimorar as</p><p>características desejáveis da espécie humana era considerada uma</p><p>ciência. Universidades, intelectuais e cientistas davam respaldo à</p><p>teoria. Criou-se até um “comitê”, fundado em 1906, para ressaltar</p><p>as virtudes da “raça superior” (os ingleses e alemães, que haviam</p><p>colonizado a América do Norte). E encontrou tanta receptividade</p><p>que, em 1924, os Estados Unidos se tornaram o primeiro país no</p><p>mundo a criar leis eugênicas.</p><p>Na Alemanha, a eugenia ganhava força nessa mesma época. Em</p><p>1900, a Fundação Krupp premiou a tese Herança e seleção no curso</p><p>da vida dos povos, do médico bávaro Wilhelm Schallmayer. Em</p><p>três décadas, as propostas voltadas para a higiene racial (a melhoria</p><p>da raça por meio da seleção), o controle dos casamentos para</p><p>pessoas de sangue puro e a criação de crianças pelo Estado</p><p>defendidas por Schallmayer</p><p>se transformariam na mola propulsora</p><p>da ideologia racista nazista.132</p><p>JUDEUS À BEIRA DO COLAPSO</p><p>No começo da década de 1930, os judeus alemães estavam em</p><p>rápido declínio demográfico. Em quase todos os cantos da Europa,</p><p>comunidades judaicas passavam por uma crise existencial. O</p><p>nazismo e o Holocausto ainda não eram uma realidade, mas a</p><p>civilização judaica estava “à beira de um colapso terminal”.133</p><p>Estudos recentes, como o do doutor Bernard Wasserstein, professor</p><p>emérito na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos,</p><p>confirmam dados já apresentados por Hannah Arendt, a célebre</p><p>filósofa judeu-alemã, na década de 1970.</p><p>Em seu estudo, Wasserstein, que também é judeu e especialista</p><p>em história judaica, afirma que, das 2.359 comunidades judaicas da</p><p>Alemanha em 1899, restaram apenas 1.611 em 1932. A queda foi</p><p>acentuada na última década pré-nazismo. Em apenas oitos anos,</p><p>entre 1925 e 1933, o ano da ascensão de Hitler ao poder, a</p><p>população judaica havia encolhido 11%.134 Os judeus viviam no país</p><p>há mil anos e estavam tão adaptados à cultura e à história alemã</p><p>que eram tão alemães quanto os próprios alemães. O casamento</p><p>com não judeus alcançou índices elevados, e a mobilidade social e</p><p>a modernização estavam alterando a situação da comunidade</p><p>judaica no começo do século XX. Só nas três primeiras décadas do</p><p>século houve 61 mil casamentos mistos na Alemanha.135</p><p>Wasserstein chamou isso de “suicídio racial”.</p><p>Os judeus, no entanto, não passavam por problemas apenas na</p><p>Alemanha. Em 1905, o Congresso Sionista rejeitou uma proposta do</p><p>governo britânico para que os judeus se estabelecessem no Leste da</p><p>África, o “projeto Uganda”. Em novembro de 1920, a Hungria criou</p><p>uma lei de cotas para restringir o número de judeus nas</p><p>universidades. Foi a primeira lei antissemita no período</p><p>imediatamente anterior à ascensão do nazismo. Na década de 1930,</p><p>vários países europeus criaram ou incentivaram leis antissemitas.</p><p>Em 1934, a Romênia, onde vivia um número considerável de</p><p>judeus, limitou o emprego deles em fábricas do país. Em quase todo</p><p>o continente europeu, eles haviam sido destituídos dos diretos civis</p><p>e estavam se transformando em párias. Na União Soviética, as</p><p>comunidades judaicas entraram em rápido declínio depois da</p><p>Revolução de 1917. Identificados como membros da “classe</p><p>exploradora” (pequenos comerciantes e artesãos), eles foram</p><p>rapidamente transformados em “destituídos”.</p><p>Nem mesmo entre os judeus havia comunhão. A política judaica</p><p>nesse período foi caracterizada por ser “altamente faccionada,</p><p>turbulenta e intransigente”. Não foram raras as vezes que os</p><p>partidos políticos judaicos criaram milícias uniformizadas e usaram</p><p>da força contra seus oponentes também judeus. Em 1923, quando</p><p>os sionistas poloneses celebraram a inauguração da Universidade</p><p>Hebraica, os judeus comunistas receberam instruções para</p><p>tumultuar o evento. Moshe Zalcman, que estava com os</p><p>comunistas, não entendeu por que deviam se opor a uma</p><p>universidade judaica. “Emergimos da luta física e moralmente</p><p>machucados”, escreveu ele mais tarde.136</p><p>As ideias sionistas, aliás, não diferiam muito daquelas dos</p><p>teóricos racistas alemães, como Hans Günther. O judeu-alemão</p><p>Arthur Ruppin acreditava que o povo judeu era racialmente</p><p>diferente e que não pertencia à Europa, assim como não deveria ser</p><p>assimilado por ela. Para ele, os judeus, tal como os árabes,</p><p>pertenciam à Palestina.137 E foi para lá que ele direcionou seus</p><p>esforços de emigração judaica. Ficou conhecido como “o pai do</p><p>assentamento sionista”.</p><p>Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra, viviam na Alemanha,</p><p>na Áustria e no Protetorado da Boêmia e Morávia — a “Grande</p><p>Alemanha” de Hitler — apenas 345 mil dos mais de 9,7 milhões de</p><p>judeus europeus. Na Polônia, estava a maior comunidade judaica</p><p>da Europa, 3,2 milhões de pessoas. Somente na capital, Varsóvia,</p><p>viviam 380 mil, mais do que todos os judeus da Alemanha juntos. E</p><p>ainda que a maioria considerasse o país seu lar, os judeus estavam</p><p>em um grau considerável de isolamento da população do ponto de</p><p>vista religioso, socioeconômico e político. Mesmo que condenando</p><p>os ataques a judeus, o Partido Socialista polonês apoiava a</p><p>emigração judaica. E o Partido dos Camponeses declarou, em 1935,</p><p>que os judeus eram uma “nação estrangeira”. O líder do Partido</p><p>Conservador, Janusz Radziwill, preconizou, em 1937, a “emigração</p><p>forçada de judeus”, e os social-democratas encaravam-nos como</p><p>“sublocatários” do solo polonês, chegando a defender a completa</p><p>eliminação da sociedade polonesa.138 De fato, mesmo depois dos</p><p>horrores do Holocausto, os poloneses realizaram atos antissemitas,</p><p>como os de Kielce, em que foram assassinados sobreviventes de</p><p>Auschwitz.139</p><p>Para Wasserstein, o antissemitismo nazista diferia do</p><p>antissemitismo do restante da Europa por sua brutalidade radical e</p><p>sistematização burocrática, mas não em suas origens. O sucesso do</p><p>ataque nazista aos judeus requereu não apenas a participação ativa</p><p>de uma minoria fanática, mas também a aquiescência de uma</p><p>maioria indiferente. Os discursos de Hitler e a propaganda nazista</p><p>divulgaram, ampliaram e justificaram a perseguição aos judeus,</p><p>mas não criaram o antissemitismo; ele já existia, não somente na</p><p>Alemanha, mas também em toda a Europa. Infelizmente para os</p><p>judeus, Hitler plantou em solo fértil. “A estrada para Auschwitz”,</p><p>como definiu o historiador Ian Kershaw, “foi construída com ódio e</p><p>pavimentada com a indiferença”.140</p><p>INTELECTUAIS E CIENTISTAS NA SS</p><p>Quando Hitler prestou o juramento oficial como Chanceler da</p><p>Alemanha, em 30 de janeiro de 1933, a SS (Schutzsta�el), ou Tropa</p><p>de Proteção, de Himmler tinha mais de duzentos mil membros. Um</p><p>número espantoso, se levado em conta que dez anos antes a SS não</p><p>passava de um grupo menor dentro da SA (Sturmabteilung), ou</p><p>Tropa de Assalto. Himmler transformou a SS em uma máquina</p><p>mortífera eficientíssima a serviço do partido, suplantou e derrubou</p><p>a SA, transformando a organização dos Camisas Pretas, cujos</p><p>símbolos eram a caveira e as runas sigel (que representavam o sol e</p><p>a vitória), na mais poderosa organização político-militar do</p><p>Terceiro Reich.</p><p>Mas ainda que a ideologia da superioridade racial germânica e</p><p>todas as suas implicações para com alemães e não alemães</p><p>partissem de Heinrich Himmler, os detalhes técnicos e a eficiência</p><p>na organização da SS foram fundamentalmente estabelecidos por</p><p>Reinhard Heydrich, um ex-oficial da Marinha que se juntara aos</p><p>nazistas em 1931. O célebre romancista alemão Thomas Mann</p><p>alcunhou Heydrich, não por simpatia, de “o carrasco de Hitler”. Os</p><p>tchecos, mais pragmáticos, o chamavam de “o açougueiro de</p><p>Praga”. Sua história e biografia, no entanto, têm recebido uma</p><p>atenção incrivelmente modesta na extensa literatura sobre o</p><p>Holocausto. Provavelmente porque seu assassinato, em 1942, o</p><p>tenha livrado dos julgamentos no pós-guerra e da comoção popular</p><p>com a descoberta dos campos de extermínio na Europa Central. A</p><p>grande repercussão midiática do julgamento de Adolf Eichmann</p><p>em Israel, em 1961, terminou por ofuscar a personalidade e a</p><p>importância de Heydrich na organização e na logística da “Solução</p><p>Final” para a questão judaica.141</p><p>Se os membros do alto escalão do Partido Nazista eram em sua</p><p>maioria homens sem instrução formal, vindos das classes baixa e</p><p>média da Alemanha pós-Primeira Guerra, a elite da SS e do SD, o</p><p>Serviço de Segurança, responsável, entre outros setores, pela</p><p>Polícia Secreta (a Gestapo), depois transformado em RSHA</p><p>(Escritório Central de Segurança do Reich), era composta por</p><p>homens com boa formação acadêmica, inteligentes, cultos, com</p><p>doutorado em várias ciências humanas, como história, geografia,</p><p>sociologia, etnologia e medicina.142</p><p>Segundo Christian Ingrao, diretor do Instituto de História do</p><p>Tempo Presente de Paris, que estudou minuciosamente a trajetória</p><p>pessoal e a formação intelectual de oitenta membros da</p><p>organização mais temida do regime de Hitler, os cientistas</p><p>membros da SS tiveram participação significativa na orquestração</p><p>das políticas raciais e no Holocausto. Ou seja, ao contrário do que</p><p>se pensa, os mentores de</p><p>um dos maiores genocídios da história</p><p>não eram alienados, tampouco um bando de loucos. Especialistas</p><p>militantes e cientistas engajados, esses intelectuais encontraram</p><p>“uma instituição que lhes permitia aliar rigor científico a exigências</p><p>da militância nazista elitista encarnada na SS”, definiu Ingrao.143</p><p>Muitos membros do alto escalão da SS tinham doutorado em</p><p>suas áreas de pesquisa e ainda assim eram quase todos marcados</p><p>pela atuação nos Einsatzgruppen, os grupos de operações especiais,</p><p>responsáveis pela identificação e o extermínio de judeus no Front</p><p>Leste. Entre eles, Otto Ohlendorf, que atuou impiedosamente</p><p>contra os judeus na Ucrânia e na Crimeia, sendo responsável direto</p><p>pelos assassinatos. Muitos fizeram o mesmo. Bruno Müller chegou a</p><p>matar, com as próprias mãos, uma mulher e seu bebê à guisa de</p><p>demonstração perante a tropa reunida. Alguns eram juristas, como</p><p>Albert Rapp, outros, como Hans-Joachim Beyer, historiadores. E</p><p>não foram raros os que escaparam da justiça e viveram até os</p><p>noventa anos. Martin Sandberger, líder de um grupamento do</p><p>Einsatzgruppe A, que atuou na Letônia, morreu aos 98 anos, em</p><p>2010, sem pagar pelos crimes cometidos.</p><p>Esses homens de ciência, filhos da Alemanha derrotada na</p><p>Primeira Guerra, sistematizaram uma ideologia racista e</p><p>preconceituosa e a transformaram no ideal de uma nação,</p><p>colocando suas capacidades intelectuais a serviço do nazismo. A</p><p>habilidade retórica de Hitler fez o resto.</p><p>SHOAH</p><p>Sob a proteção da ciência e aproveitando-se da fragilidade política</p><p>dos judeus-alemães e europeus, os nazistas não esperaram muito</p><p>para dar início a sua luta contra o que consideravam uma “praga”.</p><p>Em 1º de abril de 1933, apenas três meses depois de assumir o</p><p>controle político da Alemanha, o governo nazista patrocinou um</p><p>boicote nacional ao comércio de judeus que foi seguido pelo</p><p>expurgo do serviço público. Em 15 de setembro de 1935, durante o</p><p>congresso anual do Partido Nazista, que ocorria em Nuremberg, na</p><p>Baviera, Hitler promulgou o mais importante conjunto de leis</p><p>raciais e antissemitas, “As Leis de Nuremberg”. Elas privavam o</p><p>judeu da cidadania alemã, proibiam o casamento com alemães</p><p>arianos, a raça pura e superior, conforme a doutrina nazista, e</p><p>também definiam o que seria um “judeu pleno” e alguém com</p><p>sangue judeu misturado (os mestiços ou meio-judeus).</p><p>Os judeus plenos eram, obviamente, aqueles com todos os</p><p>quatro avós judeus. Para os mestiços, havia dois graus. No primeiro</p><p>grau, estavam aqueles que tinham apenas dois avós judeus, que não</p><p>eram casados com judeus plenos e não frequentavam uma</p><p>congregação judaica. No segundo, quem tivesse apenas uma avó ou</p><p>avô judeu.144 Já com a Segunda Guerra em andamento, os nazistas</p><p>ampliariam o conceito de meio-judeu, e mesmo os peritos da SS</p><p>não concordavam com algumas definições ou questionavam até</p><p>qual geração o sangue judeu ainda era considerado contaminador.</p><p>Em 1937, os peritos do Serviço de Segurança realizaram um</p><p>estudo sobre a “desjudificação da Alemanha” por meio de</p><p>emigração de judeus alemães para países fora da área de influência</p><p>alemã e que tivessem “baixo nível cultural”. Entraram na lista de</p><p>possíveis áreas de assentamento Madagascar, na África, Equador e</p><p>Colômbia, na América do Sul, e a Palestina, no Oriente Médio. E tal</p><p>projeto não era maluquice alemã. Como visto antes, França,</p><p>Polônia e Reino Unido também já haviam levantado hipótese</p><p>semelhante para seus incômodos judeus.145</p><p>A CONFERÊNCIA DE WANNSEE E A SOLUÇÃO FINAL (1942)</p><p>Em 20 de janeiro de 1942, com a Alemanha vencendo a guerra em</p><p>quase todas as frentes, Heydrich reuniu em um antigo palacete às</p><p>margens do lago Wannsee, em Potsdam, duas dezenas de veteranos</p><p>da burocracia nazista, funcionários do partido e oficiais de alta</p><p>patente da SS. O objetivo da conferência era definir uma posição</p><p>comum entre as diversas autoridades do Reich de Hitler e encontrar</p><p>uma “Solução Final” quanto à questão judaica. Como deportar e</p><p>assassinar com tiros mostrara-se um método moroso e insuficiente,</p><p>além de traumatizante para os soldados envolvidos, era preciso</p><p>encontrar uma maneira mais rápida e eficiente de eliminar os</p><p>judeus e outros indesejáveis.</p><p>Em setembro de 1941, o Zyklon B, nome comercial do gás obtido</p><p>a partir do ácido cianídrico, foi usado pela primeira vez em</p><p>prisioneiros de Auschwitz. Segundo alguns historiadores, o gás</p><p>letal já havia sido testado em crianças ciganas tchecas em 1940.146</p><p>De qualquer forma, os experimentos prosseguiram. Em dezembro</p><p>de 1941, um grupo de setecentos judeus da vila de Kolno, também</p><p>na Polônia ocupada, foi transportado em caminhões para Chelmno,</p><p>a trezentos quilômetros de Varsóvia. Oitenta deles foram</p><p>transferidos para um veículo especial, que se dirigiu a uma floresta</p><p>vizinha. Ao final da jornada, estavam todos mortos, gaseados pelo</p><p>escapamento canalizado para o interior do veículo.147 Os nazistas</p><p>haviam inventado um novo método de matar.</p><p>Mas esses detalhes não foram tratados na conferência. A</p><p>linguagem codificada e eufemística usada em Wannsee atentou</p><p>para duas questões fundamentais: o destino dos judeus e se os</p><p>meio-judeus e judeus em casamento privilegiado com alemães</p><p>deveriam ou não ser incluídos na “Solução Final”. Não houve</p><p>consenso, mas definiram-se prioridades. Os judeus seriam</p><p>deportados para o Leste e usados no trabalho escravo. Na indústria,</p><p>eles seriam “eliminados por causas naturais”, de exaustão e fome.</p><p>(“O trabalho liberta”, será a saudação de um dos mais famosos</p><p>campos de concentração.) Os “elementos resistentes” a essa ação</p><p>deveriam ter “tratamento especial”: as câmaras de gás.148 Heydrich</p><p>estimou que 11 milhões seriam deportados para o Leste e a Europa</p><p>seria “purificada dos judeus”.149 A Solução Final estava em</p><p>andamento, mas seu principal arquiteto não veria os resultados.</p><p>Quatro meses depois de Wannsse, dois tchecos assassinaram</p><p>Heydrich em um atentado em Praga.</p><p>Em julho de 1942, Himmler visitou Auschwitz e presenciou todo</p><p>o novo processo adotado nos campos da morte, desde a seleção nas</p><p>rampas de acesso até as câmaras de gás e os crematórios. Satisfeito</p><p>com os resultados, ordenou a expansão do complexo que a todo</p><p>vapor deveria matar dez mil pessoas por dia.</p><p>Shoah, o Holocausto judeu, estava apenas começando. O maior</p><p>campo de extermínio da Europa só seria libertado pelos russos em</p><p>janeiro de 1945. Os soviéticos encontraram quase oito mil</p><p>prisioneiros (outros cinquenta mil haviam deixado o campo), 368</p><p>mil paletós masculinos, 836 mil casacos e vestidos femininos e sete</p><p>toneladas de cabelo. Estima-se que pelo menos 1,1 milhão de</p><p>pessoas tenham morrido em Auschwitz. Destas, cerca de 960 mil</p><p>eram judeus. Foram assassinados ainda 21 mil ciganos, setenta mil</p><p>poloneses, 7,5 mil prisioneiros de guerra soviéticos e mais de dez</p><p>mil prisioneiros políticos.150</p><p>Desde agosto de 1941, os ingleses sabiam que os nazistas estavam</p><p>matando milhares de pessoas no leste — mensagens da máquina</p><p>Enigma alemã, interceptadas e decifradas pelo projeto Ultra, não</p><p>deixavam dúvidas do que ocorria. Churchill falou aos britânicos</p><p>pelo rádio “que regiões inteiras estavam sendo despovoadas”, e até</p><p>Anne Frank, na Holanda, escreveu em seu diário sobre “os mortos</p><p>por gás”, mas nada foi feito para impedir a matança.151 Parece que</p><p>os judeus sempre foram um problema menor para os Aliados — o</p><p>velho antissemitismo europeu. Desde o começo, quando as</p><p>perseguições tiveram início, tanto a Grã-Bretanha quanto os EUA</p><p>dificultaram ao máximo a entrada de refugiados em seus territórios.</p><p>Mais tarde, quase ao final da guerra, nem mesmo alguns generais</p><p>que tiveram contato direto com os campos e presenciaram os</p><p>horrores perpetrados, como o celebrado Georg Patton, deram</p><p>muita importância ao que ocorria com os judeus. “São inferiores</p><p>aos animais”, disse ele.152 Em uma pesquisa de opinião pública</p><p>realizada pelos norte-americanos no final de 1945, 20% dos</p><p>entrevistados concordavam com Hitler quanto ao tratamento dado</p><p>aos judeus. Outros 19% se diziam favoráveis, embora acreditassem</p><p>que os alemães tivessem ido longe demais.153</p><p>Pilhas de corpos do campo de concentração</p><p>de Dachau, maio de 1945.</p><p>Prisioneiros do campo de concentração de Bergen-Belsen.</p><p>O mais inacreditável, no entanto, é que judeus dentro da</p><p>Alemanha conseguiram escapar à perseguição e à deportação</p><p>nazista ajudando o regime de Hitler. Ao final da guerra, um</p><p>pequeno grupo deles se encontrava em Berlim, no campo de</p><p>triagem de Schulstrasse. Eram meio-judeus e judeus privilegiados,</p><p>salvos por terem cidadania estrangeira de países neutros ou por</p><p>terem organizado os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936.154</p><p>Os judeus não apenas financiaram as Olimpíadas, como também</p><p>ajudaram a caçar e matar outros judeus. O responsável pela</p><p>construção da Vila Olímpica e pela organização do evento foi o</p><p>capitão judeu Wolfgang Fürstner. Atletas judeus como Helene</p><p>Mayer e Rudi Ball também competiram pela Alemanha nazista e</p><p>pela supremacia da raça ariana.155 Outros participaram ativamente</p><p>do Holocausto. A judia Stella Goldschlag era uma dos quase vinte</p><p>“apanhadores” de Berlim, responsáveis por identificar e denunciar</p><p>judeus escondidos às autoridades. Bonita, loura e de olhos azuis,</p><p>era chamada de “veneno loiro”. O tenente da SS Fritz Schweritz,</p><p>judeu e membro do Partido Nazista, controlava o campo de</p><p>concentração de Lenta, próximo a Riga, na Letônia. Assassinou</p><p>centenas de judeus e estuprou várias mulheres. O meio-judeu e</p><p>marechal de campo Erhard Milch não apenas sabia dos campos de</p><p>concentração, como era ciente do que se passava neles,</p><p>principalmente dos experimentos em Dachau, pelo quais tinha</p><p>especial interesse.156 Quando foi levado a julgamento, repetiu o que</p><p>muitos afirmaram, jurou que não sabia de nada.</p><p>E</p><p>6. HOLOCAUSTOS ESQUECIDOS</p><p>Os judeus não foram os únicos. Ciganos, Testemunhas de Jeová,</p><p>negros, gays e maçons também foram perseguidos e assassinados</p><p>pelos nazistas. Milhões de civis chineses foram mortos com</p><p>enorme brutalidade ou serviram de cobaias para os japoneses. E</p><p>não menos do que cem mil mulheres chinesas foram estupradas</p><p>pelo Exército Imperial durante a Segunda Guerra.</p><p>m julho de 1933, Hitler promulgou a Lei para a Prevenção contra</p><p>uma Descendência Hereditariamente Doente. A lei autorizava a</p><p>esterilização compulsória de cegos, surdos e pessoas com</p><p>deficiência física, que sofriam de depressão crônica ou</p><p>consideradas prejudiciais à pureza racial alemã, como as com</p><p>deficiência mental.</p><p>No mesmo ano das Leis de Nuremberg, em 1935, foi promulgada</p><p>a Lei para a Proteção da Saúde Hereditária do Povo Alemão, que</p><p>proibia os portadores de doenças hereditárias e infecciosas de</p><p>casar-se e produzir “descendência doente ou antissocial” (uma</p><p>velha ideia, já propalada por Teddy Roosevelt). A lei exigia ainda</p><p>que todo indivíduo que desejasse o matrimônio precisava</p><p>apresentar às autoridades responsáveis um “certificado de aptidão”</p><p>assinado por agentes de saúde pública. Durante todo o regime</p><p>nazista, estima-se que entre 350 e quatrocentas mil esterilizações</p><p>tenham sido realizadas por médicos e especialistas alemães. Entre</p><p>elas, cerca de 150 mil pessoas com algum tipo de deficiência</p><p>intelectual, incluindo a Síndrome de Down.157</p><p>Negros e ciganos, considerados inferiores, também foram</p><p>esterilizados e depois deportados e internados em campos de</p><p>concentração. Heydrich, o chefe do RSHA, considerava os ciganos</p><p>uma categoria criminosa (de “vagabundos”). Somente na Boêmia e</p><p>na Morávia, 6.500 ciganos foram presos e pelo menos três mil</p><p>foram assassinados em Auschwitz-Birkenau. Outros cinco mil</p><p>ciganos do Protetorado, de Berlim e de Viena foram deportados</p><p>para o gueto de Łódź e mais tarde enviados para o campo de</p><p>concentração de Chelmno.158 Como a maioria dos números</p><p>relativos às mortes provocadas pelo regime nacional-socialista de</p><p>Hitler, o número de ciganos mortos durante a Segunda Guerra</p><p>também é controverso. Mas estima-se que pelo menos quinhentos</p><p>mil deles pereceram em campos de concentração ou de</p><p>extermínio.159 Em 1950, o governo alemão negou reparações às</p><p>vítimas ciganas, considerando “que os ciganos foram perseguidos</p><p>pelo governo nazista não por motivos raciais, mas como elementos</p><p>insociáveis e criminosos”.160</p><p>A comunidade negra alemã também não era pequena. Estima-se</p><p>que algo em torno de 25 mil afrodescendentes eram cidadãos com</p><p>plenos direitos civis na Alemanha da década de 1930, e foram</p><p>atingidos de alguma forma com as leis raciais. Além de emigrados</p><p>das antigas colônias alemãs na África, havia muitos filhos de</p><p>soldados dos regimentos coloniais franceses que ocuparam a</p><p>Renânia pós-Primeira Guerra (senegaleses em sua maioria). Havia</p><p>casos especiais, como o de Hans J. Massaquoi, neto do cônsul da</p><p>Libéria. Nascido em 1926, ele era filho de pai africano e mãe alemã.</p><p>Mas sua história foi mais feliz que a de muitos outros</p><p>afrodescendentes. Ele sobreviveu para escrever um livro sobre os</p><p>negros na Alemanha hitlerista, Destined to Witness: Growing Up</p><p>Black in Nazi Germany [Destinado a testemunhar: crescendo negro</p><p>na Alemanha nazista].161 Também não há dados confiáveis sobre o</p><p>número de negros esterilizados ou mortos durante a Segunda</p><p>Guerra.</p><p>ENTRE CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO E TRIÂNGULOS</p><p>Os nazistas tinham uma lista bem definida do que consideravam</p><p>inimigos do Estado e do povo alemão. No topo dessa lista, estavam</p><p>os marxistas, comunistas e judeus. Em seguida, vinham maçons,</p><p>religiosos de igrejas cristãs, reacionários, “agitadores, descontentes</p><p>e outros parasitas do povo”. Uma miscelânea de critérios políticos,</p><p>raciais, sociais e religiosos.162</p><p>A maçonaria, normalmente no topo das listas de teorias</p><p>conspiratórias, era considerada pelos nazistas uma organização</p><p>judaica, assim como o comunismo. Mas foi um problema menor</p><p>para a SS. Já em meados da década de 1930, Heydrich acreditava</p><p>que a influência dos maçons havia sido erradicada da Alemanha.</p><p>Foi por esse motivo que ele ordenou que se criasse em Berlim, na</p><p>sede da Gestapo no Prinz-Albrecht-Palais, o Museu dos Maçons. O</p><p>museu reunia objetos do “culto desaparecido”, bibliotecas, listas</p><p>de participantes de todo o mundo e arquivos confiscados das lojas</p><p>maçônicas alemãs (incluindo os da Loja dos Três Sabres, da qual</p><p>seu pai havia sido membro).163</p><p>Depois de 1934, os maçons e os demais grupos considerados</p><p>“inimigos do Reich” tinham um destino certo: os campos de</p><p>concentração. Inicialmente, esses campos não tinham por</p><p>finalidade o extermínio de seus prisioneiros, como se verá</p><p>principalmente depois de 1939, mas sim manter preso determinado</p><p>grupo. (Na verdade, o termo “campo de concentração” não era</p><p>uma novidade. Fora criado pelos britânicos, muitas décadas antes</p><p>da Segunda Guerra, quando os súditos da rainha Vitória</p><p>construíram mais de cem deles durante a Guerra dos Bôeres, na</p><p>África do Sul.)</p><p>Para os campos de concentração nazistas eram enviados presos</p><p>políticos, antissociais, religiosos e judeus, que eram utilizados</p><p>como trabalhadores compulsórios de empresas alemãs. Por isso,</p><p>alguns campos também eram chamados de “campos de trabalhos</p><p>forçados” ou de “trabalho escravo”. Havia quase duas dezenas</p><p>deles somente em território alemão. Entre os mais conhecidos,</p><p>estavam Bergen-Belsen, Sachsenhausen, Ravensbrück,</p><p>Flossenbürg e Dachau, que foi o primeiro campo de concentração</p><p>construído na Alemanha, em 1933, e também onde se cremaram os</p><p>corpos dos principais líderes nazistas enforcados em Nuremberg,</p><p>em 1946. Até 1938, no entanto, os prisioneiros judeus</p><p>correspondiam a uma minoria nesses campos.164</p><p>Com a Segunda Guerra em curso, deu-se início à construção dos</p><p>campos de extermínio. Chelmno, próximo a Łódź, na Polônia, foi o</p><p>primeiro campo criado pelos nazistas com a finalidade de</p><p>assassinar em massa os indesejáveis do regime. Na sequência,</p><p>outros cinco foram erguidos em território polonês com essa</p><p>finalidade: Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Bełżec, Majdanek e</p><p>Sobibor.165 Havia dezenas de outros menores, que serviam de</p><p>reserva para os campos de trabalho escravo ou de triagem para os</p><p>de extermínio.</p><p>Com uma enorme massa de prisioneiros e um grande número de</p><p>campos e guetos espalhados por toda a Europa, identificar as</p><p>diferentes classes de prisioneiros passou a ser necessário dentro da</p><p>grande máquina burocrática nazista. Em 1941, os judeus passaram a</p><p>ser obrigados a prender às suas roupas dois triângulos sobrepostos e</p><p>invertidos (a “Estrela Amarela”), uma alusão à Estrela de Davi já</p><p>usada na identificação do comércio judeu desde 1933 e com uso</p><p>intensificado a partir de 1938. Esse é o símbolo mais conhecido e</p><p>associado aos campos de concentração nazistas. Mas havia outros,</p><p>todos tendo como base os triângulos. No caso dos judeus, por</p><p>exemplo, se o prisioneiro fosse incluído em outra categoria, um dos</p><p>triângulos da estrela seria amarelo e o outro seria da cor</p><p>correspondente à infração. Um prisioneiro que fosse judeu e</p><p>também estivesse preso por questões políticas usaria um triângulo</p><p>amarelo e outro vermelho.</p><p>O triângulo vermelho invertido era a identificação dos</p><p>dissidentes políticos, como comunistas, social-democratas,</p><p>liberais, anarquistas e maçons. O verde era usado por criminosos e</p><p>o roxo era a identificação dos presos por motivos religiosos, como</p><p>as Testemunhas de Jeová, que se recusavam a participar do esforço</p><p>de guerra da Alemanha e a renegar sua fé — as mulheres</p><p>Testemunhas de Jeová, ou “papa-Bíblia”, eram usadas como</p><p>criadas domésticas pelos oficiais da SS. A cor azul era usada por</p><p>imigrantes, e o triângulo rosa era destinado aos homossexuais</p><p>masculinos. O triângulo negro identificava os demais antissociais,</p><p>como alcoólatras, grevistas, feministas, entre outros. Os alemães</p><p>que eram casados com judeus recebiam um triângulo negro sobre</p><p>um amarelo. Letras maiúsculas sobre os triângulos indicavam a</p><p>nacionalidade e, para completar a identificação, um número de</p><p>série era tatuado no antebraço.166</p><p>TRIÂNGULOS ROSA</p><p>Perdidos no meio da lista confusa de inimigos do Estado alemão</p><p>estavam os homossexuais; essencialmente os masculinos. Para eles</p><p>não havia uma definição clara de “crime”, eram considerados</p><p>“antissociais”.167</p><p>Como a ideologia nazista acreditava que as raças inferiores se</p><p>reproduziam em maior número, qualquer elemento que diminuísse</p><p>o potencial reprodutivo dos alemães superiores era considerado</p><p>perigoso. A “recusa à procriação” dos homossexuais era um bom</p><p>motivo para a perseguição e o internamento nos campos de</p><p>concentração ou de trabalhos forçados. “Aqueles que praticam a</p><p>homossexualidade privam a Alemanha das crianças que eles lhe</p><p>devem”, declarou Himmler em 1938. Qualquer membro da SS que</p><p>mantivesse relações sexuais com outro homem seria punido com a</p><p>pena de morte. Em alguns casos, os nazistas faziam “uso de</p><p>experimentos científicos, a fim de descobrir a origem desses</p><p>‘males’ e ‘desvios’ e a busca de uma possível cura”, escreveu o</p><p>pesquisador brasileiro Tiago Elídio.168</p><p>Em maio de 1933, estudantes liderados pela SA, criada por Ernst</p><p>Röhm no início do movimento nazista na década de 1920,</p><p>invadiram o Instituto de Ciências Sexuais, em Berlim. A maior</p><p>parte do acervo do instituto, com mais de 12 mil livros e 35 mil</p><p>fotos, foi destruída. Pouco tempo depois, Magnus Hirschfeld, um</p><p>dos pioneiros do estudo científico sobre a sexualidade humana e</p><p>fundador do instituto, foi assassinado pela Gestapo na França, onde</p><p>se refugiara. Além de ser bissexual, Hirschfeld era judeu. Hitler não</p><p>tinha nenhum apreço por ele: “O que esse velho porco judeu</p><p>oferece é um escárnio da mais baixa espécie contra o povo.”169</p><p>A destruição do instituto e o assassinato de seu idealizador</p><p>deram início à perseguição aos homossexuais e à erradicação da</p><p>cultura gay na Alemanha. Em pouco tempo, a Gestapo conseguiu</p><p>fechar todos os bares e casas noturnas destinadas ao público</p><p>homossexual e eliminar as publicações especializadas.</p><p>O que não deixa de ser curioso nessa história é que a primeira</p><p>grande perseguição aos gays na Alemanha de Hitler tenha sido</p><p>levada a cabo pela SA. Apesar da amizade com Hitler e com muitos</p><p>dos altos escalões do Partido Nazista, o fundador da tropa de</p><p>choque do ditador era um homossexual notório e assumido.</p><p>Acusado de alta traição, em junho de 1934, na Noite dos Longos</p><p>Punhais, Röhm foi preso pelo próprio Hitler em um hotel nos</p><p>arredores de Munique e levado à prisão de Stadelhein, onde foi</p><p>assassinado.170</p><p>Prisioneiro número 22375 de Auschwitz. O triângulo rosa identifica o “crime”:</p><p>homossexualidade. 100 mil homossexuais foram presos e 10 mil morreram até</p><p>o final da Segunda Guerra.</p><p>Durante o regime nacional-socialista, estima-se que cerca de</p><p>cem mil homens acusados de homossexualidade tenham sido</p><p>presos. A maioria dos cinquenta mil condenados pelos tribunais</p><p>passou por um período em prisões comuns e pelo menos dez mil</p><p>encontraram a morte em campos de concentração.171 Após o fim da</p><p>guerra, devido às leis e ao preconceito que ainda vigoravam na</p><p>maior parte do mundo, os que sobreviveram não puderam prestar</p><p>seu testemunho ou contar o que haviam passado nos campos</p><p>nazistas.</p><p>Só recentemente histórias de perseguição, deportação e</p><p>discriminação como as do alsaciano francês Pierre Seel e do alemão</p><p>Rudolf Brazda puderam vir à tona. Seel, preso em 1941, foi levado</p><p>para o campo de Schirmeck-Vorbrück, próximo a Estrasburgo,</p><p>onde sofreu torturas e abusos durante seis meses, antes de ser</p><p>“alistado” no Exército alemão e forçado a lutar no Front Oriental.</p><p>Sobre o campo de trabalho onde esteve, relatou: “No universo dos</p><p>detentos, eu era um elemento completamente desprezível, uma</p><p>minúcia ameaçada de ser sacrificada a todo o momento, sem alma,</p><p>segundo as exigências aleatórias dos nossos carcerários.”172 Brazda</p><p>teve a vida menos movimentada, mas não menos triste. Por manter</p><p>relações homossexuais, havia sido detido duas vezes em prisões</p><p>alemãs até ser exilado na Tchecoslováquia em 1938 e deportado</p><p>para o campo de Buchenwald em 1942, onde permaneceu até ser</p><p>libertado pelos russos em 1945. Era provavelmente o último</p><p>sobrevivente dos “Triângulos Rosa” quando morreu em 2011.</p><p>HOLOCAUSTO CHINÊS</p><p>Quando os japoneses invadiram a Manchúria em 1931, eles</p><p>esperavam transformar a região em produtora de alimentos para a</p><p>economia doméstica. O governo em Tóquio enviou colonos para o</p><p>continente, principalmente camponeses, e projetava criar um</p><p>milhão de fazendas nos vinte anos seguintes.173 Além de plantar, os</p><p>japoneses também estavam preocupados com experimentos</p><p>bacteriológicos e meios de eliminar a população chinesa.</p><p>Bebê chinês na Estação Ferroviária de Xangai após o bombardeio japonês, em</p><p>1937. Mais de 15 milhões de chineses morreram na guerra com o Japão.</p><p>O Japão foi o único país a usar armas biológicas durante a</p><p>Segunda Guerra. Em 1936, os japoneses instalaram em Pingfang,</p><p>distrito de Harbin, uma unidade especial muito semelhante aos</p><p>campos de extermínio alemães. A Unidade 731, cujo nome oficial</p><p>era “Unidade de Proteção Epidêmica e Abastecimento de Água do</p><p>Exército Kwantung”, operava sob o comando do general Shiro Ishii</p><p>e contava com um exército de três mil cientistas e doutores das</p><p>escolas de medicina japonesas, além de vinte mil funcionários nos</p><p>estabelecimentos subsidiários.174</p><p>O microbiologista Misaji Kitano realizou diversas experiências</p><p>em seres humanos, inoculando peste bubônica, cólera, sífilis e</p><p>outras doenças infecciosas. Milhares de chineses capturados foram</p><p>submetidos aos mais terríveis experimentos. Verdadeiras cobaias,</p><p>os prisioneiros eram expostos ao frio congelante ou postos de</p><p>cabeça para baixo até entrarem em choque, tinham seus corpos</p><p>cortados sem anestesia e órgãos internos removidos.</p><p>Com a guerra em sua fase final, em abril de 1945, havia três</p><p>milhões de ratos alimentados e 4.500 máquinas funcionando 24</p><p>horas por dia para produzir bilhões de pulgas infectadas com a</p><p>peste bubônica. Nobuo Kamadan, membro da Unidade 731, relatou</p><p>o que os japoneses fariam com os ratos: “Nós injetaríamos as</p><p>bactérias mais poderosas nos ratos. Em um rato de quinhentos</p><p>gramas, aplicaríamos três mil pulgas. Quando os ratos fossem</p><p>libertados, as pulgas iriam transmitir a doença.”175 Colocados em</p><p>recipientes de porcelana, os animais seriam jogados de paraquedas</p><p>em cidades chinesas. Às vésperas da rendição do Japão, o campo foi</p><p>desativado e os ratos se espalharam pelos campos causando a morte</p><p>de mais</p><p>de vinte mil manchus e chineses.</p><p>A crueldade de Ishii não tinha limites. Entre 1939 e 1940, ele</p><p>contaminou mil poços na região de Harbin com o bacilo tifoide. Em</p><p>Changchun, informou aos moradores locais que uma epidemia de</p><p>cólera era iminente e que eles precisavam ser vacinados. A</p><p>“vacina” produzida pela Unidade 731 continha a própria cólera. Em</p><p>Nanquim, o general japonês usou outro ardiloso artifício: forneceu</p><p>guloseimas aos seis mil prisioneiros de guerra chineses e os libertou</p><p>para que voltassem para casa e espalhassem a doença.176 Não há</p><p>números precisos quanto aos mortos. Historiadores modernos</p><p>acreditam que pelo menos três mil morreram em consequência</p><p>direta dos experimentos da unidade japonesa em Harbin. Mas</p><p>somente na província de Yunnan, em 1942, uma epidemia de cólera</p><p>provocada pelos japoneses teria matado mais de duzentos mil</p><p>chineses.</p><p>Assim como muitos cientistas e intelectuais nazistas, Ishii e</p><p>Kitano escaparam da justiça. Ishii convenceu os americanos da</p><p>utilidade de suas experiências com humanos para o Exército dos</p><p>Estados Unidos.177 Depois da guerra, Kitano, o braço direito de Ishii</p><p>em Harbin, tornou-se diretor do Green Cross Corporation</p><p>(Corporação Cruz Verde), o primeiro banco de sangue do Japão.</p><p>As atrocidades japonesas cometidas na China não se restringiram</p><p>à região da Manchúria. Em 26 de julho de 1937, o Japão invadiu o</p><p>território ao sul de Manchukuo, e Pequim caiu em três dias. Os</p><p>nacionalistas de Chiang Kai-shek recuaram à medida que os</p><p>japoneses avançavam pelo litoral em direção a Nanquim, a capital.</p><p>Em agosto, a Marinha Imperial deu início ao bombardeio de</p><p>Xangai. A luta pelo importante porto durou três meses, e a</p><p>resistência chinesa surpreendeu o exército japonês. Mesmo assim,</p><p>em dezembro os invasores se encontravam às portas de Nanquim.</p><p>No dia 13, os nacionalistas evacuaram a cidade, deixando a</p><p>população civil à mercê da fúria nipônica. As tropas japonesas</p><p>entraram na capital com ordens de matar todos os prisioneiros.</p><p>Uma das unidades executou sozinha quinze mil chineses e outra</p><p>degolou 1,3 mil. Seguiram-se degolas, estupros e todos os tipos de</p><p>atrocidades.</p><p>Diversas fontes históricas divergem, os chineses alegam algo em</p><p>torno de 430 mil, mas é provável que pelo menos duzentos mil</p><p>civis tenham sido executados na cidade. Curiosamente, um dos</p><p>heróis do massacre, responsável pela organização de uma zona de</p><p>segurança internacional em Nanquim, era John Rabe, um executivo</p><p>alemão da Siemens e membro do Partido Nazista. Para Iris Chang,</p><p>jornalista norte-americana e filha de imigrantes chineses, Rabe foi</p><p>“o Oskar Schindler da China”.178 Chang é autora do best-seller The</p><p>Rape of Nanking [O estupro de Nanquim], como a ação japonesa</p><p>ficou conhecida na China. Duas semanas depois da tomada da</p><p>cidade, Rabe escreveu em seu diário: “Não se consegue respirar</p><p>devido à repugnância ao se deparar com os corpos de mulheres</p><p>com varas de bambu enfiadas em suas vaginas. Até mulheres com</p><p>mais de 70 anos estão sendo constantemente estupradas.”179</p><p>Depois do massacre e dos estupros coletivos, pelo menos cinco</p><p>mil chinesas foram recrutadas pela polícia militar Kempeitai para a</p><p>“Casa de Alívio do Grande Exército Imperial”. Cerca de 360 casas</p><p>de alívio foram espalhadas pela China, onde cem mil mulheres</p><p>foram aprisionadas e forçadas a manter relações sexuais para</p><p>satisfazer os prazeres dos soldados nipônicos. Uma vítima de 19</p><p>anos, Lin Yajin, confidenciou: “Mesmo quando eu estava</p><p>menstruada eles queriam me foder.”180 O cabo Nakamura do</p><p>Exército Imperial relatou como eles procediam: “Atacamos a aldeia</p><p>e vasculhamos todas as casas. Tentamos capturar as moças mais</p><p>interessantes. (...) Niura atirou e matou uma delas porque era</p><p>virgem e feia e foi descartada por nós.”181</p><p>Até 1945, a ocupação da China pelo Japão de Hirohito custou a</p><p>vida de 15 milhões de pessoas. Mas é um holocausto pouco</p><p>conhecido no Ocidente, em parte porque os norte-americanos</p><p>ocultaram no pós-guerra os crimes de seu novo aliado na Ásia.</p><p>D</p><p>7. SOLDADOS VIRA-CASACAS E DROGADOS</p><p>Os norte-americanos achavam que soldados negros eram</p><p>incapazes de lutar como os brancos; na Aeronáutica eles eram</p><p>ridicularizados e na Marinha eram proibidos. Judeus lutaram na</p><p>SS, assim como soldados russos também lutaram no Exército</p><p>Alemão. E não apenas os russos. A Espanha, que era um país</p><p>neutro, enviou soldados para lutar ao lado dos alemães, assim</p><p>como fizeram os franceses e os holandeses.</p><p>urante a Segunda Guerra, uma imensa força-tarefa foi</p><p>mobilizada pelos exércitos em luta. Em alguns casos, como a</p><p>Alemanha, mais de um quarto da população total do país, mas a</p><p>maioria dos beligerantes, permaneceu próximo dos 20%.182 A</p><p>fronteira entre quem era aliado ou inimigo, porém, era tênue,</p><p>ambígua e confusa. O surpreendente caso do soldado coreano Yang</p><p>Kyoungjong representa muito bem a situação extrema a que muitos</p><p>homens foram submetidos.183 “Alistado” pelo Exército japonês em</p><p>1938, Kyoungjong lutou na Manchúria (ao norte da China) até ser</p><p>preso pelos russos e enviado a um campo de trabalho forçado. Em</p><p>1942, com os alemães prestes a derrotar a União Soviética, ele foi</p><p>“alistado” pelo Exército Vermelho. No ano seguinte, em 1943,</p><p>Kyoungjong foi preso pelos alemães que o forçaram a lutar pela</p><p>Wehrmacht na França ocupada. O jovem coreano foi preso pelos</p><p>Aliados na invasão da Normandia, em junho de 1944, e levado à</p><p>Inglaterra, de onde partiu para os Estados Unidos. Kyoungjong</p><p>lutou em três teatros de operações e em três exércitos distintos;</p><p>com o Kwantung, com os comunistas e, por último, com os</p><p>nazistas. Não foi caso único, ainda que o mais singular de todos.</p><p>NA WEHRMACHT</p><p>Para Hans Günther, o perito em “raça nórdica” e mentor de</p><p>Himmler, o alemão autêntico devia ser “louro, alto, dolicocéfalo,</p><p>rosto estreito, queixo bem desenhado, nariz fino e bem alto,</p><p>cabelos claros e não cacheados, olhos claros e fundos, pele de um</p><p>branco rosado”.184 Era algo irreal. Mesmo alemães que tinham</p><p>ancestrais há séculos vivendo na Alemanha não eram todos louros</p><p>de olhos azuis. Nem mesmo a elite do Partido Nazista correspondia</p><p>a essas características raciais. Esse estereótipo, no entanto,</p><p>permaneceu sendo perseguido no Exército alemão e</p><p>principalmente na SS, até a eclosão da guerra. A necessidade de se</p><p>ter soldados fez com que os 18 milhões de homens que vestiam o</p><p>uniforme alemão no auge da Segunda Guerra viessem de países e</p><p>povos muito diferentes das características exaltadas pelos nazistas.</p><p>Só para a invasão da União Soviética em 1941, os alemães</p><p>mobilizaram mais de quatro milhões de soldados, dos quais cerca</p><p>de 950 mil eram aliados (exércitos formados por divisões romenas,</p><p>italianas, húngaras, eslovacas e finlandesas).</p><p>A partir de 1940, a Wehrmacht passou a ser um exército de</p><p>espanhóis, russos, franceses, portugueses e até mesmo de judeus;</p><p>louros, morenos e amarelos. Quando a França caiu em maio</p><p>daquele ano, os soldados franceses, que o oficial alemão Tassilo von</p><p>Bogenhardt disse serem admiradores e respeitadores da pátria</p><p>francesa “tanto quanto detestavam os comunistas”, alistaram-se</p><p>em grande número em favor da Alemanha. A primeira</p><p>manifestação de apoio surgiu com a Légion des Volontaires Français</p><p>contre le Bolchévisme (Legião dos Voluntários Franceses contra o</p><p>bolchevismo), ou simplesmente LVF, com cerca de 6.500</p><p>membros. Mais tarde surgiu a Divisão SS Charlemagne. Em 1945,</p><p>quando Berlim caía diante do Exército Vermelho, uma das últimas</p><p>condecorações da Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro foi concedida</p><p>a um voluntário francês da SS, Eugene Vaulot, que destruíra seis</p><p>tanques russos.185</p><p>Com seus países ocupados, belgas, flamengos e holandeses</p><p>também se alistaram, servindo como voluntários nas Legiões SS</p><p>Wallonie, Flamand e Westland. Na Divisão Panzergranadier SS</p><p>Wiking, serviram dinamarqueses, noruegueses, suecos,</p><p>finlandeses, estonianos. E até a neutra Espanha enviou voluntários</p><p>para lutar ao lado dos alemães. A División Azul espanhola,</p><p>composta por voluntários partidários de Francisco Franco, foi</p><p>criada logo após a invasão da Rússia em 1941. Os dezoito mil</p><p>primeiros</p><p>voluntários da divisão eram, em sua maioria, estudantes</p><p>universitários falangistas e veteranos da Guerra Civil (1936-1939),</p><p>mas até uns poucos portugueses se alistaram. Franco reafirmava</p><p>assim sua luta contra o comunismo e retribuía o apoio de Hitler à</p><p>causa fascista na Espanha. Comandados pelo general Agustín</p><p>Muñoz Grandes, os espanhóis foram treinados na Baviera,</p><p>incorporados à 250ª Divisão de Infantaria e enviados à frente de</p><p>Novgorod, na Rússia. Defendendo o setor sul de Leningrado, junto</p><p>ao rio Izhora, a División Azul perdeu mais de 2.500 homens em um</p><p>único dia.186 O general Esteban Infantes substituiu Muñoz Grandes,</p><p>tendo mais tarde recebido a Cruz de Cavalheiro da Cruz de Ferro.</p><p>Voluntário do Cáucaso (na URSS), alistado na Wehrmacht, em 1942.</p><p>No estágio final da guerra, metade das divisões Waffen-SS era</p><p>formada por estrangeiros: cinquenta mil holandeses, quarenta mil</p><p>belgas, vinte mil franceses e cem mil ucranianos.187 Duas divisões,</p><p>a 13ª e a 23ª, eram compostas principalmente por muçulmanos. A</p><p>13ª Divisão de Montanha Waffen-SS, a Handschar, criada em</p><p>outubro de 1943 na Iugoslávia, era constituída por mais de vinte mil</p><p>muçulmanos bósnios.188 Foi a maior divisão da SS na guerra.</p><p>Himmler os descreveu como “alguns dos mais honrados e sinceros</p><p>seguidores do Führer Adolf Hitler, devido ao seu ódio contra o</p><p>inimigo comum judeu-anglo-bolchevique”.189 Duas escolas</p><p>chegaram a ser abertas em Dresden e Berlim com a finalidade de</p><p>aproximar os ideais nazistas e islâmicos.</p><p>Soldados da División Azul, voluntários espanhóis que lutaram junto com os</p><p>alemães no Front Oriental, em 1941.</p><p>Até mesmo do grande inimigo dos nazistas, o Exército da União</p><p>Soviética, apareceram colaboradores; os hiwis, como eram</p><p>chamados (de Hilfswilliger, voluntários). O major-general Andrey</p><p>Vlasov, condecorado como herói da defesa de Moscou em 1941, foi</p><p>abandonado por Stálin em meio a uma batalha nas proximidades</p><p>de Damyansk, em julho de 1942. Ressentido, ele se rendeu aos</p><p>alemães em Vinnytsia. Vira-casaca, “traidor da pátria”, Vlasov</p><p>aceitou organizar um exército russo antistalinista, o Russkaia</p><p>Osvoboditelnaia Armia (Exército Russo de Libertação). Ele sonhou</p><p>comandar seis ou até mesmo dez divisões de voluntários soviéticos</p><p>que eram prisioneiros em campos de concentração. Não logrou</p><p>sucesso por influência direta de Hitler, mas reuniu cerca de 150 mil</p><p>homens. Ao todo, os “soldados orientais” da Wehrmacht</p><p>compunham 176 batalhões e 38 companhias independentes, uma</p><p>miscelânea só: além de russos e ucranianos, havia “turcos da</p><p>Rússia”, tártaros, armênios, azerbaijanos, georgianos, letões,</p><p>estonianos, lituanos, finlandeses e kalmyks.190 Os cossacos, hábeis</p><p>cavaleiros das estepes da Ucrânia e do sul da Rússia, também</p><p>lutavam “contra o bolchevismo”, sob a liderança do general</p><p>Helmuth von Pannwitz, mas se negaram a ter qualquer relação com</p><p>as tropas de Vlasov.</p><p>Por ideia de Himmler, a 1ª Divisão do Exército Russo de</p><p>Libertação foi enviada para a frente do Oder, na tentativa de conter</p><p>o Exército Vermelho, que se aproximava de Berlim. Em fevereiro de</p><p>1945, o comandante de um batalhão e mais quatro homens</p><p>receberam a Cruz de Ferro, de segunda classe, e o líder da SS</p><p>enviou congratulações aos russos que haviam “lutado</p><p>extremamente bem”, com “entusiasmo e fanatismo”, ao lado dos</p><p>alemães. Em maio, enquanto dava apoio aos tchecos em uma luta</p><p>por libertar Praga de mãos alemãs, Vlasov foi aprisionado. Seu ato</p><p>de arrependimento de nada lhe valeu; ele foi enviado para a prisão</p><p>de Lubianca, onde foi longamente torturado e executado a mando</p><p>de Viktor Abakumov, o chefe da SMERSH, o serviço de</p><p>contraespionagem soviético. Mais de vinte mil vlasovtsi, como</p><p>eram chamados seus soldados, também foram deportados para a</p><p>Rússia.191 Von Pannwitz e seus cossacos da 15ª Divisão tiveram o</p><p>mesmo fim.</p><p>Em 1943, quando o Exército Vermelho começou a expulsar a</p><p>Wehrmacht da Rússia, um soldado escreveu à esposa sobre a</p><p>“gangue de Hitler”: “Enquanto marchamos sempre encontramos</p><p>enormes grupos de húngaros, romenos, italianos e alemães</p><p>capturados. (...) Eles usam botas do exército, alguns com galochas</p><p>de palha, uniformes de verão, só uns poucos vestem sobretudos, e</p><p>por cima de tudo usam as roupas masculinas e femininas que</p><p>roubaram. Na cabeça portam bonés com xales de mulher enrolados</p><p>por cima. Muitos têm os membros enregelados; estão sujos e com</p><p>piolhos.”192</p><p>O mais surpreendente dos casos, no entanto, foi a presença de</p><p>judeus na Wehrmacht. Muitos eram mestiços e sequer sabiam do</p><p>passado judeu, mas outros o faziam por convicção. Não era apenas</p><p>por uma questão de “única maneira de sobreviver”. Antes da</p><p>guerra muitos queriam, de fato, participar do movimento nazista.</p><p>Werner Warmbrunn, um adolescente judeu (e homossexual) de</p><p>Frankfurt, era apaixonado por seu amigo da Juventude Hitlerista e</p><p>também pelo teólogo judeu ultranacionalista Hans-Joachim</p><p>Schoeps. Apesar da ambiguidade, Warmbrunn escreveu mais tarde</p><p>que “teria dado muita coisa para [se] tornar um oficial do Exército</p><p>alemão”. Max Naumann, ex-oficial do Exército e advogado em</p><p>Berlim, líder de uma organização judaica criada em 1921 que</p><p>tentava conciliar judaísmo e o nacionalismo alemão, acreditava</p><p>que os judeu-alemães faziam parte de uma das antigas tribos</p><p>germânicas. Em 1935, quando os judeus foram excluídos da nova</p><p>Wehrmacht, Schoeps e Naumann ficaram chocados. E, mesmo</p><p>depois da promulgação das Leis de Nuremberg, Schoeps escreveu</p><p>que se sentia mais perto de Hitler que de Mussolini, Laval ou</p><p>Baldwin, políticos de Itália, França e Inglaterra.193</p><p>Mesmo que a maioria dos judeus tenha sido expulsa das Forças</p><p>Armadas alemãs e fosse malvista no país, um grupo fez de tudo</p><p>para continuar atuando. Outros fizeram esforço para entrar nas</p><p>instituições militares; e, apesar das dificuldades, muitos</p><p>conseguiram. Um pequeno grupo com a anuência do próprio</p><p>Hitler, que concedia autorização especial às “pessoas arianizadas”,</p><p>a “judeus protegidos” ou aos “arianos honorários”. O historiador</p><p>norte-americano Bryan Rigg afirmou que mais de 150 mil militares</p><p>judeu-alemães lutaram na Wehrmacht, na SS ou na Waffen-SS</p><p>durante a Segunda Guerra. Destes, 1.671 foram muito bem</p><p>documentados em seu livro Os soldados judeus de Hitler. Nada</p><p>menos que 15 tenentes, três capitães, cinco majores, um coronel e</p><p>um almirante eram judeus; e 38 tenentes, nove capitães, cinco</p><p>majores, 15 coronéis, 11 generais, três almirantes e um marechal de</p><p>campo eram meio-judeus. Havia ainda muitos oficiais um quarto</p><p>judeus (com um avô judeu). O mais incrível é que 44 deles</p><p>receberam a Cruz de Ferro, um, a Cruz de Prata Alemã, 19, a Cruz</p><p>de Ouro Alemã, e nada menos que 15, a Cruz de Cavaleiro da Cruz</p><p>de Ferro, uma das mais altas condecorações alemãs.194</p><p>No Exército, o meio-judeu Werner Goldberg foi, inclusive, usado</p><p>como propaganda em jornais, em 1939: “O soldado alemão ideal.”</p><p>A morte do capitão Klaus von Schmeling-Diringshofen na Polônia</p><p>foi descrita como a “morte de herói”, e ele foi enterrado com</p><p>honras militares e com a suástica sobre o caixão. Na Marinha, “o</p><p>mais loiro que qualquer ariano” Helmuth Schmoenckel foi</p><p>comandante de submarino U-802, enquanto o almirante Bernahrd</p><p>Rogge comandou o “grupo Rogge”, que incluía o couraçado</p><p>Schlesien, o cruzador Leipzig e o cruzador pesado Prinz Eugen, em</p><p>que tremulava seu estandarte.195</p><p>Na Força Aérea, o piloto Sigfried Simsch derrubou 95 aeronaves</p><p>inimigas, tornou-se ás e recebeu a Cruz de Cavaleiro. Erhard Milch,</p><p>filho de pai judeu e mãe alemã, chegou ao posto de marechal de</p><p>campo na Luftwaffe, a mais alta patente alcançada por um alemão</p><p>de origem judaica durante a guerra. Quando da tentativa de</p><p>assassinato de Hitler, em 1944, Milch enviou um telegrama ao</p><p>Führer agradecendo “a misericordiosa Providência” pela vida do</p><p>ditador.196 Outros, mesmo servindo ao nazismo, foram mais</p><p>humanos. O cabo da Wehrmacht Fritz Steinwasser, um quarto</p><p>judeu, revelou o que sentiu ao assistir a SS assassinar um grupo de</p><p>judeus letões: “Olhei nos olhos do meu povo. Ali, nos últimos</p><p>minutos de suas vidas. Fiquei chocado. Meu coração sangrou.”197</p><p>e sua indústria dependia</p><p>totalmente de matérias-primas estrangeiras. Assim como ocorreria</p><p>depois na Alemanha, na Itália e na Espanha, a saída para a crise</p><p>esteve ligada à ascensão do militarismo. No caso japonês, a</p><p>ascensão de uma casta militar ultranacionalista, com forte</p><p>influência sobre o imperador Hirohito, levaria o país a buscar seu</p><p>espaço entre as potências imperialistas.</p><p>Aproveitando-se da fragilidade da China, dividida por uma</p><p>guerra civil entre os nacionalistas de Chiang Kai-shek e os</p><p>comunistas de Mao Tsé-tung, em 19 de setembro de 1931 o Japão</p><p>invadiu a Manchúria, na fronteira com a Mongólia, e ali instalou</p><p>um governo fantoche, administrado pelo antigo imperador chinês</p><p>Pu Yi, que havia sido deposto pelos republicanos de Sun Yat-sen. A</p><p>Manchúria — ou Manchukuo — foi a base para a expansão do</p><p>império japonês no continente asiático. Dois anos depois, o país</p><p>deixou a Liga das Nações, e em novembro de 1936 assinou com a</p><p>Alemanha de Hitler o Pacto Anticomintern, uma aliança contra a</p><p>ameaça comunista.1 Em julho do ano seguinte, o Japão invadiu o</p><p>norte do território chinês, conquistando gradativamente o país em</p><p>uma guerra não declarada (guerra que só seria “oficializada” depois</p><p>do ataque japonês a Pearl Harbor, no Havaí, em 1941).</p><p>Tal como os nazistas, os militares nacionalistas japoneses</p><p>acreditavam na superioridade racial nipônica sobre os outros povos</p><p>da Ásia. Quando o general Hideki Tojo, então primeiro-ministro do</p><p>Japão, visitou Manchukuo em 1942, Pu Yi precipitou-se em</p><p>declarar: “Vossa Excelência pode estar seguro de que investirei</p><p>todos os recursos de Manchukuo no apoio à guerra santa de nossa</p><p>pátria-mãe, o Japão.”2 Na verdade, os japoneses sofriam de</p><p>complexo de inferioridade em relação às nações da Europa. Em</p><p>1919, na Conferência de Paris, onde se definiu o Tratado de</p><p>Versalhes, eles haviam proposto que na cláusula de garantia de</p><p>igualdade religiosa fosse acrescentada a palavra “racial”.3 Não</p><p>foram atendidos, o que azedou de vez as relações com os europeus.</p><p>Se os alemães esperavam criar um Terceiro Reich de mil anos, o</p><p>Japão ansiava por uma “Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia</p><p>Oriental”. O conceito foi criado pelo primeiro-ministro Fumimaro</p><p>Konoe antes da Segunda Guerra, e tinha como objetivo unificar a</p><p>Ásia sob o comando do Japão e livrá-la da influência das potências</p><p>ocidentais. “Uma Ásia para os asiáticos, um admirável Oriente</p><p>novo”, escreveu o historiador holandês Ian Buruma.4 Tal como</p><p>aconteceria na Europa com o Reich de Hitler, a Grande Ásia</p><p>Oriental transformou-se em uma máquina de matar.</p><p>Enquanto isso, na Europa, a Itália também dava os primeiros</p><p>passos para a guerra. Em 3 de outubro de 1935, Benito Mussolini</p><p>invadiu a Abissínia (atual Etiópia) — com exceção da Libéria, era o</p><p>último território africano não submetido à dominação europeia.</p><p>Tomando a capital Adis Abeba em maio de 1936, Mussolini</p><p>declarou o rei italiano Vítor Emanuel III imperador da Etiópia, o</p><p>que aumentou o número de colônias do país no continente</p><p>africano. A Itália já era dona de uma parte da Somália, da Líbia e da</p><p>Eritreia.</p><p>A tudo isso, às ações japonesas e italianas, a Liga das Nações, que</p><p>fora criada em 1919 segundo o idealismo do presidente norte-</p><p>americano Woodrow Wilson como garantia “para a manutenção da</p><p>paz mundial”, assistiu sem poder fazer nada. Salvo sanções</p><p>econômicas sem qualquer interferência prática. Fiel à hipocrisia</p><p>que lhe era característica, Winston Churchill escreveu em suas</p><p>memórias que a invasão italiana da Etiópia (país membro da Liga</p><p>das Nações contra a vontade britânica) era inadequada “à ética do</p><p>século XX”, onde não se poderia mais tolerar que brancos se</p><p>sentissem “autorizados a conquistar os homens de pele amarela,</p><p>marrom, preta ou vermelha e a subjugá-los através da força e de</p><p>suas armas superiores”.5 Nada mal para um político cujo império</p><p>era dono de uma faixa de terras que ia do delta do Nilo, ao norte,</p><p>até a Cidade do Cabo, no sul da África.</p><p>Mussolini chegou ao poder na Itália quase uma década antes de</p><p>Hitler alcançar a chancelaria na Alemanha. Os dois se conheceram</p><p>pessoalmente em 1934, em uma viagem de Hitler a Veneza, mas o</p><p>encontro não foi muito amistoso, pois os dois divergiram sobre os</p><p>destinos da Áustria. Hitler era um novato em política internacional.</p><p>Mussolini estava no poder desde 30 de outubro 1922, quando o rei</p><p>italiano o nomeou primeiro-ministro depois da “Marcha sobre</p><p>Roma”. A marcha se transformou no mito fundador do Estado</p><p>fascista, mas na verdade ela nem chegou a acontecer, não passou</p><p>de um blefe. Os “camisas negras” do Partido Nacional Fascista,</p><p>criado por Mussolini em 1919, só desfilaram pela cidade depois que</p><p>o rei Vítor Emmanuel III convidou seu líder para formar um novo</p><p>governo.6 O Exército teria facilmente esmagado a oposição se fosse</p><p>necessário, mas com medo do comunismo — como aconteceria</p><p>depois na Alemanha — o rei deu liberdade para Mussolini organizar</p><p>um gabinete e as reformas administrativas que achasse pertinentes.</p><p>Dois anos depois, em 1925, a Itália se tornaria um Estado totalitário</p><p>e ele, Mussolini, Il Duce, o chefe.</p><p>A invasão da Etiópia e o afastamento da Itália da área de</p><p>influência franco-britânica aproximaram Roma de Berlim; e, mais</p><p>tarde, aproximaram-na de Tóquio. Em abril de 1939, Mussolini</p><p>invadiu e tomou a Albânia, na costa do mar Adriático. O rei Zog I</p><p>foi enviado ao exílio, e o país, incorporado à Itália. A Segunda</p><p>Guerra, a partir de então, era uma questão de tempo.</p><p>Particularmente quanto a Hitler e a Mussolini, eles</p><p>desenvolveram uma amizade verdadeira. Quando o Duce foi</p><p>deposto e preso no Gran Sasso, em 1943, um grupo da SS liderado</p><p>por Otto Skorzeny o libertou. Mussolini assumiu, então, o governo</p><p>da República Social Italiana na região ocupada por tropas alemãs no</p><p>norte da Itália.</p><p>A amizade funesta dos dois ditadores terminaria em 28 de abril</p><p>de 1945, com a morte do italiano por guerrilheiros antifascistas.</p><p>Hitler ficou chocado quando soube que os corpos de Mussolini e de</p><p>sua amante Clara Petacci foram expostos à execração pública,</p><p>tendo sido pendurados pelos pés, na Piazza Loreto, em Milão.</p><p>A VEZ DE HITLER (1935-1939)</p><p>Em 1935, depois de dois anos como chanceler, Hitler restabeleceu</p><p>o recrutamento formal e deu início ao seu plano de levar a</p><p>Alemanha às glórias do passado, de destruir o Tratado de Versalhes</p><p>e de conquistar o que ele denominou de “espaço vital” para o povo</p><p>alemão. No ano seguinte, ele ocupou a Renânia, parte do território</p><p>germânico às margens do rio Reno, na fronteira com a França,</p><p>desmilitarizada desde 1919. Essa foi sua primeira grande aposta.</p><p>Suas tropas haviam recebido ordens de recuar caso franceses e</p><p>ingleses se levantassem em protesto.</p><p>Em março de 1938, ele anexou a Áustria e concretizou o antigo</p><p>sonho alemão de formar um Estado que reunisse os dois grandes</p><p>países de língua alemã na Europa. O Anschluss (união) foi</p><p>confirmado por plebiscito, em abril do mesmo ano, com 99% de</p><p>aprovação.</p><p>O passo seguinte foi reivindicar a anexação da região dos</p><p>Sudetos, na Tchecoslováquia, um país criado em 1920 pelas</p><p>convenções do Tratado de Versalhes. Nos Sudetos viviam cerca de</p><p>três milhões de alemães étnicos. A união dos povos alemães ainda</p><p>servia como desculpa. A questão foi decidida na Conferência de</p><p>Munique, em setembro de 1938. Depois de três viagens à</p><p>Alemanha, o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain</p><p>cedeu às exigências alemãs acreditando que seria o último pedido</p><p>de Hitler e que, portanto, estaria finalmente selando a “paz de</p><p>nossos dias”. “Estamos determinados a continuar nossos esforços</p><p>para remover possíveis diferenças e, assim, contribuir para</p><p>assegurar a paz na Europa”, dizia o acordo.7 Conforme o</p><p>documento, o líder alemão manifestara o desejo de que os dois</p><p>países jamais voltassem a entrar em guerra um contra o outro.</p><p>Ainda que, havia muito tempo, tanto o Serviço Secreto Britânico</p><p>quanto Chamberlain, muitos conservadores e a opinião pública</p><p>britânica soubessem das intenções de Hitler, em geral confiaram</p><p>piamente nele.8 Talvez porque quisessem acreditar que a Alemanha</p><p>nazista pudesse</p><p>Outro grupo perseguido pelos nazistas também “colaborou”</p><p>com o esforço de guerra alemão. O homossexual Pierre Seel, que</p><p>vivia em Mulhouse, na Alsácia-Lorena, foi preso em 1941 e levado</p><p>para um campo de concentração próximo a Estrasburgo. Com a</p><p>necessidade cada vez mais crescente de soldados, os alemães</p><p>libertaram o jovem francês com a promessa de que ele não</p><p>cometesse mais o “delito” e o “alistaram” no Exército alemão, com</p><p>o qual foi enviado para o Front Oriental.198</p><p>Marechal do ar da Luwaffe, o meio judeu Erhard Milch (ao centro durante seu</p><p>julgamento em Nuremberg, 1947) sabia dos crimes cometidos nos campos de</p><p>concentração.</p><p>John Amery, cujo pai trabalhava no corpo administrativo de</p><p>Churchill e o irmão junto dos guerrilheiros na Albânia, também</p><p>lutava pela causa alemã. Ele foi acusado depois da guerra e</p><p>condenado à forca por persuadir prisioneiros ingleses a lutar no</p><p>Corpo de Voluntários Britânicos, que atuava a serviço da</p><p>Alemanha.</p><p>O EXÉRCITO VERMELHO</p><p>O historiador russo Constantine Pleshakov escreveu que o</p><p>poderoso Exército Vermelho era formado por soldados “recrutados</p><p>na urbana Leningrado, na arrogante Moscou, na modesta</p><p>Bielorússia, na belicosa Chechênia, no islâmico Uzbequistão e na</p><p>budista Buriática”.199 De fato, a União Soviética era a união de</p><p>várias repúblicas de etnias diferentes, reunidas em torno de</p><p>Moscou e de um regime totalitário ocultado sob a capa do</p><p>socialismo pregado por Lênin durante a Revolução Bolchevique de</p><p>1917. Desde 1927, no entanto, a União Soviética era Stálin.</p><p>Quando a Alemanha invadiu o país, o Exército Vermelho era</p><p>composto de quase sete milhões de soldados, mas até o fim da</p><p>guerra já eram mais de trinta milhões, o maior exército em</p><p>operação no mundo. Mas, assim como os alemães, os soviéticos</p><p>aproveitaram o material humano existente, ainda que em número</p><p>muito menor. Dos mil soldados tchecos que fugiram para a Polônia</p><p>em março de 1939, seiscentos foram levados presos para os campos</p><p>de trabalho forçado quando os russos invadiram o país em</p><p>setembro do mesmo ano. E lá permaneceram até 1942, quando</p><p>foram “solicitados” para lutar. Os outros quatrocentos foram</p><p>imediatamente incorporados às divisões soviéticas. Em 1943,</p><p>estavam todos lutando em Kharkov.200</p><p>O problema soviético estava em manter os soldados no Exército</p><p>Vermelho. O regime implacável de Stálin não perdoava deslizes ou</p><p>demonstrações de fraqueza. Não menos de 13,5 mil execuções</p><p>foram realizadas durante a luta por Stalingrado. O que</p><p>provavelmente fez com que setenta mil hiwis lutassem do lado</p><p>alemão na batalha do Volga.201 Em 1944, cerca de 10% dos soldados</p><p>da Wehrmacht capturados na França, depois da invasão da</p><p>Normandia, eram ex-soldados vermelhos. Esses soviéticos, que em</p><p>sua maioria não falavam uma só palavra em alemão, estavam felizes</p><p>e aliviados de se renderem aos britânicos e norte-americanos. Não</p><p>lutavam movidos pela causa de Hitler, mas, como se renderam aos</p><p>alemães em 1941, seu retorno à União Soviética, onde agora eram</p><p>considerados traidores da pátria, significava escravidão e morte no</p><p>Gulag — os campos de “trabalhos correcionais” de Stálin.</p><p>Eles tinham bons motivos para temer o líder soviético. Quando</p><p>os russos libertaram a Crimeia, duzentos mil tártaros que haviam</p><p>recebido bem os alemães foram deportados para a Sibéria. Destes,</p><p>pelos menos vinte mil haviam servido no Exército alemão.202 Os</p><p>ucranianos e os bálticos também serviram na Wehrmacht e na SS</p><p>por antipatia ao regime de Stálin. A maioria dos guardas em</p><p>campos de concentração e de extermínio alemães era de</p><p>ucranianos. Até 1942, o número de ucranianos no Exército alemão</p><p>era superior a 270 mil. Em 1945, no campo de concentração de</p><p>Dachau, na Alemanha, 339 cidadãos soviéticos lutaram</p><p>desesperadamente com todas as forças contra os soldados Aliados</p><p>que tinham ordens de repatriá-los.203 Eles temiam voltar e encarar a</p><p>vingança pela “traição”. Não estavam errados: mais de 135 mil</p><p>oficiais e pelo menos três milhões de membros do Exército</p><p>Vermelho foram enviados por Stálin para campos de trabalho</p><p>forçado na Sibéria.</p><p>OS ALIADOS OCIDENTAIS</p><p>Os norte-americanos achavam que soldados negros eram incapazes</p><p>de lutar como os brancos; na Força Aérea eles eram ridicularizados</p><p>e na Marinha eram proibidos, serviam apenas como cozinheiros,</p><p>faxineiros ou assumiam postos considerados degradantes. Só por</p><p>necessidade e questões de propaganda, os americanos permitiram</p><p>o recrutamento de negros e de afrodescendentes. Uma minoria, no</p><p>entanto, pôde participar de combates na linha de frente. Até a Cruz</p><p>Vermelha estadunidense fazia uso da segregação entre bancos de</p><p>sangue “mestiços” e de “brancos”. As tropas que foram enviadas</p><p>para a frente de batalha com a 92ª Divisão de Infantaria Americana,</p><p>conhecida por Bu�alo Soldiers (soldados búfalos), sofriam com a</p><p>discriminação. Apesar de uma valorosa atuação na campanha</p><p>italiana, apenas dois soldados da divisão receberam a Medal of</p><p>Honour, a condecoração máxima do Exército americano.204</p><p>As colônias africanas da Grã-Bretanha e o Caribe, por sua vez,</p><p>contribuíram com não menos de quinhentos mil soldados negros, a</p><p>maioria destinada a fazer trabalhos pesados. Pelo menos três</p><p>divisões africanas serviram na Birmânia. Em Adis Abeba, na</p><p>Etiópia, quando duas companhias dos “Fuzileiros Africanos do</p><p>Rei” chegaram aos arredores da capital em 1941, foram impedidas</p><p>de entrar na cidade. O quartel-general britânico achou melhor usar</p><p>tropas brancas da África do Sul. “Presunções e afirmações de</p><p>superioridade racial estavam implícitas, quando não explicitas”,</p><p>escreveu o historiador britânico Max Hastings.205</p><p>A Índia enviou para os campos de batalha mais de 2,5 milhões de</p><p>“voluntários”. Mas também se levantou contra o domínio colonial</p><p>britânico. Um exército de 55 mil soldados indianos foi formado</p><p>pelo líder esquerdista Subhas Chandra Bose e se aliou aos</p><p>japoneses. Em 1943, uma “Assembleia das Maiores Nações Asiáticas</p><p>Orientais” chegou a ser organizada em Tóquio.206</p><p>Muitas outras colônias britânicas lutavam por liberdade, como a</p><p>Birmânia (onde milhares morreram de fome na crise de 1943) e o</p><p>Egito. O capitão Anwar Sadat, futuro presidente egípcio, defendia a</p><p>invasão alemã no Norte da África. Sadat escreveu: “Nosso inimigo</p><p>era basicamente, e talvez exclusivamente, a Grã-Bretanha.”207 Não</p><p>foi por menos que tanto o rei egípcio como o povo aguardava a</p><p>vitória do Eixo; em janeiro de 1942, manifestantes saíram às ruas da</p><p>capital aos gritos de “Avante, Rommel! Viva Rommel” para saudar</p><p>o Afrika Korps. A Birmânia, assim como a Índia, também chegou a</p><p>se aliar aos invasores japoneses.</p><p>SOLDADOS VICIADOS</p><p>Provavelmente um dos temas menos discutidos na vasta</p><p>bibliografia da Segunda Guerra seja o uso indiscriminado de drogas</p><p>entre os soldados combatentes. E uma nova droga sintética, o</p><p>Pervitin, foi amplamente usada e distribuída principalmente</p><p>durante a primeira fase da guerra. Isso porque tinha como</p><p>substância ativa a metanfetamina, um estimulante que atua no</p><p>sistema nervoso central, aumentando o estado de alerta, a</p><p>autoestima e até mesmo o desejo sexual, diminuindo o apetite, a</p><p>fadiga e a necessidade de dormir.</p><p>Desde as Olimpíadas de Berlim, em 1936, o Terceiro Reich</p><p>adotara a prática de usar drogas estimulantes. Hitler permitiu que</p><p>seus atletas fizessem uso deliberado de doping — esteroides ou</p><p>anfetaminas — para obterem vantagens nas competições. O passo</p><p>seguinte foi usar o Pervitin na Guerra Civil Espanhola. Os combates</p><p>na Península Ibérica permitiram que os alemães fizessem os</p><p>primeiros testes com seus soldados em linha de frente. Às vésperas</p><p>da Segunda Guerra, o doutor Otto Ranke, da Academia Militar de</p><p>Medicina, testou a substância em estudantes universitários e</p><p>chegou à conclusão de que o uso da droga ajudaria a Alemanha a</p><p>vencer a guerra.</p><p>Com o aval médico, entre abril e setembro de 1939, a indústria</p><p>farmacêutica Temmler forneceu ao exército alemão 29 milhões de</p><p>comprimidos de Pervitin, a “pílula do assalto”. A Polônia caiu</p><p>rapidamente, e a droga transformou-se em um vício entre as</p><p>tropas. Nas campanhas seguintes da Wehrmacht contra</p><p>Holanda,</p><p>Bélgica, Luxemburgo e França, os soldados alemães consumiram 35</p><p>milhões de comprimidos de Pervitin e de uma versão modificada</p><p>chamada Isophan, fabricada pela Knoll. Não foi à toa que o</p><p>historiador francês Nicolas Rasmussen escreveu que “a Blitzkrieg</p><p>alemã era alimentada por anfetaminas, tanto quanto era</p><p>alimentada por máquinas”.208</p><p>Como os tabletes de metanfetamina eram distribuídos em forma</p><p>de barra de chocolate, entre os pilotos da Luftwaffe a droga ficou</p><p>conhecida como Fliegerschokolade (chocolate de aviador) e, entre</p><p>as Divisões Panzer, como Panzerschokolade (chocolate Panzer).</p><p>Muitas vezes, os soldados também recebiam o Pervitin por injeção</p><p>intravenosa. O ás alemão Ernst Udet tomava “punhados” do</p><p>remédio, embora a dosagem normal fosse de apenas três</p><p>miligramas por comprimido e com recomendação de cautela no</p><p>uso.209 Outro viciado no medicamento era Heinrich Böll, que</p><p>depois da guerra se tornaria um escritor famoso, ganhador do</p><p>Nobel da Literatura de 1972. Böll estava tão dependente da droga</p><p>que escrevia frequentemente para casa solicitando dosagens extras.</p><p>Mas os efeitos do uso prolongado de Pervitin logo se fizeram</p><p>sentir. Além de uma necessidade de consumir doses constantes e</p><p>cada vez maiores, mudança no humor, insensibilidade, perda dos</p><p>padrões morais e oscilações entre euforia e depressão extremas</p><p>começaram a aparecer. O uso indiscriminado transformava os</p><p>soldados em “heróis verdadeiramente arianos”, lutando sem</p><p>cansar ou dormir por mais de 24 horas, mas tinha efeitos colaterais.</p><p>Durante o cerco de Leningrado, apática, uma companhia inteira da</p><p>SS entregou-se aos soviéticos sem lutar. Em 1943, o general Gerd</p><p>Schmückle, da 7ª Divisão Panzer, depois da batalha de Zhytomyr,</p><p>na Ucrânia, relatou “um estranho estado de intoxicação em que</p><p>uma profunda necessidade de dormir duelou com o claro estado de</p><p>alerta”.210</p><p>Em 1944, os cientistas alemães já trabalhavam em uma droga</p><p>mais potente. O professor Gerhard Orzechowski criou um novo</p><p>estimulante chamado D-IX, um poderoso coquetel com cocaína,</p><p>metanfetamina e Eukodal — um análogo sintético da morfina. Mas</p><p>com a derrota alemã, a droga não pôde ser usada em larga escala.211</p><p>É notório, no entanto, que os líderes nazistas, entre eles o próprio</p><p>Hitler e o bonachão Hermann Göring, comandante da Força Aérea</p><p>alemã, também faziam uso indiscriminado de drogas fortes. Göring</p><p>era viciado em morfina.</p><p>O uso de estimulantes e drogas sintéticas não ficou restrito aos</p><p>nazistas. Os finlandeses distribuíram a seus soldados nada menos</p><p>que 250 milhões de tabletes de heroína entre 1941 e 1944.</p><p>Japoneses, norte-americanos e ingleses também consumiram</p><p>drogas estimulantes, principalmente a heroína, que era usada</p><p>quase como aspirina. Na época não havia restrições quanto ao uso</p><p>de drogas.</p><p>Segundo o pesquisador polonês Lukasz Kamienski, autor do</p><p>livro Shooting Up [Atirando para o alto], o Exército Vermelho foi o</p><p>único grande exército durante a guerra que não fez uso de drogas</p><p>estimulantes, exceto o de uma bebida popular conhecida por</p><p>“coquetel de trincheira”, uma mistura de vodca e cocaína.212 A</p><p>vodca, aliás, fazia parte da ração diária distribuída aos soviéticos,</p><p>principalmente no inverno. Quando os soldados de Stálin</p><p>invadiram a Alemanha em 1945, quantidades imensas de álcool</p><p>foram consumidas. O acesso às adegas e aos estoques de bebidas</p><p>alemãs transformou-se em um problema sério para o comando da</p><p>NKVD. Os soldados ingeriam até mesmo produtos químicos</p><p>perigosos, retirados de fábricas e oficinas. “Os russos são</p><p>absolutamente loucos por vodca e bebidas alcoólicas”, afirmou um</p><p>oficial alemão.213 Não se admira que tenham cometido estupros</p><p>coletivos e diversas outras atrocidades em Berlim e em demais</p><p>cidades da Prússia Oriental e Pomerânia.</p><p>N</p><p>8. GUERRA DE INTELIGÊNCIA</p><p>Os Aliados usaram a BBC para transmitir mensagens ocultas e a</p><p>língua dos navajos para seus códigos militares. A decifração do</p><p>código da Enigma alemã, no entanto, foi fundamental para o</p><p>esforço de guerra Aliado, mas tornou-se segredo mesmo depois</p><p>do fim do conflito. Alan Turing, um dos responsáveis pela</p><p>decodificação das mensagens Ultra, nunca entrou na lista dos</p><p>heróis ingleses da guerra: ele era homossexual.</p><p>a véspera do Natal de 2013, o matemático britânico Alan Turing</p><p>recebeu o “perdão real”, quase seis décadas após sua morte,</p><p>ocorrida em 1954. O perdão da rainha Elisabeth II, garantido pela</p><p>Prerrogativa Real de Compaixão, havia sido solicitado pelo ministro</p><p>da Justiça britânico Chris Grayling, por considerar que o trabalho</p><p>de Turing salvara milhares de vidas durante a Segunda Guerra.</p><p>Turing realmente fora um notável cientista, mas sua atuação em</p><p>Bletchley Park, onde a Grã-Bretanha trabalhava na decifração dos</p><p>códigos secretos nazistas durante a guerra, era totalmente</p><p>desconhecida até meados da década de 1970. Ele era um problema</p><p>para o governo britânico, e não apenas pelos segredos da Enigma</p><p>que ele detinha e poderia revelar: ele era assumidamente gay, o que</p><p>era crime no país. Depois da Segunda Guerra, ele foi condenado</p><p>por atentado ao pudor e obrigado a tratar de sua “doença”. Na</p><p>época de sua morte, a polícia inglesa divulgou que ele cometera</p><p>suicídio, mas é quase certo que sua morte foi causada por</p><p>intoxicação devido à medicação usada na “castração química”</p><p>imposta ao cientista.</p><p>GUERRA CLANDESTINA</p><p>Quando Churchill assumiu o governo da Grã-Bretanha em 1940,</p><p>em meio à invasão da França pelos alemães, ele criou a Agência de</p><p>Operações Especiais, o SOE. A ideia era um organismo que</p><p>auxiliasse o Serviço Secreto Britânico (o SIS, também chamado de</p><p>MI6)214 a fomentar e a apoiar as ações antialemãs na Europa</p><p>ocupada e criar uma guerra clandestina que captasse informações</p><p>importantes do inimigo.</p><p>O general Heinz Guderian e a Enigma, na linha de frente, em 1940.</p><p>Alan Turing, o cientista homossexual que ajudou no esforço de guerra Aliado</p><p>trabalhando em Bletchley Park, na decifração dos códigos da Enigma.</p><p>O SOE empregou aproximadamente 13 mil funcionários durante</p><p>a guerra, sendo que cinco mil deles estavam infiltrados em países</p><p>ocupados — um número bem alto se comparado às 837 pessoas que</p><p>trabalhavam no quartel-general do SIS.215 O trabalho exigia</p><p>coragem e habilidade para sabotagem, combate sem armas,</p><p>conhecimento de comunicação e códigos, fluência na língua nativa</p><p>e, essencialmente, capacidade de aguentar prisões e torturas. Não</p><p>era fácil encontrar pessoas com tantas qualidades, e as que eram</p><p>recrutadas passavam um tempo em escolas preparatórias na Grã-</p><p>Bretanha ou no Canadá. Aprender táticas de guerrilha e fuga,</p><p>montar e disparar metralhadoras e explosivos e beber grande</p><p>quantidade de bebida alcoólica sem se tornar um linguarudo era</p><p>fundamental. Além do celebrado criador de James Bond, Ian</p><p>Fleming, até mesmo um brasileiro “campeão de mergulho,</p><p>especialista em judô e, acima de tudo, um don Juan” passou pelo</p><p>SOE.216</p><p>Todas as provas, no entanto, não significavam êxito, as missões</p><p>eram extremamente difíceis. Dos 144 agentes infiltrados nos Países</p><p>Baixos entre 1940 e 1944, por exemplo, somente 28 sobreviveram.</p><p>Havia também muitas traições e agentes duplos, que serviam aos</p><p>dois lados combatentes. De toda sorte, o SOE obteve sucessos</p><p>importantes, como o assassinato do líder da SS, Reinhard</p><p>Heydrich, em Praga, em 1942, além de ações de sabotagem na</p><p>Itália, na França e até mesmo na Alemanha. Também forneceu</p><p>armamento aos mais de duzentos mil guerrilheiros comunistas</p><p>iugoslavos que lutavam para expulsar os nazistas.</p><p>Um dos meios de comunicação entre o SOE e esses grupos de</p><p>resistência foram as transmissões radiofônicas da BBC de Londres.</p><p>As mensagens iam ao ar na programação noturna da emissora, às</p><p>sete e meia da noite e às nove quando a rádio tocava como tema de</p><p>abertura os primeiros acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven</p><p>(que correspondiam à letra V, de vitória, no código Morse: ponto-</p><p>ponto-ponto-traço) e uma voz anunciava “Aqui estão algumas</p><p>mensagens pessoais.” Seguia-se a mensagem em código, com</p><p>fraseologia estranha, como “A cadela de Barbara terá três</p><p>cachorrinhos” ou “Romeu</p><p>abraça Julieta”, que apenas a resistência</p><p>europeia tinha conhecimento do que se tratava (que três</p><p>prisioneiros de guerra chegariam a Barcelona e um mensageiro</p><p>chegaria à Suíça vindo de Toulouse, na França).217</p><p>A Agência de Operações Especiais também esteve envolvida em</p><p>um dos maiores mistérios da Segunda Guerra: o voo do vice-Führer</p><p>Rudolf Hess até a Inglaterra, em 10 de maio de 1941. Oficialmente,</p><p>Hitler declarou que ele sofria de “perturbação mental” tão logo os</p><p>ingleses noticiaram que o número dois da Alemanha nazista caíra</p><p>de seu Messerschmitt Me-110 na Escócia. A maioria dos</p><p>historiadores acredita na ideia de que Hess fosse um emissário de</p><p>Hitler com uma proposta de paz, mas rejeita a atuação do Serviço</p><p>Secreto Britânico. Negociações políticas nesse sentido já vinham</p><p>acontecendo desde 1940, sem o sucesso esperado pelos alemães.218</p><p>O historiador inglês Martin Allen, autor do livro A missão secreta de</p><p>Rudolf Hess, no entanto, tem uma ideia bem diferente a respeito: a</p><p>Grã-Bretanha usou Hess como isca.</p><p>O SO1, um braço do SOE, atraiu o líder nazista para uma suposta</p><p>reunião com membros da oposição ao governo Churchill dispostos</p><p>a negociar a paz. A missão tinha o codinome “Operação Srs.</p><p>HHHH” (de Hoare, Halifax, Hess e Hitler, os principais</p><p>envolvidos). O que os ingleses queriam, no entanto, era fazer Hitler</p><p>acreditar na possibilidade de um acordo com os Aliados e atacar</p><p>Stálin. Com Churchill fora do jogo e com a paz no Ocidente, Hitler</p><p>poderia destruir a União Soviética e concretizar seu sonho de ser o</p><p>maior alemão da história. “Antes de perder a Segunda Guerra</p><p>Mundial, Adolf Hitler perdeu a guerra intelectual contra Winston</p><p>Churchill”, afirmou Allen.219 O que é certo é que Hess estava longe</p><p>de ser louco. Poucos dias antes, ele participara com Hitler e com o</p><p>marechal do ar, Hermann Göring, de uma celebração no Reichstag,</p><p>na qual o Führer prometeu um Reich de “mil anos”. Preso pelos</p><p>ingleses, Hess foi condenado à prisão perpétua, vindo a morrer em</p><p>1987, também em circunstâncias misteriosas: foi encontrado</p><p>enforcado na cela da prisão de Spandau, em Berlim; oficialmente</p><p>cometera suicídio.</p><p>O correspondente norte-americano do MI6 era o Escritório de</p><p>Serviços Estratégicos, o OSS, criado por Roosevelt para coordenar</p><p>as ações de inteligência durante a guerra e que mais tarde seria</p><p>transformado no que se conhece hoje por CIA.220 Tinha</p><p>praticamente as mesmas funções, mas estava proibido de agir no</p><p>hemisfério ocidental, que era área de ação do FBI. O OSS também</p><p>financiou e deu apoio logístico a grupos guerrilheiros. Na luta</p><p>contra os japoneses, o Escritório de Serviços Estratégicos municiou</p><p>o líder vietnamita Ho Chi Minh e também o chinês Mao Tsé-tung,</p><p>ambos comunistas declarados. Depois da guerra, os dois tornaram-</p><p>se inimigos dos Estados Unidos.</p><p>O OSS também desenvolveu varias operações secretas de alto</p><p>risco. Uma delas foi desempenhada pelo judeu-alemão Frederick</p><p>Mayer. Em 1945, o sargento Mayer, junto com o radio-operador</p><p>holandês Hans Wynberg, também judeu, e Franz Weber, ex-oficial</p><p>da Wehrmacht, foram lançados de paraquedas próximo a</p><p>Innsbrück, na Áustria, na Operação Greenup. A finalidade da</p><p>Greenup era encontrar a Alpenfestung (Fortaleza Alpina), que os</p><p>Aliados acreditavam ser um reduto escondido nos Alpes de onde</p><p>Hitler e os líderes nazistas comandariam uma resistência final.</p><p>Como era alemão, Mayer se passou por um oficial da Wehrmacht e</p><p>conseguiu muitas informações, como detalhes do bunker de Hitler,</p><p>em Berlim, e da fábrica que produzia os aviões a jato alemães.</p><p>Wynberg transmitiu as informações ao OSS, assim como a notícia</p><p>de que o “reduto” era um mito.221</p><p>Outro fato importante na guerra de inteligência militar dos</p><p>Estados Unidos foi a ideia do engenheiro Philip Johnston de usar</p><p>mensagens codificadas com base na língua da tribo indígena</p><p>navajo. Como a língua era falada apenas em uma área restrita do</p><p>continente norte-americano, por menos de cinquenta mil pessoas,</p><p>ela por si só transformou-se em um código indecifrável para</p><p>alemães e japoneses. Algo semelhante já havia sido usado com os</p><p>chotaws na Primeira Guerra, mas por via telefônica. Até o final do</p><p>conflito, o exército americano recrutou e treinou 420 navajos. Eles</p><p>criaram um código com cerca de duzentos termos militares e um</p><p>alfabeto para soletrar outras palavras. Assim, um submarino era</p><p>descrito como “Besh-lo”, peixe de ferro, e um comboio como</p><p>“Tkal-kah-o-nel”, andando sobre a água, entre outras</p><p>excentricidades linguísticas. O major Hower Conner confirmou o</p><p>sucesso do código: “Se não fosse pelos navajos, os fuzileiros jamais</p><p>teriam tomado Iwo Jima.”222 A pequena ilha japonesa custou a vida</p><p>de quase sete mil americanos, ferindo outros 19 mil.</p><p>A ENIGMA ALEMÃ</p><p>A máquina de criptografia mais famosa do mundo foi inventada na</p><p>Alemanha em 1918 por Arthur Scherbius, inicialmente para que os</p><p>bancos mantivessem em segredo transações financeiras. Dez anos</p><p>depois, antes de Hitler assumir como chanceler, a Marinha e o</p><p>Exército alemães já usavam a “Enigma”, mas nessa época a</p><p>máquina ainda era falha e não oferecia a segurança esperada.</p><p>Em 1933, já com os nazistas no poder, a Alemanha montou uma</p><p>unidade de inteligência ligada a Luftwaffe, coordenada por</p><p>Gottfried Schapper, que fora operador de rádio na Primeira Guerra</p><p>e tinha experiência com criptografia e comunicações militares.</p><p>Depois de inúmeras alterações, o modelo Enigma de 1937 passou a</p><p>ser considerado seguro o suficiente para ser utilizado em uma</p><p>guerra.</p><p>No tamanho e na forma, a Enigma lembrava muito uma máquina</p><p>de escrever. Até o teclado era igual. Porém, as semelhanças</p><p>acabavam por aí. Acima do teclado, em uma placa de madeira,</p><p>havia um conjunto de luzes que correspondia às letras do alfabeto;</p><p>dentro havia três tambores (ou rodas), cada um com letras do</p><p>alfabeto ou os números de 1 a 26. Quando uma tecla era</p><p>pressionada, uma luz na placa acendia e a letra era cifrada, então o</p><p>primeiro tambor girava uma posição. Depois de um determinando</p><p>número de voltas do primeiro tambor, o segundo girava uma</p><p>posição, depois o terceiro e assim por diante. As versões militares</p><p>mais complexas, com fiação interna e placas de conexões, podiam</p><p>ter 160 trilhões de combinações cifradas que só podiam ser</p><p>decifradas por outra máquina Enigma.223</p><p>O código começou a ser “quebrado” pelos poloneses em 1929,</p><p>depois que uma versão civil foi parar, por engano, em Varsóvia.</p><p>Pouco depois, o serviço secreto francês conseguiu de Hans</p><p>Schmidt, que trabalhava no Ministério da Defesa, em Berlim,</p><p>documentos que ensinavam a cifrar a máquina militar. Isso ajudou</p><p>o engenheiro polonês Marian Rejewski a descobrir como decifrar o</p><p>código em 1932. Durante os anos seguintes, os alemães</p><p>continuaram a criar mecanismos mais complexos, e os poloneses a</p><p>decifrá-los. No entanto, a Polônia não informou nada a seus aliados</p><p>até 1939.</p><p>Nesse meio-tempo, Alan Turing entrou em cena. Eric</p><p>Hobsbawm o descreveu como um “gênio de ar desajeitado e rosto</p><p>pálido, então um professor assistente com queda pelo jogging”.224</p><p>Em 1937, Turing descreveu como um problema matemático podia</p><p>ser resolvido por um “autômato universal” desde que lhe</p><p>fornecessem informações apropriadas. A teoria da “Máquina de</p><p>Turing” provou ser matematicamente viável, tornando-se uma das</p><p>precursoras do computador. No ano seguinte ele se alistou na</p><p>“Escola de Códigos e Cifras”, em Bletchley Park, que ficava nos</p><p>arredores de Londres e reunia a nata dos cientistas e matemáticos</p><p>que trabalhavam na decifração dos códigos de guerra usados na</p><p>Alemanha nazista.</p><p>Com a guerra em andamento, os decifradores Aliados que</p><p>trabalhavam em Bletchley Park passaram a fazer parte de uma</p><p>enorme corrente, tão complexa quanto os próprios códigos e</p><p>mensagens cifradas. As informações decodificadas, chamadas de</p><p>“Ultra” (de ultrassecreto), eram analisadas e enviadas ao MI6 inglês</p><p>e daí encaminhadas para os comandantes de campo por meio das</p><p>SLU, as Unidades Especiais de Ligação. Essas unidades</p><p>acompanhavam de perto vários exércitos, não apenas britânicos,</p><p>mas também de seus aliados norte-americanos. A tensão,</p><p>a</p><p>monotonia e a euforia ocasionais vividas por quaisquer soldados</p><p>também eram realidade para os homens e mulheres em Bletchley</p><p>Park. Era um trabalho extremamente cansativo, um jogo de gato e</p><p>rato. No auge do conflito, Bletchley Park decifrava dez mil</p><p>mensagens por dia. Elas eram classificadas em quatro categorias,</p><p>conforme o grau de importância. O material mais urgente era</p><p>despachado imediatamente. Um material de segunda categoria era</p><p>repassado em até oito horas, enquanto o de terceira, apenas no dia</p><p>seguinte. A quarta e última categoria não era repassada, mas</p><p>arquivada como “bobagens”.</p><p>Porém, nem sempre as mensagens eram decifradas e chegavam</p><p>aos comandantes militares a tempo de serem utilizadas. Quando a</p><p>campanha alemã contra a França teve início, em 1940, os Aliados já</p><p>haviam quebrado o código “amarelo” da Enigma para a operação,</p><p>mas o avanço da Wehrmacht foi tão rápido e desconcertante, e o</p><p>processamento ainda lento, que nada pôde ser feito efetivamente.</p><p>Muitas mensagens decifradas continham planos estratégicos</p><p>detalhados, mas se tornavam obsoletas. Ann Harding, que</p><p>trabalhou na decifração do código naval alemão, escreveu: “Nossa</p><p>primeira grande descoberta foi que os alemães invadiriam a</p><p>Noruega. Não foi de grande ajuda, pois eles já estavam</p><p>invadindo.”225</p><p>Algumas mensagens podiam ser obsoletas, mas ainda assim</p><p>tinham utilidade. Uma delas era entender como o inimigo pensava</p><p>e agiria, o que possibilitava prever os passos seguintes e antecipar</p><p>operações. Henry Graff, oficial americano e tradutor das</p><p>mensagens cifradas japonesas, afirmou que se sentia no “centro do</p><p>universo” lendo a correspondência trocada entre embaixadas</p><p>inimigas: “As mensagens de Oshima, transmitidas de Berlim, e</p><p>sempre refletindo suas conversas com Hitler e Albert Speer,</p><p>pareciam vir do coração do inimigo maligno que estávamos</p><p>combatendo.”226</p><p>Em março de 1940, Turing construiu a primeira “bomba”,</p><p>máquina que podia ler e analisar inúmeras configurações da</p><p>Enigma, que foi chamada de “Vitória”. Com a rapidez e a eficiência</p><p>da complicada máquina de decodificação, os resultados</p><p>apareceram imediatamente. Cinco meses depois, outra bomba</p><p>ficou pronta, e logo haviam dezenas delas funcionando. Frederick</p><p>Winterbotham, capitão responsável por Bletchley e autor de um</p><p>dos primeiros livros sobre a Enigma, em 1974, declarou: “O milagre</p><p>havia acontecido.” Winterbotham chamava as bombas de Turing</p><p>de “Deusas de Bronze”, devido à cor delas.227</p><p>Mas ler e interpretar os códigos era extremamente difícil, pois</p><p>não se tratava de decifrar um único código. Por questões de</p><p>segurança, a Luftwaffe, a Marinha, o Exército e o Ministério do</p><p>Exterior alemão tinham configurações diferentes e frequentemente</p><p>alteradas — mais de duzentas ao todo.228 Em 1942, o volume de</p><p>mensagens recebidas era tão grande que a “Station X”, como</p><p>Bletchley era chamada pelo SIS, transformou-se em um “centro</p><p>industrial” com seis mil pessoas trabalhando em casas geminadas</p><p>denominadas “cabanas”. No ano seguinte, surgiu a Colossus,</p><p>projeto do engenheiro Tommy Flowers com base nas ideias</p><p>propostas por Turing em 1937. Com 1.500 válvulas, o computador</p><p>programável de Flowers-Turing podia processar cinco mil</p><p>caracteres por segundo e decifrar o código da Enigma em menos de</p><p>meia hora, o que era extremamente importante para os exércitos</p><p>Aliados.229</p><p>Manter as mensagens Ultra em segredo era essencial para o</p><p>esforço de guerra Aliado. Churchill conseguiu que somente 31</p><p>pessoas soubessem que os agentes de Bletchley tinham decifrado o</p><p>código da Enigma, dando ao fato o codinome “Boniface” para</p><p>induzir o inimigo a pensar que todas as informações provinham de</p><p>um único agente ou de um grupo de agentes específico. O segredo</p><p>foi tal que uma das pessoas não informadas sobre o projeto Ultra foi</p><p>Hugh Dalton, ninguém menos do que o próprio diretor do SOE.230</p><p>Apesar do sucesso alemão em desenvolver a Enigma, o erro fatal</p><p>nazista foi desdenhar da possibilidade de que os Aliados estivessem</p><p>lendo suas mensagens e continuar repetindo operações que</p><p>facilitavam a decodificação. O historiador inglês Michael Paterson</p><p>escreveu que “por tradição, a mente militar alemã não aprovava,</p><p>ou apreciava, tais artimanhas. Por isso, ao longo da guerra, muitos</p><p>oficiais ignoraram oportunidades em que poderiam fazer uso</p><p>valioso da inteligência”.231 O lado Aliado não teve o mesmo pudor.</p><p>A possibilidade de saber antecipadamente das ações do inimigo era</p><p>sua maior arma contra o Eixo, e não havia motivos para descartá-la.</p><p>Churchill deliciava-se com elas. Certa vez, em uma visita à frente</p><p>de batalha, ele sentou-se com A.L. Thompson, membro da SLU,</p><p>colocou as mãos sobre o ombro do oficial e disse: “Vamos lá, meu</p><p>amigo, conte-me como está indo a guerra.”232</p><p>No final do conflito na Europa, em maio de 1945, a pedido do</p><p>primeiro-ministro, Winterbotham enviou uma mensagem a todos</p><p>os comandantes Aliados em todos os teatros de operações: todos</p><p>deveriam manter segredo sobre a “fonte mais secreta” de</p><p>Churchill.233 O governo britânico proibiu qualquer referência às</p><p>mensagens Ultra até 1974, o que formou heróis sem merecimento.</p><p>Muitos generais Aliados foram elevados à categoria de gênios</p><p>militares, mas ocultaram que suas estratégias baseavam-se no</p><p>conhecimento prévio das ações do inimigo. É o caso do marechal</p><p>Bernard Montgomery, que derrotou Rommel no deserto africano. A</p><p>“Raposa do Deserto” caiu mais por eficiência de Bletchley do que</p><p>pela habilidade do arrogante “Monty”. Não há dúvidas de que o</p><p>trabalho dos decifradores dava ótimos resultados para os Aliados. O</p><p>grande encouraçado alemão Bismarck, orgulho da Kriegsmarine,</p><p>foi afundado e a rota de suprimentos da Europa foi mantida a salvo</p><p>dos U-boats graças a Bletchley. O oficial da RAF, John Slessor, não</p><p>tinha dúvidas: “Os verdadeiros vencedores da batalha do Atlântico</p><p>foram Ultra e o radar.”234 Fato confirmado pelo almirante Karl</p><p>Dönitz depois da guerra, quando se soube que os nazistas haviam</p><p>quebrado o código da Marinha Real entre 1942 e 1943 e os</p><p>submarinos alemães voltaram a afundar navios Aliados em grande</p><p>quantidade. Um novo ajuste e Bletchley retomou o controle da</p><p>situação. As mensagens Ultra também revelaram todas as posições</p><p>alemãs na Normandia, permitindo que o Dia D, em 1944, fosse um</p><p>sucesso com reduzido número de baixas.</p><p>Os ingleses também tentaram enviar informações a Moscou</p><p>sobre a invasão alemã que ocorreria na primavera de 1941. Depois</p><p>da queda da França, Churchill enviou uma mensagem a Stálin na</p><p>tentativa de aproximação e na esperança de que o ditador soviético</p><p>desfizesse o acordo com Hitler. Relatava a ameaça da hegemonia</p><p>alemã no continente europeu e preconizava destruir Hitler e</p><p>“libertar a Europa”. O próprio embaixador inglês em Moscou,</p><p>Stafford Cripps, entregou a mensagem, mas Stálin não via o perigo</p><p>alemão “sob a mesma luz que Churchill”.235 Na verdade, Stálin já</p><p>tinha em mente um plano para invadir a Alemanha antes que Hitler</p><p>tomasse a iniciativa contra a União Soviética. Foi provavelmente o</p><p>segredo mais bem guardado da Segunda Guerra, tornando-se</p><p>público e detalhado somente na década de 1990. A ideia</p><p>provavelmente surgiu no começo do ano, mas a primeira versão do</p><p>plano só ficou pronta em agosto de 1940 e levava as assinaturas dos</p><p>generais Boris Shaposhnikov e Semyon Timoshenko.236 A diretiva</p><p>número 21 de Hitler, quando ele ordenou a preparação da</p><p>Barbarossa, é datada de quatros meses depois, 18 de dezembro de</p><p>1940. Stálin estava prestes a invadir a Alemanha quando Hitler</p><p>atacou primeiro, em 22 de junho de 1941. De qualquer forma, o MI6</p><p>continuou a repassar informações sobre as movimentações das</p><p>tropas alemãs para os russos.</p><p>A última mensagem de Hitler interceptada por Ultra foi enviada</p><p>em 15 de abril de 1945: “Mais uma vez o bolchevismo sofrerá a</p><p>mesma sorte da Ásia: soçobrará na capital do Reich. Berlim</p><p>continua alemã, Viena será alemã outra vez e a Europa jamais será</p><p>russa.”237 Em menos de um mês, a guerra na Europa tinha</p><p>terminado.</p><p>PEARL HARBOR</p><p>A “Bletchley americana” ficava em Arlington Hall, uma mansão</p><p>nos arredores de Washington. Mas havia diversas</p><p>Bletchleys</p><p>espalhadas ao redor do globo. Havia bases em Nova Déli, na Índia,</p><p>em Anderson, no Ceilão, em Mombaça, no Quênia, e em Brisbane,</p><p>na Austrália, entre muitas outras.</p><p>Se os alemães tinham certeza de que os códigos da Enigma eram</p><p>seguros, os japoneses não tinham tanta convicção e faziam uso de</p><p>uma infinidade incrível de códigos (que eram aplicados em</p><p>Enigmas alemãs que haviam sido compradas pelo Japão). O agente</p><p>norte-americano Alan Stripp, que trabalhou em Brisbane, afirmou</p><p>que em determinado momento da guerra “havia pelo menos 55</p><p>sistemas diferentes usados pela Marinha, Exército e diplomacia,</p><p>dos quais 24 navais e 21 do Exército tinham sido identificados.”238</p><p>Para cada um desses códigos havia necessidade de livros</p><p>correspondentes, usados tanto pelos transmissores quanto pelos</p><p>receptadores. Para surpresa americana, quando um submarino</p><p>japonês foi capturado em 1942, descobriu-se que transportava</p><p>“duzentos mil livros de códigos”.</p><p>A decifração dos códigos japoneses, principalmente o JN25, o</p><p>código mais importante, permitiu aos norte-americanos derrotar</p><p>facilmente as forças japonesas. Em abril de 1942, o almirante</p><p>Nimitz, comandante-chefe do Pacífico, recebeu a informação de</p><p>que a frota japonesa se dirigia para Port Moresby, na Nova Guiné,</p><p>de onde atacaria a Austrália. Nimitz preparou uma emboscada, e a</p><p>batalha do Mar de Coral foi travada apenas por aviões, sem que os</p><p>navios se avistassem. Foi a primeira desse tipo na história. Em</p><p>junho, foi a vez de Midway, batalha decisiva em que o Japão perdeu</p><p>quatro porta-aviões e as chances de vencer a guerra. Um ano</p><p>depois, em 1943, os americanos interceptaram uma mensagem</p><p>sobre a rota de voo do almirante Isoroku Yamamoto, o homem que</p><p>havia projetado o ataque a Pearl Harbor. Dezoito caças Lightning P-</p><p>38 partiram de Guadalcanal e abateram o avião de Yamamoto. Os</p><p>japoneses nunca desconfiaram que o código JN25 havia sido</p><p>decifrado.239</p><p>O ataque japonês à base americana no Havaí, em dezembro de</p><p>1941, também não foi uma surpresa completa. Havia um ano que os</p><p>Aliados tinham o código japonês. Em 9 de outubro, dois meses</p><p>antes do ataque a Pearl Harbor, Washington decifrou uma</p><p>mensagem-código de Tóquio enviada ao almirante Kita sobre os</p><p>porta-aviões da esquadra americana no porto havaiano. Antes</p><p>ainda, em setembro, os ingleses em Bletchley já haviam</p><p>interceptado mensagens do embaixador japonês em Berlim. Hitler</p><p>garantira a ele que, no caso de um confronto entre Japão e EUA, a</p><p>Alemanha declararia guerra aos americanos.240 No entanto,</p><p>segundo informou mais tarde o general Georg Marshall, a</p><p>mensagem com as informações sobre o ataque (deliberadamente ou</p><p>não) só chegou ao Havaí no dia seguinte à ação japonesa.</p><p>Foi mais fácil e útil responsabilizar os defensores da base do que</p><p>revelar o conhecimento dos códigos. Churchill e Roosevelt</p><p>esperavam ansiosamente por uma oportunidade como a dada pelos</p><p>japoneses. Depois da guerra, em 1953, o almirante Husband</p><p>Kimmel, comandante-chefe da Frota do Pacífico na época do</p><p>ataque, ainda se defendia da acusação de incompetência que</p><p>Washington lhe fez. Seu colega de farda o defendeu, sem sucesso:</p><p>“Se tivéssemos acesso às mensagens Magia que revelavam</p><p>claramente as intenções japonesas (...) a esquadra não se</p><p>encontraria, nessa data, em Pearl Harbor.”241 Kimmel afirmou que</p><p>“aqueles que dispunham de toda a autoridade” na capital seriam</p><p>julgados pela história como “quaisquer outros criminosos”.</p><p>Q</p><p>9. MULHERES NA GUERRA</p><p>Enquanto os Aliados levaram o sexo feminino à guerra, atuando</p><p>em fábricas, enfermarias, escritórios e, até mesmo, como</p><p>soldados, a ideologia nazista ainda considerava que as mulheres</p><p>deveriam permanecer longe de questões políticas e militares. A</p><p>mulher alemã deveria ser o alicerce da família, cuidar da casa e</p><p>gerar filhos.</p><p>uando a Segunda Guerra teve início, em poucos países do</p><p>mundo as mulheres tinham direitos civis e cidadania plena. A</p><p>participação na vida política era uma conquista recente. Nos</p><p>Estados Unidos, o direito ao voto fora concedido às mulheres</p><p>maiores de 21 anos (apenas em alguns estados) em 1913. Na Europa,</p><p>países como Finlândia, em 1906, e Noruega, em 1913, foram os</p><p>pioneiros no direito feminino ao sufrágio. A Nova Zelândia foi o</p><p>primeiro país a conferir esse direito político em termos nacionais,</p><p>em 1893. Depois da Primeira Guerra, Alemanha, Áustria,</p><p>Dinamarca, Holanda e Canadá fizeram o mesmo. Na Inglaterra, as</p><p>mulheres puderam votar a partir de 1918, mas somente as casadas,</p><p>as chefes de família com nível universitário e as maiores de trinta</p><p>anos. Apenas dez anos depois é que o Parlamento inglês aprovou</p><p>igualdade de condições com o voto masculino.</p><p>Na Rússia, a Revolução de Outubro, em 1917, não só concedeu o</p><p>direito ao voto, como também estabeleceu a igualdade entre os</p><p>cônjuges, a legalização do divórcio e do aborto e a licença-</p><p>maternidade. Segundo Carla Bassanezi Pinsky e Joana Maria Pedro,</p><p>historiadoras da USP, tais leis “promoveram uma transformação</p><p>profunda nas relações familiares e possibilitaram a cidadania e</p><p>autonomia das mulheres de uma maneira como até aquela data não</p><p>havia ocorrido”.242 O problema para as russas foi que, logo em</p><p>seguida, Stálin aboliu a maioria dos direitos femininos — e também</p><p>os masculinos. O mesmo aconteceu com as espanholas com a</p><p>ditadura de Franco. Em alguns países, como a Itália e a França, as</p><p>mulheres só conseguiram direito ao voto com o final da Segunda</p><p>Guerra. E o sempre carola Portugal só concedeu esse direito às</p><p>mulheres em 1976.</p><p>LOURAS DESLUMBRANTES, DE ANCAS LARGAS</p><p>Na Alemanha, os nazistas retiraram todos os avanços feministas do</p><p>período entreguerras. Na ideologia de Hitler, a mulher alemã devia</p><p>ser, antes de tudo, dona de casa e mãe. A velha teoria dos três K:</p><p>Küche, Kinder und Kirche (cozinha, filhos e igreja). Por essa razão,</p><p>uma lei de 1937 proibiu que mulheres fossem empregadas na</p><p>administração. O historiador inglês Martin Kitchen afirma, no</p><p>entanto, que “o Terceiro Reich não era exatamente o inferno</p><p>misógino retratado por alguns historiadores feministas, mas</p><p>tampouco era o paraíso”.243 Pouco antes da guerra, metade das</p><p>mulheres alemãs trabalhava fora, um número alto comparado aos</p><p>Estados Unidos (25%) e à Grã-Bretanha (45%). Em 1941, havia 15</p><p>mil creches no país. E as mulheres que tinham emprego fixo</p><p>recebiam seis semanas de licença-maternidade remunerada, algo</p><p>que não ocorria em nenhum outro lugar. Tudo porque a reprodução</p><p>era considerada uma bênção para o regime, sendo extremamente</p><p>estimulada pelo governo. O aniversário de nascimento da mãe de</p><p>Hitler, 12 de agosto, foi escolhido para celebrar a “Festa das Mães</p><p>Alemãs”. Nesse dia, as mães de famílias numerosas eram</p><p>condecoradas com a Cruz de Honra da Mãe Alemã: a de bronze era</p><p>dada às que tivessem de quatro a seis filhos; a de prata, de seis a</p><p>oito filhos; e a cruz de ouro, àquelas que dessem ao Reich mais de</p><p>oito filhos.244 Na primeira premiação, no Dia das Mães de 1939, três</p><p>milhões de alemãs receberam medalhas.</p><p>O ideal nacional-socialista de beleza da mulher alemã era a</p><p>“loura deslumbrante, de ancas largas, com cabelos amarrados atrás</p><p>da nuca ou trançados e formando uma coroa na cabeça” — o que</p><p>caracterizou tanto a Nationalsozialistische Frauenschaft (Liga das</p><p>Mulheres Nazistas) quanto a Bund Deutscher Mädel (Liga das Jovens</p><p>Alemãs). O corpo atlético era exaltado, enquanto a maquiagem era</p><p>considerada “não alemã”. Quem insistisse em usar corria o risco de</p><p>ser tachada de prostituta.</p><p>O sexo não seria mais uma atividade pessoal, mas um “dever</p><p>sagrado”, voltado para fins mais elevados: a reprodução de seres</p><p>superiores. Por isso, para se casar, o soldado da SS, a elite guerreira</p><p>do regime nazista, precisava de autorização especial, que deveria</p><p>vir diretamente de Heinrich Himmler, conforme uma lei de 1932, a</p><p>Ordem A65. As mulheres “candidatas” se enquadravam em três</p><p>categorias: “perfeitamente adequadas para a seleção”,</p><p>“medianamente adequadas” ou “totalmente inadequadas”. E a</p><p>“autorização matrimonial” só vinha depois do preenchimento</p><p>adequado de vinte itens de ordem fisionômica, como a</p><p>estatura dos</p><p>candidatos, “em pé e sentados”, a forma do crânio, a cor e a</p><p>disposição dos olhos, a curvatura do nariz, o comprimento dos</p><p>membros, a dimensão do tórax dos homens e da bacia das</p><p>mulheres etc.</p><p>Himmler fazia questão de cumprir uma antiga tese defendida</p><p>pelo doutor Schallmayer, de que “os guerreiros que voltam do front</p><p>deveriam ter a possibilidade de dispor de várias mulheres”.245 Por</p><p>isso, a SS criou os Lebensborn (fonte de vida, literalmente), com a</p><p>ideia de reproduzir arianos perfeitos por meio do relacionamento</p><p>entre indivíduos “aptos”. O historiador Marc Hillel chamou a</p><p>instituição de “espécie de haras nacional”, onde as mulheres</p><p>“perfeitamente adequadas” geravam filhos com arianos típicos,</p><p>dentro dos padrões exigidos. A direção da instituição coube ao</p><p>médico da SS Gregor Ebner. Mais de trinta Lebensborn foram</p><p>criados na Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Luxemburgo,</p><p>Noruega, Dinamarca e Polônia. Só na Alemanha nasceram cerca de</p><p>12 mil bebês.</p><p>Como os números eram insuficientes para os planos de</p><p>Himmler, a SS sequestrou, em países ocupados, crianças que</p><p>correspondiam às características desejadas. Cerca de duzentos mil</p><p>loiros de olhos azuis foram sequestrados (principalmente na</p><p>Polônia) durante a Segunda Guerra e levados à Alemanha ou a</p><p>novos assentamentos no leste a fim de colaborar com a</p><p>germanização.246 Depois da guerra, vinte mil dessas crianças foram</p><p>recuperadas pelo governo polonês na zona de ocupação soviética</p><p>da Alemanha e seis mil nas zonas de ocupação dos Aliados</p><p>ocidentais.</p><p>Inglesa Peggy Hyland trabalhando em uma fábrica durante a guerra, março de</p><p>1943.</p><p>MULHERES NA GUERRA</p><p>O ideal da mulher alemã como reprodutora começou a declinar</p><p>quando a balança da vitória começou a pender para o outro lado.</p><p>Depois de quatro anos de guerra, novecentas mil mulheres foram</p><p>finalmente recrutadas para as frentes de trabalho. Os Aliados</p><p>levaram menos tempo que os alemães para perceberem a</p><p>importância da mulher no esforço de guerra. Porém, na Inglaterra e</p><p>nos Estados Unidos, a participação delas esteve ligada às atividades</p><p>da retaguarda. Até aquelas que alcançavam postos administrativos</p><p>elevados sofriam com a resistência dos colegas de farda. O</p><p>almirante Nimitz, por exemplo, não aceitava mulheres em sua</p><p>equipe.</p><p>Mesmo enfrentando preconceito, elas atuaram. Pelo menos três</p><p>mil trabalharam como empregadas na codificação ou decodificação</p><p>de mensagens secretas na Grã-Bretanha.247 Em Liverpool havia um</p><p>batalhão feminino, todas especialistas em línguas estrangeiras,</p><p>responsáveis pelas cartas dirigidas a países neutros ou aliados. Elas</p><p>também eram responsáveis pela censura da correspondência dos</p><p>soldados. Em Norfolk, onde havia mais de cem aeródromos da RAF</p><p>e da Força Aérea americana, a base do Comando de Bombardeiros</p><p>contava com cerca de 2.500 funcionários, dentre os quais cerca de</p><p>quatrocentas mulheres. Elas trabalharam ainda como voluntárias</p><p>na Guarda Doméstica. Fora das atividades militares, atuaram nas</p><p>fábricas de uniforme, de armamentos e em estaleiros. Em 1942,</p><p>havia quase sete milhões de mulheres nas frentes de trabalho,</p><p>atendendo ao chamado “Mulheres da Grã-Bretanha, venham para</p><p>as fábricas”.</p><p>Nos Estados Unidos, próximo do fim da guerra, vinte milhões de</p><p>mulheres trabalhavam, um aumento de quase 60% em relação à</p><p>situação anterior ao ataque de Pearl Harbor, em 1941. Todavia,</p><p>recebiam salários consideravelmente menores do que os homens</p><p>(em média vinte dólares a menos, em uma época em que o salário</p><p>do trabalhador norte-americano girava em torno de 55 dólares por</p><p>semana).</p><p>Na Rússia, elas eram chamadas de “combatentes de macacão”,</p><p>devido à roupa de brim utilizada nas fábricas. Klavdiya Leonova,</p><p>que trabalhava em uma fábrica de tecidos em Moscou, disse que</p><p>não havia “vida pessoal fora da fábrica”. Trabalhava-se em turnos</p><p>de doze horas, às vezes mais. “Não morríamos, mas estávamos</p><p>sempre com fome.”248 Depois da invasão alemã, as mulheres</p><p>soviéticas acompanharam as mais de 1.500 fábricas levadas das</p><p>áreas ocidentais da União Soviética para a região dos Urais, a</p><p>milhares de quilômetros de distância da linha de frente.</p><p>Mas não fugiram da guerra. O Exército Vermelho foi o único</p><p>grande exército que utilizou regularmente mulheres na frente de</p><p>batalha, cerca de novecentos mil “soldados de saias”. Pouco mais</p><p>de noventa entraram para o seleto grupo de “Heróis da União</p><p>Soviética”.249 Um oficial da Wehrmacht escreveu sobre elas em</p><p>Stalingrado: “As mulheres russas há muito tempo vêm sendo</p><p>preparadas para tarefas de combate e para ocupar qualquer posto</p><p>de que seria capaz uma mulher.”250 E elas combatiam como</p><p>“feras”, escreveu outro alemão. As tarefas femininas consistiam em</p><p>atuar como enfermeiras de campanha, pilotos na aviação, em</p><p>baterias antiaéreas e como atiradoras de elite. A sniper ucraniana</p><p>Lyudmila Pavlichenko matou 309 alemães. Tinha apenas 25 anos.</p><p>No total, as atiradoras soviéticas foram responsáveis por mais de 11</p><p>mil mortes de oficiais e de soldados nazistas.</p><p>A sniper ucraniana Lyudmila Pavlichenko matou 309 alemães.</p><p>SEX SYMBOL</p><p>Um seleto grupo de mulheres encontrou o glamour na guerra. A</p><p>loura berlinense Marlene Dietrich foi, sem sombra de dúvida, a</p><p>mais célebre das estrelas do cinema americano a atuar como</p><p>produto da propaganda Aliada contra o nazismo. Ela trocou a</p><p>Alemanha por Hollywood em 1933. Seis anos mais tarde, apesar</p><p>dos protestos nazistas, naturalizou-se americana. Contratada pelo</p><p>Exército para “entreter as tropas e lhes manter o moral”,</p><p>desembarcou no Norte da África e apareceu pela primeira vez em</p><p>abril de 1944, na Ópera de Argel. Diante dela, dois mil soldados</p><p>norte-americanos extasiados. O “Anjo Azul”, como Marlene ficou</p><p>conhecida devido ao filme Der Blaue Engel, de 1930, o primeiro</p><p>grande filme do expressionismo alemão, acompanhou os exércitos</p><p>estadunidenses pela Itália, França, Bélgica e também pela</p><p>Alemanha. Depois da guerra, quando um jornalista perguntou se</p><p>entre seus inúmeros casos amorosos esteve o comandante supremo</p><p>das Forças Aliadas na Europa, Dwight Eisenhower, ela respondeu:</p><p>“Como seria possível? Ele nunca estava na frente de batalha!”251</p><p>Como Dietrich renegou a Alemanha e o nazismo, Goebbels, o</p><p>ministro da Propaganda de Hitler, encontrou uma substituta à</p><p>altura: a sueca Zarah Leander. Para o historiador francês Claude</p><p>Quétel, Leander tinha uma voz “profundamente erótica e</p><p>nostálgica”. E ainda que o mago do marketing alemão não gostasse</p><p>das letras de suas músicas, fez da cantora a atriz “sex symbol do</p><p>Terceiro Reich”.252 Hitler era fascinado por Leander, mas não fazia a</p><p>menor ideia de que ela era uma espiã soviética.253 Os soldados</p><p>alemães tinham especial apreço por Ich weiss es wird einmal ein</p><p>Wunder gescheh’n (Sei que um dia um milagre vai acontecer), que</p><p>ia ao ar no programa dominical Wunschkonzert für die Wehrmacht</p><p>(Peça um concerto para a Wehrmacht).254 Com enorme sucesso na</p><p>Alemanha, Leander não aceitou o convite dos estúdios norte-</p><p>americanos por questões óbvias. Permaneceu a serviço do cinema</p><p>nazista até 1943, quando sua mansão em Berlim foi destruída pelos</p><p>bombardeios Aliados e seus serviços já não faziam mais sentido</p><p>para os russos. Com apoio da NKVD, Leander retornou</p><p>definitivamente para a Suécia.</p><p>Os alemães pareciam ter uma queda por estrangeiras, ou pelo</p><p>menos por estrangeiras com sangue alemão. Outra estrela do</p><p>cinema alemão era Olga Knipper, mais conhecida pelo sobrenome</p><p>do ex-marido Mikhail Tchekov, sobrinho do grande escritor russo</p><p>Anton Tchekov. Olga Tchekova, que recebeu, em 1936, o título de</p><p>“Atriz do Estado” do Terceiro Reich, era descrita por Goebbels em</p><p>seu diário quase sempre como “uma mulher encantadora”. Hitler</p><p>também era admirador de seu trabalho, e uma fotografia de Olga ao</p><p>lado do líder nazista, em uma recepção em 1939, sugeriu uma</p><p>proximidade entre a atriz e o Führer que o historiador Antony</p><p>Beevor acha pouco provável. Assim como pouco provável é sua</p><p>atuação como espiã dos soviéticos — ou pelo menos deixava a</p><p>desejar quanto à qualidade de suas informações. Não era nazista,</p><p>tampouco comunista. “Ela provavelmente tinha</p><p>tanta noção do</p><p>paradeiro de Hitler quanto qualquer habitante de Berlim”, escreveu</p><p>Beevor.255 O irmão de Olga Tchekova, Lev Knipper, esteve mais</p><p>inteiramente envolvido em questões de espionagem. Beria, o cruel</p><p>chefe da NKVD, ordenou que o general Pavel Sudoplatov,</p><p>comandante do “Grupo de Missões Especiais”, organizasse uma</p><p>missão em que Knipper e sua mulher assassinassem Hitler quando</p><p>Moscou caísse em mãos alemãs e o Führer entrasse na capital russa.</p><p>Moscou nunca caiu e não há nada que indique o envolvimento de</p><p>Olga.256</p><p>Como parte do trabalho de propaganda, ela também fazia visitas</p><p>à linha de frente, a exemplo de Dietrich entre os Aliados. Foi assim</p><p>que encontrou um de seus amantes, um piloto da Luftwaffe. Ao</p><p>final da guerra, foi presa e interrogada pela NKVD; encerrou a</p><p>carreira como atriz em 1974.</p><p>As estrelas do Terceiro Reich eram conhecidas como os</p><p>“brinquedinhos de Goebbels”, que as selecionava tanto por</p><p>aptidões quando por caprichos pessoais. Os alemães tinham até</p><p>uma piada para o apetite sexual de seu ministro; diziam que ele não</p><p>dormia na própria cama, mas em sua própria e grande “boca”</p><p>(Klappe em alemão serve como gíria tanto para boca quanto para</p><p>claquete). Goebbels era baixinho, coxeava da perna direita (que era</p><p>menor do que a esquerda, motivo pelo qual precisava usar um</p><p>aparelho ortopédico), tinha os pés tortos e ainda por cima não era</p><p>louro. Estava longe de ser o alemão ideal que seu ministério</p><p>pregava no cinema. Apesar de seu apetite sexual, algumas atrizes se</p><p>decepcionaram com sua superioridade racial. A atriz Irene von</p><p>Meyendorff, uma estonteante loura alemã étnica, nascida na</p><p>Estônia, afirmou certa vez que o ministro de Hitler era dono de</p><p>uma “minhoquinha”.257 De qualquer modo, para trabalhar em</p><p>Babelsberg, próximo a Potsdam, a sudoeste de Berlim, onde</p><p>ficavam os estúdios da UFA, a grande produtora de filmes da</p><p>Alemanha nazista, era preciso ceder aos caprichos do ministro da</p><p>Propaganda.</p><p>A família do “Bode de Babelsberg”, outro apelido dado a</p><p>Goebbels, por outro lado, era o ideal alemão a ser seguido. Sua</p><p>mulher Magda Goebbels era considerada a esposa modelo nazista, a</p><p>primeira dama do regime — e não apenas por suas características</p><p>puramente alemãs e grande número de filhos. Magda provou sua</p><p>lealdade a Hitler até os últimos dias do Terceiro Reich, quando</p><p>matou os seis filhos envenenados no bunker antes de ela e o marido</p><p>cometerem suicídio. Magda achava impossível viver em um mundo</p><p>sem Hitler e o nacional-socialismo. Todos os filhos tinham nomes</p><p>iniciados com a letra H, em homenagem a Hitler.</p><p>Se o cinema alemão era dominado por “estrangeiras”, na música</p><p>uma estrela alemã brilhava sobre todas as outras: Lale Andersen.</p><p>Sua versão para “Lili Marleen”, cuja letra original datava da época</p><p>da Primeira Guerra, tornou-se um clássico da guerra em ambos os</p><p>lados. Nem mesmo a versão de Marlene Dietrich a superou.</p><p>As tropas britânicas também tinham sua musa: Vera Lynn, “a</p><p>namorada dos soldados”. Era mais do que um slogan publicitário,</p><p>escreveu um historiador, era “uma realidade da psicologia social”.</p><p>Como cantora contratada pela BBC de Londres, a principal emissora</p><p>de rádio na Europa, Lynn tornou-se uma das vozes femininas mais</p><p>conhecidas do mundo.</p><p>No Japão, a “Rosa de Tóquio” era Iva Toguri, uma americana de</p><p>Los Angeles que emprestou a voz à Rádio Tóquio e à propaganda</p><p>japonesa antiamericana no Pacífico. Na verdade, Toguri era uma</p><p>dentre as quase trinta vozes femininas que atuavam na rádio que</p><p>visava abalar o moral Aliado com frases e perguntas como: “O que</p><p>acham que fazem suas mulheres nos Estados Unidos com os</p><p>conversíveis e os reservistas?”258 Toguri foi presa depois da guerra,</p><p>acusada de traição; foi libertada em 1956.</p><p>PROSTITUIÇÃO, BORDEIS E COLABORAÇÃO HORIZONTAL</p><p>Como não podia ser diferente, o sexo também se transformou em</p><p>moeda de troca e garantia de sobrevivência. A profissão mais antiga</p><p>do mundo entrou na moda. Em junho de 1940, pouco depois da</p><p>ocupação de Paris, Himmler requisitou quarenta bordeis para o uso</p><p>das tropas alemãs. Os mais chiques, o Le Chabanais e o One-Two-</p><p>Two, serviam aos oficiais. Quase três mil prostitutas tinham as</p><p>carteiras de inspeção exigidas pelas SS de Himmler e mais de 1.800</p><p>delas trabalham em casa atendendo até quarenta clientes por dia.</p><p>Os prostíbulos de luxo, enumerados em guias escritos em alemão,</p><p>passaram a funcionar a pleno vapor, satisfazendo a ideologia</p><p>higienista dos nazistas.</p><p>Calcula-se que, durante a ocupação alemã, cem mil mulheres</p><p>francesas se tornaram prostitutas ocasionais para servir à clientela</p><p>nazista (o que ficou conhecido como “colaboração horizontal”).</p><p>Nesse período, nasceram duzentos mil bastardos. Um oficial</p><p>alemão declarou a um magistrado francês: “Suas mulheres, até</p><p>seus filhos, seu país não é mais seu!” Um francês denunciou o</p><p>outro porque “a filha é a prostituta dos boches”.259 Muitas se</p><p>especializaram em atender o alto escalão nazista, como Florence</p><p>Gould. Casada com o milionário Frank Jay Gould, ela promovia</p><p>encontros no Hotel Bristol, nas chamadas “quintas-feiras de</p><p>Florence”. A atriz Arletty, presa por colaboracionismo, mas solta</p><p>para as gravações de um filme, teria dito: “Meu coração é francês,</p><p>mas meu traseiro é internacional.”</p><p>Os nazistas tinham tamanha preocupação com sexo que até para</p><p>os prisioneiros de campos de concentração havia bordéis. O</p><p>historiador alemão Robert Sommer identificou 210 mulheres que</p><p>foram obrigadas a trabalhar como prostitutas em dez campos. A</p><p>maioria delas era nascida na Alemanha e estava presa como</p><p>“antissocial”, mas havia ucranianas, polonesas e bielorrussas.</p><p>Himmler acreditava que os prisioneiros alemães trabalhariam</p><p>melhor se praticassem sexo com frequência. (O sexo, obviamente,</p><p>era proibido para judeus e prisioneiros soviéticos.) As mulheres</p><p>atendiam por duas horas e cada prisioneiro tinha apenas 15</p><p>minutos.260</p><p>Na Ásia, somente com a ocupação de Nanquim, os japoneses</p><p>recrutaram mais de cinco mil chinesas como “mulheres de</p><p>conforto”, ou “mulheres de alívio”. Não há números exatos, mas</p><p>estima-se que duzentas mil mulheres chinesas, coreanas, filipinas,</p><p>malaias e de outros países ocupados tenham servido como escravas</p><p>sexuais durante a guerra. Os japoneses também se preocuparam</p><p>com o sexo em casa. Em 1945, quando os americanos ocuparam o</p><p>país, o governo do Japão criou “Instalações para Recreação” na</p><p>esperança de satisfazer o ímpeto sexual dos vencedores e livrar as</p><p>moças de boa família, o que resultou em 13 mil bebês mestiços</p><p>apenas em Kansai e outras três mil mulheres japonesas com filhos</p><p>negros em Yokohama.261</p><p>Até em países que não sofreram ocupação militar a prostituição</p><p>se proliferou. Em 1943, os Aliados reuniram na Grã-Bretanha uma</p><p>enorme quantidade de material bélico e tropas destinadas à grande</p><p>invasão do continente Europeu no ano seguinte. Aproveitando o</p><p>momento favorável, um grupo igualmente grande — e não militar</p><p>— passou a se reunir em torno de Piccadilly, no centro de Londres.</p><p>“As combatentes de Piccadilly”, as prostitutas inglesas, eram tantas</p><p>e tão persuasivas com os jovens recém-chegados que o episódio</p><p>quase gerou uma crise diplomática entre os governos Aliados. Mas</p><p>os GIs, como eram chamados os soldados americanos, eram jovens,</p><p>estavam longe de casa e ansiosos para “se darem bem”. As inglesas</p><p>não perdoaram: “Muito dinheiro, muito sexo, muito tempo por</p><p>aqui.”262</p><p>Após a guerra, pela Europa inteira e também no Japão, mulheres</p><p>que haviam dormido com alemães e japoneses tiveram seus cabelos</p><p>cortados, os corpos pintados com piche e muitas foram espancadas</p><p>até a morte. Aquelas que haviam colaborado, na maioria das vezes</p><p>forçadas ou na esperança de se manterem vivas, foram</p><p>marginalizadas e excluídas da sociedade pós-guerra. Eram</p><p>culpadas de “indignidade nacional”, tornaram-se indesejáveis.263</p><p>Na França libertada, em agosto de 1944, cerca de vinte mil jovens</p><p>foram humilhadas, apedrejadas, cuspidas e tiveram as cabeças</p><p>raspadas em praça pública. Na China e na Coreia, um número</p><p>grande cometeu suicídio por causa das humilhações e pela</p><p>incapacidade de serem aceitas novamente</p><p>em um lar.</p><p>Na Alemanha, Ursula von Kardorff escreveu que, mesmo depois</p><p>que todos os horrores tivessem passado, quando os homens</p><p>voltassem dos campos de prisioneiros, eram elas, as mulheres, que</p><p>teriam a tarefa mais dura da guerra, “dar compreensão e conforto,</p><p>apoio e coragem a tantos homens completamente derrotados e</p><p>desesperados”.264</p><p>OS DIÁRIOS DE ANNE FRANK</p><p>O livro best-seller do Holocausto e provavelmente da guerra foi</p><p>escrito por Anne Frank, uma menina que viveu escondida com a</p><p>família em um sótão em Amsterdã, na Holanda, durante dois anos.</p><p>Anne escreveu seu famoso diário de 12 de junho de 1942 até 1º de</p><p>agosto de 1944, três dias antes de ser presa junto com familiares e</p><p>outros ocupantes do “anexo secreto” onde viviam, na</p><p>Prinsengracht, 263. Judeus-alemães de Frankfurt, a família Frank</p><p>havia deixado a Alemanha em 1933 na esperança de fugir do</p><p>nazismo.</p><p>Anne esperava transformar seus escritos em livro depois que a</p><p>guerra terminasse, por isso, manteve um diário original, sem</p><p>cortes, e outro em que melhorava e corrigia algumas passagens.</p><p>Como apenas seu pai sobreviveu à guerra, foi ele quem publicou a</p><p>primeira versão do diário, em 1947. Mas nessa primeira edição, a</p><p>que tornou o diário de Anne Frank um best-seller internacional,</p><p>muitas passagens da versão original foram omitidas por Otto Frank.</p><p>Principalmente aquelas partes em que Anne escrevia sobre suas</p><p>descobertas sobre sexo ou a própria sexualidade, sobre os conflitos</p><p>com a mãe e opiniões depreciativas sobre outros membros do</p><p>esconderijo. Há, então, três versões diferentes do diário, sendo que</p><p>a publicada teve diversos cortes.265</p><p>Quando Otto morreu, em 1980, os manuscritos foram parar no</p><p>Instituto Estadual Holandês para Documentação de Guerra e, como</p><p>na época se questionava a autenticidade dos originais, eles foram</p><p>alvo de análise detalhada. Em 1986, foi publicada a primeira</p><p>“versão crítica” e científica que atestou que eles eram mesmo</p><p>autênticos. Quatro anos depois, um tribunal de Hamburgo, na</p><p>Alemanha, confirmou e legitimou o diário como sendo um</p><p>documento original. Mas não diminuiu as críticas sobre as edições</p><p>realizadas pelo pai e as dúvidas sobre a sexualidade da</p><p>adolescente.266 O judeu-austríaco Ditlieb Felderer, por exemplo,</p><p>em seu livro Anne Frank’s Diary, A Hoax (Os diários de Anne</p><p>Frank, um embuste), chamou o diário de “a primeira obra</p><p>pornográfica pedófila a ser publicada após a Segunda Guerra” e</p><p>sugeriu que muitas “partes sexuais” e “pedacinhos sujos” foram</p><p>criados por Otto Frank, em uma “prostituição literária” da</p><p>narrativa da filha, com a intenção clara de vender a obra.267</p><p>Felderer levantou até mesmo a ideia de “complexo anal” da</p><p>adolescente, que narrou os problemas de flatulência em um sótão</p><p>sem ventilação.</p><p>Além de falar sobre menstruação, contatos físicos, beijos e sexo,</p><p>tabus para adolescentes na década de 1940, em pelo menos uma</p><p>passagem Anne relata uma “fantasia lésbica”. Em 6 de janeiro de</p><p>1944, então com 15 anos, ela escreveu:</p><p>Uma vez, quando estava passando a noite na casa de Jacque,</p><p>não pude conter minha curiosidade sobre seu corpo, que ela</p><p>sempre havia escondido de mim e que eu nunca tinha visto.</p><p>Perguntei se, como prova de nossa amizade, poderíamos tocar</p><p>os seios uma da outra. Jacque recusou. Também tive um desejo</p><p>terrível de beijá-la, e beijei. Sempre que vejo uma mulher nua,</p><p>como a Vênus em meu livro de história da arte, entro em</p><p>êxtase. Às vezes acho que elas são tão maravilhosas que tenho</p><p>que lutar para conter as lágrimas. Se ao menos eu tivesse uma</p><p>amiga.268</p><p>A versão inglesa é mais reveladora, já que a palavra final do trecho</p><p>do diário é “girlfriend”, namorada, e não amiga, como apareceu na</p><p>versão em português. Como Anne Frank também relata um</p><p>envolvimento com Peter van Pels, um dos oito membros do sótão</p><p>onde a família se escondia dos nazistas, depois que a versão sem</p><p>cortes apareceu surgiram teorias sobre a sexualidade da autora, e o</p><p>nome dela acabou entrando até mesmo em uma lista de</p><p>“homossexuais e bissexuais famosos ao longo da história”</p><p>elaborada pelo psicólogo Claudio Picazio.269</p><p>Quanto à relação com a mãe, não restam dúvidas, há várias</p><p>passagens reveladoras na versão sem cortes. Ela declarou, em 3 de</p><p>outubro de 1942: “Simplesmente não suporto mamãe.” Em outro</p><p>trecho, ela escreve, referindo-se a Sra. Frank, que “amar essa</p><p>pessoa insensível, essa criatura debochada, está se tornando mais e</p><p>mais impossível a cada dia”.270</p><p>Para a pesquisadora norte-americana Pascale Bos, os cortes</p><p>realizados pelo pai de Anne Frank e o editor original de 1947</p><p>subestimaram “os aspectos mais complexos de sua personalidade e</p><p>origem judaica — facilitando, por sua vez, a transformação dela em</p><p>uma figura idealizada e universal de martírio”.271</p><p>Anne Frank e a família foram deportadas para Auschwitz em</p><p>setembro de 1944. A mãe morreu ali, de fome e exaustão. Anne e a</p><p>irmã Margot foram enviadas para o campo de Bergen-Belsen,</p><p>próximo a Hannover, e lá morreram de tifo, provavelmente em</p><p>fevereiro de 1945. Otto Frank sobreviveu a Auschwitz.</p><p>A</p><p>10. RESISTÊNCIAS</p><p>Nem todos os alemães eram nazistas. O movimento estudantil</p><p>Rosa Branca lutou contra o nacional-socialismo, assim como o</p><p>pastor luterano Dietrich Bonhoe�er, muitos líderes católicos e até</p><p>mesmo oficiais do Exército. Os judeus também não foram</p><p>perseguidos passivamente; escritores, políticos e engenheiros de</p><p>origem judaica ajudaram a derrotar o nazismo. A vitória sobre</p><p>Hitler custou a vida de 14% da população soviética.</p><p>resistência francesa, um dos símbolos da luta por liberdade em</p><p>uma Europa ocupada pelos exércitos de Hitler, é uma construção</p><p>do general e depois primeiro-ministro e presidente francês, Charles</p><p>de Gaulle, com base no mito de que o país jamais aceitara a derrota</p><p>em 1940. A resistência teve um significado militar praticamente</p><p>nulo. Sua maior contribuição foi política e moral. “A Resistência foi</p><p>um blefe que deu certo”, definiu De Gaulle.272</p><p>Os grupos de resistência franceses (o maquis) só passaram a ter</p><p>alguma importância do ponto de vista militar depois de 1943 e</p><p>essencialmente apenas em 1944, às vésperas do Dia D. A atividade</p><p>partisan na França alcançou números consideráveis apenas quando</p><p>os nazistas passaram a exigir mais trabalhadores “voluntários” para</p><p>as fábricas alemãs, o que levou dezenas de milhares de jovens</p><p>franceses a fugir para as montanhas. Só então a resistência tornou-</p><p>se um “movimento de massas”273 e suas ações de sabotagem</p><p>durante o desembarque na Normandia levaram o general</p><p>Eisenhower a revelar na ocasião que “em nenhuma guerra anterior,</p><p>e em nenhum outro teatro desta guerra, as forças de resistência</p><p>foram tão intensamente aproveitadas para o esforço militar</p><p>principal”.274</p><p>Na Itália, a resistência surgiu somente após a queda de</p><p>Mussolini, quando o país foi formalmente ocupado pela Alemanha,</p><p>que passou a ser inimiga dos italianos. Entre 1943 e 1945, cerca de</p><p>250 mil combatentes partigiani lutaram na retaguarda das linhas</p><p>alemãs, dos quais 45 mil perderam a vida. (Por outro lado, em</p><p>1944, 110 mil italianos ainda lutavam do lado alemão, no Exército e</p><p>na Luftwaffe; e cerca de sete mil na SS.)275</p><p>Membros do maquis, a resistência francesa.</p><p>A resistência na Tchecoslováquia, o primeiro país a ser ocupado</p><p>pelos alemães, foi duramente reprimida pelos nazistas. A ÚVOD</p><p>(Ústrední vedení odboje domácího — Comando Central da</p><p>Resistência Interna) e os grupos comunistas atuaram na sabotagem</p><p>contra depósitos de petróleo, fábricas de armas e ferrovias com</p><p>eficiência até a chegada de Reinhard Heydrich a Praga, em 1941. O</p><p>criador da Solução Final deu início a uma série de atividades</p><p>repressivas que visava eliminar a presença de judeus e da cultura</p><p>tcheca no Protetorado da Boêmia e Morávia (o nome dado ao antigo</p><p>território da Tchecoslováquia incorporado à Alemanha).</p><p>O líder tcheco no exílio, Edvard Beneš, acreditava que a falta de</p><p>oposição à ocupação alemã poderia minar o futuro do país no pós-</p><p>guerra. Considerado pelo SOE como o homem mais perigoso da</p><p>Europa depois de Hitler, Heydrich era o alvo ideal para um</p><p>atentado da resistência:</p><p>eliminaria uma importante personalidade</p><p>nazista e faria com que as represálias do Alto-Comando alemão</p><p>sublevassem a população tcheca. A Operação Antropoide foi</p><p>planejada e posta em andamento, mas só cumpriu parte de seu</p><p>objetivo. Em 27 de maio de 1942, Jan Kubiš e Josef Gabcík,</p><p>membros da Brigada Tcheca, o braço militar do governo de Beneš</p><p>no exílio, atiraram bombas no carro de Heydrich, um Mercedes</p><p>conversível não blindado, enquanto ele se dirigia para seu</p><p>escritório na capital. O carrasco de Hitler morreu de septicemia no</p><p>hospital de Praga dias depois. Em represália, a SS assassinou toda a</p><p>população da aldeia de Lídice, cerca de quinhentas pessoas. Na</p><p>sequência, pelo menos quatro mil tchecos foram presos; mais de</p><p>1.300 foram condenados à morte, a resistência tcheca foi</p><p>duramente sufocada e a população não se mostrou receptiva à ideia</p><p>de pagar com a morte qualquer atividade de sabotagem contra o</p><p>invasor. A ideia do SOE e de Beneš mostrou-se um erro grave.276</p><p>Alguns grupos da resistência ao nazismo tiveram mais sucesso.</p><p>Quando a Alemanha invadiu a neutra Noruega, além do porto de</p><p>Narvik, por onde escoava o minério de ferro sueco, vital para a</p><p>máquina de guerra alemã, outro bem norueguês mais importante</p><p>caiu em mãos nazistas: Norsk Hydro, próximo a Vemork, a usina</p><p>eletroquímica mais importante do mundo no gênero.277 Ela</p><p>produzia óxido de deutério, a “água pesada”, com o qual os</p><p>alemães esperavam produzir a bomba atômica. Depois da invasão,</p><p>a usina aumentou sua produção anual de 1.500 para cinco mil</p><p>quilos.</p><p>Para impedir que os cientistas na Alemanha pudessem fabricar a</p><p>bomba, no começo de 1942 o SOE enviou o agente norueguês Einar</p><p>Skinnarland para verificar a possibilidade de destruir o local. Einar</p><p>recrutou quatro homens da resistência de seu país, encontrou</p><p>trabalho na usina e repassou informações a Londres. Em</p><p>novembro, a RAF tentou destruir Norsk Hydro com um ataque</p><p>aéreo, mas os dois bombardeiros Halifax enviados para a área foram</p><p>abatidos. Decidiu-se por um arriscado ataque terrestre, a Operação</p><p>Gunnerside. Mais seis noruegueses se juntaram ao grupo e, em</p><p>fevereiro de 1943, um ataque com bombas bem-sucedido destruiu</p><p>quinhentos quilos de água pesada e parte das instalações. Em</p><p>novembro, um ataque aéreo norte-americano danificou apenas</p><p>parcialmente a usina e ela continuou operando. Em 1944, um ano</p><p>depois da primeira ação da Gunnerside, Einar Skinnarland e a</p><p>resistência destruíram o último carregamento de água pesada para</p><p>a Alemanha colocando bombas-relógio na balsa que fazia o</p><p>transporte pelo lago Tinnsjå.</p><p>Nos Bálcãs, a situação era extremamente complexa. Havia vários</p><p>grupos rivais que disputavam atenção tanto de nazistas quanto dos</p><p>Aliados. Churchill apoiava firmemente o rei Jorge II da Grécia e</p><p>desejava manter a influência britânica na região. Mas os</p><p>monarquistas deram apoio a Hitler, restando aos ingleses dar</p><p>suporte à resistência comunista do movimento guerrilheiro grego</p><p>EAM-ELAS, e não à Liga Nacional Republicana Grega, liderada por</p><p>Napoleon Zervas.</p><p>O mesmo ocorreu na Iugoslávia, onde o líder comunista Tito foi</p><p>preferido em detrimento do vacilante Draža Mihailovic, que</p><p>liderava os guerrilheiros Chetniks. Josip Broz, o nome verdadeiro</p><p>de Tito, havia lutado na Guerra Civil Espanhola e organizado o</p><p>Partido Comunista Iugoslavo. Ele defendia que os comunistas</p><p>espalhados pelo globo deviam socorrer a União Soviética do ataque</p><p>alemão. Mas Stálin deu pouca ajuda a Tito, o mesmo que fez com</p><p>Mao Tsé-tung na China. Sem o apoio dos comunistas russos, Mao</p><p>fez um acordo secreto com os invasores japoneses no comércio do</p><p>ópio e deixou todo o trabalho pesado para os nacionalistas de</p><p>Chiang Kai-shek. Não foi por menos que, enquanto as baixas de</p><p>Mao atingiram 580 mil mortos, as de Chiang chegaram a 3,2</p><p>milhões.278 Mesmo quando Tito e Mao triunfaram, Stálin nunca se</p><p>harmonizou com os comunistas iugoslavos e chineses.</p><p>RESISTÊNCIA JUDAICA</p><p>Uma das ideias mais recorrentes sobre o Holocausto é quanto à</p><p>passividade dos judeus diante da barbárie nazista. De fato, as</p><p>comunidades tradicionais judaicas pouco fizeram. A resistência</p><p>coube a jornalistas, escritores, políticos e engenheiros judeus que,</p><p>individualmente ou em pequenos grupos, ajudaram de alguma</p><p>forma a derrotar o nazismo. A lista não é pequena.</p><p>No decorrer da Segunda Guerra, aproximadamente 130</p><p>regimentos soviéticos eram comandados por judeus; nove generais</p><p>judeus comandaram exércitos, 12 comandaram corpos de exército,</p><p>23 foram chefes do Estado-Maior de grupos de exército e 34</p><p>comandaram divisões do Exército Vermelho.279 Entre os vários</p><p>projetistas do tanque russo T-34, o mais poderoso carro blindado da</p><p>guerra, estavam diversos judeus, incluindo o engenheiro-chefe</p><p>Isaac Zalzman. Na Aeronáutica da URSS, Semyon Lavochkin foi o</p><p>projetista do La-5 e diversos engenheiros judeus ajudaram no</p><p>projeto do Il-2.280 O La-5 e o Il-2 foram os principais aviões de</p><p>combate russos depois de 1942, quando a maré da guerra trocou de</p><p>lado. Engenheiros judeus foram os responsáveis também pelo</p><p>desenvolvimento do Katyusha, o temível lançador de foguetes</p><p>conhecido por “órgão de Stálin”.</p><p>Além dos comandantes e engenheiros militares, os principais</p><p>articulistas da imprensa soviética eram escritores judeus, como Ilya</p><p>Ehrenburg, o mais famoso colunista do Krasnaya Zvezda, o jornal</p><p>do Exército Vermelho. Os artigos de Ehrenburg para o jornal</p><p>ficaram conhecidos pela ferocidade com que estimulavam a luta</p><p>contra os alemães. Em 1942, ele escreve aos soldados: “Não contem</p><p>os dias, contem os quilômetros. Contem apenas o número de</p><p>alemães que mataram. Matem alemães — está é a oração de sua</p><p>mãe. Matem os alemães — este é o grito de sua terra russa. Não</p><p>hesitem. Não desistam. Matem.” Quando os russos chegaram à</p><p>Alemanha, que ele chamava de “Bruxa Loura”, Ehrenburg exultou:</p><p>“Soldado do Exército Vermelho: estás agora em território alemão. A</p><p>hora da vingança chegou!”281</p><p>No outro lado do Atlântico, segundo um estudo do doutor e</p><p>professor norte-americano Benjamin Ginsberg, em seu livro Judeus</p><p>contra Hitler, 15% dos cargos de alto nível nomeados por Roosevelt</p><p>eram ocupados por judeus (em uma época em que os judeus mal</p><p>passavam de 3% da população dos Estados Unidos). O New Deal de</p><p>Roosevelt foi chamado por muitos de “Jew Deal”, o Acordo</p><p>Judeu.282 E na verdade o termo foi mesmo cunhado por um dos</p><p>assistentes judeus do presidente, Samuel Rosemann. Também eram</p><p>judeus Henry Morgenthau, nomeado para secretário de Tesouro, e</p><p>Felix Frankfurter, nomeado para a Suprema Corte.</p><p>Robert Oppenheimer, diretor do Projeto Manhattan, o projeto</p><p>norte-americano que resultou nas bombas atômicas de Hiroshima e</p><p>Nagasaki, era filho de imigrantes judeu-alemães. Assim como eram</p><p>judeus os cientistas autores da carta que deu ao presidente</p><p>Roosevelt informações sobre a possibilidade de os nazistas</p><p>produzirem a bomba: Albert Einstein, Leo Szilard, Hans Bethe,</p><p>John von Neumann e Enrico Fermi (cuja esposa era judia) estavam</p><p>entre eles.</p><p>Pelo lado britânico, os judeus foram ativos nos serviços de</p><p>inteligência. Pelo menos 150 deles trabalharam em Bletchley Park,</p><p>onde os ingleses atuavam principalmente na quebra do código</p><p>secreto da Enigma. O SOE contou com mais de mil espiões judeus</p><p>que atuaram na Europa, dos quais 662 não eram britânicos. Pouco</p><p>mais de cem deles eram judeus voluntários que atuavam na Haganá</p><p>e no Palmach, grupos paramilitares com origem na Palestina que se</p><p>alistavam no exército inglês para lutarem na Europa. Em 1942, mais</p><p>de 240 voluntários do Palmach entraram para o SOE e mais de</p><p>trinta deles foram lançados de paraquedas em missões especiais na</p><p>Romênia, na Hungria, na Eslováquia, na Iugoslávia, na Itália e na</p><p>Bulgária.283 Outro grupo de judeus criou o SIG, Grupo Especial de</p><p>Inteligência, para atacar o Afrika Korps alemão no Norte da África.</p><p>Os judeus compunham ainda cerca de 25% da resistência</p><p>francesa. Grupos judeus atuaram ainda na Bélgica, na Grécia e na</p><p>Polônia. Na URSS, onde a resistência eliminou entre 35 e cinquenta</p><p>mil soldados alemães, os judeus formaram inúmeros grupos</p><p>partisans. Um deles,</p><p>o grupo “Vingador”, do gueto de Vilna,</p><p>liderado por Abba Kovner, sabotou cinco pontes, destruiu sete</p><p>locomotivas, 33 vagões de estradas de ferro, 315 postes de telefonia</p><p>e desmantelou 302 quilômetros de trilhos de trem.284</p><p>O DIA D NÃO ACONTECEU NA NORMANDIA</p><p>Nenhum país resistiu ou sofreu os horrores da invasão alemã mais</p><p>que a União Soviética de Stálin. A resistência dos russos e dos povos</p><p>que compunham a União Soviética foi a mais significativa e tinha</p><p>uma razão forte para isso: no Leste a guerra foi de extermínio.</p><p>Enquanto a Operação Barbarossa era preparada, em março de 1941,</p><p>Hitler falou ao Alto-Comando da Wehrmacht que a campanha na</p><p>Rússia seria um confronto entre duas ideologias, uma “guerra de</p><p>aniquilação” sem precedentes em que as regras normais não</p><p>poderiam ser aplicadas. Nas “Diretrizes para a Conduta das Tropas</p><p>na Rússia”, o bolchevismo era descrito como “o inimigo mortal do</p><p>povo nacional-socialista alemão” que, portanto, deveria adotar</p><p>“medidas cruéis e enérgicas contra os agitadores bolcheviques, os</p><p>irregulares, os sabotadores e os judeus, e a erradicação total de</p><p>qualquer resistência ativa ou passiva”.285</p><p>Tão logo a Wehrmacht deu início à invasão, em 22 de junho de</p><p>1941, as tropas da SS de Himmler acionaram os programas de</p><p>execução da “intelligentsia judaico bolchevique” no território</p><p>soviético ocupado, criando os Einsatzgruppen, “Grupos de</p><p>Operações Especiais”. Embora nem todos os oficiais fossem</p><p>nazistas e estivessem sob o código de ética militar, as tropas da</p><p>Wehrmacht também tinham ordens expressas para eliminar todos</p><p>os membros do partido comunista ou civis capturados com armas,</p><p>sem qualquer julgamento. Como informou o general Erich Hoepner</p><p>antes da invasão: “O objetivo desta batalha deve ser a destruição da</p><p>Rússia de hoje, e isso, portanto, deve ser conduzido com um rigor</p><p>sem precedentes”; seus soldados deviam lutar, seguiu ele, com</p><p>“uma vontade férrea de exterminar o inimigo total e</p><p>impiedosamente.”286</p><p>Os alemães chegaram às portas de Moscou, como Napoleão</p><p>fizera em 1812, mas, tal como o imperador francês, não</p><p>conseguiram derrotar a resistência do povo russo, surpreendendo</p><p>tanto Hitler quanto o próprio Stálin. O que se viu foram quase três</p><p>anos de violentos combates, assassinatos, sabotagens e ausência de</p><p>qualquer senso de humanidade. Dessa forma, as batalhas no Front</p><p>Oriental foram mais decisivas que o desembarque na Normandia.</p><p>Quando os Aliados desembarcaram na França em 1944, o Exército</p><p>Vermelho já havia dobrado a Wehrmacht em batalhas sangrentas</p><p>como Stalingrado (1942-43) e Kursk (1943): o número de</p><p>combatentes foi superior a quatro milhões. A derrota em</p><p>Stalingrado foi tão significativa que os alemães jamais conseguiram</p><p>retomar a iniciativa de grandes ofensivas. E Kursk, a maior batalha</p><p>de blindados da história — com cerca de oito mil tanques —,</p><p>destruiu qualquer esperança alemã de vitória. Apenas em</p><p>Stalingrado, os alemães perderam mais de 250 mil soldados e os</p><p>soviéticos mais de quatrocentos mil.287 A tão glorificada batalha do</p><p>Dia D teve números infinitamente menores: dos 175 mil</p><p>desembarcados, somente 4.900 soldados Aliados morreram no dia</p><p>6 de junho de 1944.288</p><p>Quando a guerra entre Hitler e Stálin terminou nas ruínas de</p><p>Berlim, em 1945, cerca de 4,7 milhões de soldados alemães haviam</p><p>morrido em batalhas contra o Exército Vermelho e outros 475 mil</p><p>ainda morreriam no cativeiro. Nada menos do que 90% dos</p><p>soldados alemães mortos na Segunda Guerra haviam tombado em</p><p>combate contra os russos.289 Mas a União Soviética pagou um preço</p><p>alto pela vitória. As estimativas mais confiáveis apontam que 27</p><p>milhões de pessoas morreram durante o conflito, dos quais 18</p><p>milhões eram civis (cerca de 14% de sua população total; apenas a</p><p>Polônia perdeu mais, 20%). As baixas de França, Grã-Bretanha e</p><p>Estados Unidos somadas não alcançam 1,5 milhão de vidas. Os</p><p>norte-americanos perderam menos de 0,4% de sua população. O</p><p>prejuízo material na União Soviética também foi gigantesco: 1.710</p><p>cidades e setenta mil vilas foram total ou parcialmente destruídas;</p><p>quarenta mil hospitais, 84 mil escolas e 43 mil bibliotecas tiveram o</p><p>mesmo fim.290 Não foi por menos que Stálin deu liberdade ao</p><p>colunista Ehrenburg para exortar a vingança contra os alemães, as</p><p>“bestas fascistas”.</p><p>ROSA BRANCA</p><p>Populações de países ocupados, judeus e demais perseguidos</p><p>tinham muitos motivos para demonstrar ou articular grupos de</p><p>resistência. Mas e os alemães? A crença popular de que não houve</p><p>resistência ou descontentes com o nacional-socialismo e sua</p><p>ideologia racista, preconceituosa e destrutiva dentro da Alemanha</p><p>é uma das grandes injustiças que se comete para com os alemães.</p><p>Nomes como o do teólogo e pastor luterano Dietrich Bonhoeffer ou</p><p>dos cardeais católicos Clemens von Galen e Michael von Faulhaber,</p><p>ativistas corajosos, seja em seus sermões ou em seus escritos,</p><p>merecem ser lembrados. Von Faulhaber pregava abertamente</p><p>contra Hitler, mas sua importância na hierarquia da Igreja Católica</p><p>o protegeu da morte. O que não aconteceu com Bonhoeffer, que</p><p>acabou enforcado, nu e com as mãos amarradas no campo de</p><p>concentração de Flossenbürg, a poucos dias do fim da guerra.</p><p>O movimento antinazismo mais marcante nascido no seio da</p><p>sociedade civil alemã, no entanto, foi o Weisse Rose, Rosa Branca,</p><p>que surgiu na juventude universitária sob a liderança dos irmãos</p><p>Scholl.</p><p>Hans e Sophie Scholl nasceram em Forchtenberg, Württemberg,</p><p>onde o pai era prefeito. Mais tarde a família se mudou para Ulm,</p><p>onde os irmãos entraram na Juventude Hitlerista e na Liga das</p><p>Jovens Alemãs. Em 1937, Hans foi acusado de “atos homossexuais”</p><p>com um colega da JH, mas o juiz em Stuttgart o perdoou por</p><p>considerar o caso uma “falha juvenil”.291 Livre da punição, Hans</p><p>começou seus estudos de medicina na Universidade de Munique,</p><p>em 1941, onde conheceu o mentor intelectual do movimento, o</p><p>professor de Filosofia, Kurt Huber. Sophie matriculou-se como</p><p>estudante de biologia e filosofia no ano seguinte.</p><p>No verão de 1942, surgiram os primeiros panfletos, escritos por</p><p>Hans Scholl e por outro integrante do grupo, Alexander Schmorell.</p><p>Os manifestos foram distribuídos entre 27 de junho e 12 de julho de</p><p>1942 e ainda usavam trechos apocalípticos da Bíblia e parte dos</p><p>sermões do cardeal von Galen. A ação manteve-se restrita aos</p><p>círculos da universidade bávara e não há indicações de que Sophie</p><p>tenha participado dessas primeiras edições.</p><p>Os irmãos Hans e Sophie Scholl, líderes do movimento Rosa Branca, em fotos de</p><p>1940.</p><p>Após um período de serviço militar no Front Oriental, Hans</p><p>voltou a Munique e, com a ajuda da irmã, de Schmorell e do doutor</p><p>Huber, escreveu, com estilo completamente diferente, o que</p><p>seriam os dois últimos manifestos. Em linguagem mais crítica ao</p><p>regime, apresentavam planos concretos para a Alemanha pós-</p><p>guerra, pregavam a não violência e pediam resistência e sabotagem</p><p>passiva nas fábricas de armamentos. Também denunciavam o</p><p>extermínio dos judeus, que acreditavam ser “o crime mais terrível</p><p>contra a dignidade humana, um crime não comparado a qualquer</p><p>outro na história da humanidade”.292 O grupo ainda organizou uma</p><p>manifestação estudantil contra o regime nas ruas de Munique, a</p><p>única ocorrência do tipo durante todo o Terceiro Reich.</p><p>Com a intenção de levar o ideal do movimento para todos os</p><p>alemães, o Rosa Branca conseguiu comprar dez mil folhas para a</p><p>impressão do panfleto, o que permitiu enviar exemplares para</p><p>Viena, Salzburg, Linz, Augsburg, Stuttgart, Saarbrücken e</p><p>Frankfurt.293 Pelo menos seis mil foram impressos no começo de</p><p>1943. Em 28 de janeiro, dois mil foram distribuídos pelas ruas de</p><p>Munique, em cabines telefônicas e carros estacionados. Entre 6 e 15</p><p>de fevereiro, nova ação espalhou mais três mil panfletos. Em 18 de</p><p>fevereiro, os irmãos Scholl foram presos pela Gestapo quando</p><p>distribuíam 1.500 panfletos na Universidade de Munique. Willi Graf</p><p>foi preso no mesmo dia. Christoph Probst foi preso um dia depois,</p><p>em Innsbrück (ele tinha um rascunho de Hans para um novo</p><p>panfleto guardado no bolso).</p><p>No dia 22 de fevereiro de 1943, depois de três</p><p>ser uma barreira protetora contra um inimigo</p><p>considerado muito mais perigoso: o comunismo de Stálin.9 Pela</p><p>França, Édouard Daladier endossou o acordo. Apostaram em um</p><p>louco tirano para barrar a ascensão de outro.</p><p>Certo de sua genialidade diplomática e da debilidade das</p><p>democracias ocidentais, Hitler não via mais limites para suas</p><p>ambições. Nem a casta de militares e políticos alemães que se</p><p>opusera à sua política expansionista (e até mesmo projetara um</p><p>golpe) podia reclamar. “Capitulação total”, escreveu Carl</p><p>Goerdeler, prefeito de Leipzig e membro da resistência alemã.10</p><p>Hitler estava destruindo todas as cláusulas impostas aos alemães</p><p>em Versalhes sem disparar um tiro sequer. Churchill recordou mais</p><p>tarde em suas memórias: “Foi assim que Hitler se tornou o senhor</p><p>inconteste da Alemanha, abrindo caminho para o grande</p><p>projeto.”11 O líder britânico foi um dos poucos a se levantarem</p><p>contra o acordo assinado por Chamberlain. “Sofremos uma derrota</p><p>completa e absoluta”, disse ele. Churchill estava certo, mas na</p><p>época poucos tiveram essa opinião.</p><p>Com o consentimento do presidente tcheco Emil Hácha, em</p><p>março de 1939, o exército de Hitler invadiu o que sobrara da</p><p>Tchecoslováquia, que foi incorporada à Alemanha com o nome</p><p>“Protetorado da Boêmia e Morávia”. Algumas regiões tchecas</p><p>foram entregues à Hungria e à Polônia. A Eslováquia passou a ser</p><p>governada por uma marionete alemã.12</p><p>A exigência alemã seguinte foi a anexação de Dantzig e do</p><p>corredor polonês, que também fora retirado da Alemanha em 1919.</p><p>Hitler não iria parar. Mas nunca imaginou que França e Inglaterra</p><p>realmente entrariam em uma nova guerra por causa de uma</p><p>minúscula fração de terra habitada por alemães encravada em</p><p>território polonês. Como um apostador, uma vez mais ele jogou</p><p>com a sorte. Antes, no entanto, assinou um tratado de não agressão</p><p>com Stálin. O Pacto Molotov-Ribbentrop ou Nazi-Soviético chocou</p><p>o mundo: nele, os dois ditadores acordaram um período de paz de</p><p>cinco anos. Hitler estava livre para uma guerra contra o Ocidente.</p><p>Stálin e Joachim von Ribbentrop depois da assinatura do Pacto Nazi-Soviético,</p><p>em agosto de 1939. Alemanha e URSS acordaram repartir a Polônia.</p><p>A DIVISÃO DA POLÔNIA (1939)</p><p>Quando a Alemanha invadiu a Polônia em 1º de setembro de 1939,</p><p>dando início à Segunda Guerra, Hitler tinha acordado secretamente</p><p>com Stálin que a parte oriental do país ficaria com a União das</p><p>Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Os poloneses,</p><p>surpreendidos pelo ataque e impotentes diante da superioridade da</p><p>máquina de guerra alemã, recuaram para a parte oriental do país na</p><p>esperança de que ingleses e franceses cumprissem a promessa de</p><p>que lhes prestariam ajuda. A declaração de guerra veio em 3 de</p><p>setembro, mas a ajuda da França e da Inglaterra nunca chegou. Os</p><p>aliados da Polônia haviam prometido o que não podiam cumprir.</p><p>Eles haviam jogado o jogo de Hitler e caído como amadores.</p><p>No dia 17 de setembro, os russos também invadiram o país. Sem</p><p>muita cerimônia e sem nenhum constrangimento o ministro do</p><p>Exterior de Stálin, Vyacheslav Molotov, o mesmo que assinara o</p><p>Pacto Nazi-Soviético e a quem Churchill chamou de “cabeça de</p><p>bala de canhão”, disse ao embaixador polonês em Moscou que,</p><p>como a república polonesa não existia mais, o Exército Vermelho</p><p>precisava “proteger cidadãos russos na Bielorrússia e na Ucrânia</p><p>ocidentais”.13</p><p>Essas regiões polonesas haviam sido retiradas da União Soviética</p><p>na Guerra Soviético-Polonesa, em 1921. O ódio de Stálin pelos</p><p>poloneses remonta a essa época, uma vez que ele foi acusado de ser</p><p>o responsável pela derrota soviética na Batalha de Varsóvia, em</p><p>1920. Quando, às vésperas da Segunda Guerra, durante o “Grande</p><p>Terror”, ele deu início aos expurgos dentro do Exército Vermelho,</p><p>mais de 111 mil pessoas foram executadas por espionagem. Stálin</p><p>elogiou o trabalho de Nikolai Yezhov, o então chefe da NKVD</p><p>(acrônimo russo para “Comissariado do Povo para Assuntos</p><p>Internos”, um eufemismo para polícia secreta): “Muito bem!</p><p>Continue buscando e limpando essa imundície polonesa. Elimine-a</p><p>no interesse da União Soviética.”14</p><p>Stálin apossou-se rapidamente da parte da Polônia que lhe cabia,</p><p>assim como dos Estados bálticos (a Letônia, a Lituânia e a Estônia),</p><p>da Bessarábia romena e, sem qualquer intervenção franco-</p><p>britânica, também invadiu a Finlândia. Hitler e a opinião pública</p><p>mundial estavam certos de que a aliança franco-inglesa declararia</p><p>guerra também à União Soviética, o que não se confirmou. Para o</p><p>Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, as garantias</p><p>dadas à Polônia depois da Conferência de Munique, em 1938, eram</p><p>somente contra a agressão alemã. Stálin safara-se.</p><p>O casamento entre o nazismo e o comunismo durou dois anos.</p><p>Até a Operação Barbarossa, em 1941, quando a aliança Hitler-Stálin</p><p>chegou ao fim, a União Soviética foi a principal fornecedora de</p><p>grãos, minérios e petróleo da Alemanha nazista — no caso do</p><p>petróleo, a importação alemã correspondia a 37%.15 Sem o</p><p>poderoso auxílio econômico de Stálin, a vitoriosa campanha militar</p><p>alemã de 1940, contra Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Dinamarca,</p><p>Noruega e França, teria sido um desastre. Um historiador resumiu a</p><p>relação russo-germânica do seguinte modo: “A dádiva de Hitler foi</p><p>generosa, assim como o que recebeu em troca.”16</p><p>NEUTROS, MAS NEM TANTO</p><p>Poucos países se beneficiaram tanto com a Segunda Guerra como a</p><p>Suíça. A pequena confederação com quase trinta cantões</p><p>encravados nos Alpes da Europa Central provavelmente não gastara</p><p>um único dólar com a compra de munições, mas lucrou milhões</p><p>com os fundos depositados em seus bancos tanto por nazistas</p><p>quanto por judeus ricos. A Suíça não aceitou prestar ajuda aos</p><p>judeus que fugiam da Alemanha, mas depois da guerra lucrou com</p><p>os fundos não resgatados porque seus titulares estavam, em sua</p><p>maioria, mortos. A filha de uma vítima do Holocausto declarou:</p><p>“Meu pai conseguiu proteger seu dinheiro contra os nazistas, mas</p><p>não contra os suíços.”17 Crítico da “participação” suíça na guerra, o</p><p>professor de sociologia da Sorbonne, em Paris, e parlamentar da</p><p>Assembleia Federal em Berna, Jean Ziegler lembrou que o</p><p>dramaturgo Friedrich Dürrenmatt comparava a Suíça a “uma</p><p>mulher que trabalha num bordel, mas que quer permanecer</p><p>virgem”.18</p><p>Os países “neutros” da Península Ibérica, Espanha e Portugal,</p><p>embolsaram cem milhões de dólares do Reichsbank somente com</p><p>as transferências da conta do banco alemão para o Banco Nacional</p><p>da Suíça como “capital de giro”.19 A desculpa pela colaboração era</p><p>a mesma para os três países neutros: a recusa acarretaria uma</p><p>invasão alemã. (Depois da guerra, Hjalmar Schacht, o presidente</p><p>do Reichsbank, foi absolvido em Nuremberg devido a sua</p><p>participação no atentado contra Hitler em 1944.)</p><p>Os portugueses forneciam ainda quase que 100% do wolframato</p><p>utilizado pela Alemanha. O mineral era essencial no</p><p>processamento de tungstênio para ligas de aço usadas em</p><p>ferramentas, máquinas e armamentos, especialmente nas</p><p>munições contra os carros blindados.</p><p>A Suíça ainda lucrou com as exportações. Em 1941, quando a</p><p>Alemanha invadiu a União Soviética, os suíços tiveram um</p><p>aumento de vendas para a Alemanha de 250% em produtos</p><p>químicos e um acréscimo de 500% em metais.20</p><p>Os cofres suíços também engordaram no final da guerra,</p><p>quando, tentando salvar sua pele, o cruel líder da SS, Heinrich</p><p>Himmler, negociou com o ex-presidente da Suíça, Jean-Marie</p><p>Musy, a vida dos judeus dos campos de concentração. Com</p><p>dinheiro vindo dos Estados Unidos, garantiu aos alemães vinte</p><p>milhões de francos suíços em troca da libertação dos prisioneiros.</p><p>Himmler garantiu, por sua vez, o envio de 1.200 judeus para Suíça</p><p>por quinzena ao custo de mil dólares cada. Em fevereiro de 1945, o</p><p>primeiro trem com prisioneiros de Theresienstadt chegou a Suíça e</p><p>cinco milhões de francos suíços foram depositados na conta de</p><p>Musy.21 Himmler foi denunciado a Hitler, e o trato com o</p><p>presidente suíço, desfeito.</p><p>Tanto Portugal quanto a Espanha nunca entregaram os judeus</p><p>refugiados às autoridades alemãs e facilitaram a ação de</p><p>organizações como a Comissão de</p><p>dias de</p><p>interrogatórios e torturas, o Tribunal Popular, presidido por Roland</p><p>Freisler, anunciou as sentenças de morte contra os irmãos Scholl e</p><p>Probst. Os réus não puderam falar, mas Sophie se manifestou assim</p><p>mesmo: “Alguém tinha de começar! O que escrevemos e falamos é</p><p>o que muitas pessoas pensam, mas não têm coragem de dizer em</p><p>voz alta.” Sophie foi levada à execução de muletas, os torturadores</p><p>da Gestapo haviam-lhe quebrado as pernas. “Milhares serão</p><p>movidos e acordados por aquilo que fizemos”, disse ela.294 As</p><p>últimas palavras de Hans Scholl foram “Viva a liberdade!” Os três</p><p>estudantes foram executados no mesmo dia, decapitados na</p><p>guilhotina. Os demais membros do pequeno grupo foram presos</p><p>em sequência. Graf, Schmorell e Huber foram executados e outras</p><p>20 pessoas foram condenadas à prisão após julgamentos entre abril</p><p>e setembro do mesmo ano.295</p><p>Em junho de 1943, a BBC de Londres transmitiu um</p><p>pronunciamento do escritor alemão exilado Thomas Mann sobre o</p><p>movimento. O último panfleto do Rosa Branca foi reproduzido e</p><p>jogado de aviões britânicos sobre o território alemão. Em 2003, o</p><p>governo alemão inaugurou um busto de Sophie no Templo do</p><p>Walhalla, na Baviera, dedicado aos heróis da nação.296</p><p>OPERAÇÃO VALQUÍRIA</p><p>Se a resistência civil reprimida pela Gestapo não prosperou na</p><p>Alemanha, entre os militares surgiu o mais importante complô</p><p>contra o regime nazista e a vida de Hitler. Não eram apenas</p><p>militares. Entre os “conspiradores” havia políticos de grande</p><p>influência, como o jurista e ex-prefeito de Leipzig, Carl Goerdeler,</p><p>o advogado Hans von Dohnanyi e o juiz Helmuth von Moltke. (O</p><p>pastor Bonhoeffer, que era cunhado de von Dohnanyi, também</p><p>estava entre os conspiradores; ele tentara sem sucesso convencer</p><p>os Aliados a apoiar a resistência alemã contra o nazismo.)</p><p>Goerdeler escreveu ainda em 1938, quando se permitiu que Hitler</p><p>anexasse a Áustria e se apossasse da Tchecoslováquia: “Se a Grã-</p><p>Bretanha e a França tivessem corrido o risco da ameaça de guerra,</p><p>Hitler jamais teria usado a força.”297</p><p>Wilhelm Canaris, chefe da Abwehr, o serviço de inteligência e</p><p>espionagem militar da Alemanha, era um dos principais líderes da</p><p>resistência. Desde o início da guerra, ele vinha sabotando o serviço</p><p>secreto alemão, mantendo os Aliados informados sobre os planos</p><p>de Hitler. Hans Gisevius, da sessão de assuntos internacionais da</p><p>Abwehr, definiu o chefe: “Mais astuto que Himmler e Heydrich</p><p>juntos.”298 Canaris “odiava Hitler e o nacional-socialismo”,</p><p>escreveu Fabian von Schlabrendorff, um jovem advogado que</p><p>desde o início fora contra o regime nazista, chegando mesmo a</p><p>publicar artigos contrários às políticas de Hitler. Ironicamente, foi</p><p>um dos poucos a sobreviver à guerra.299 O serviço de inteligência</p><p>reuniu, dessa forma, muitos dos conspiradores — além de Canaris e</p><p>Gisevius, Bonhoeffer, von Dohnanyi e o general Hans Oster</p><p>prestavam serviço à Abwehr. Oster fazia parte do grupo original, de</p><p>1938. Em 1940, ele conseguiu informar os holandeses dos planos de</p><p>invasão nazista da Europa Ocidental, mas não recebeu apoio dos</p><p>Aliados.</p><p>Membros da resistência holandesa capturam um soldado alemão, em 1944.</p><p>Entre os militares importantes estavam homens como os</p><p>generais Helmuth Stieff, Hans Speidel, Friedrich Olbricht, Carl-</p><p>Heinrich von Stülpnagel e Erich Hoepner. O comandante do</p><p>Einsatzgruppe B, da SS, Arthur Nebe, também estava no grupo. O</p><p>marechal de campo Erwin von Witzleben era o oficial de mais alta</p><p>patente (o marechal Erwin Rommel era um simpatizante não</p><p>ativo). O major-general Henning von Tresckow e o coronel conde</p><p>Claus von Stauffenberg eram as figuras centrais da conspiração.</p><p>Ludwig Beck, ex-chefe do Estado-Maior do Exército, era a alma do</p><p>movimento dentro do Exército. Depois do assassinato de Hitler,</p><p>Beck reassumiria o posto de líder do Exército e Goerdeler assumiria</p><p>o cargo de chanceler.</p><p>Antes do atentado de julho de 1944, Hitler já havia sofrido mais</p><p>de quarenta atentados contra sua vida, escapando ileso de todos.</p><p>Alguns sem conotação política. Depois da guerra, seu piloto</p><p>particular revelou que em 1943 ele quase foi morto por tanquistas</p><p>russos em uma base alemã em Zaporozhye, na Ucrânia. Vinte e dois</p><p>tanques T-34 atacaram o campo de pouso em que o avião de Hitler</p><p>estava e, por pouco, sem saber, deram fim ao Führer alemão.300</p><p>Von Tresckow estava decidido a matar o Führer, que, segundo</p><p>ele, era o “artífice de todos os males”, desde 1939.301 Porém, as</p><p>vitórias iniciais da Alemanha dificultaram as oportunidades.</p><p>Quando a maré da guerra mudou, a necessidade de pôr um fim em</p><p>tudo aumentou. Em 13 de março de 1943, em Smolensk, na Rússia,</p><p>o então coronel conseguiu colocar no avião de Hitler uma caixa de</p><p>licor Cointreau, que na verdade era uma bomba de efeito retardado</p><p>com tempo calculado para explodir meia hora depois da</p><p>decolagem. O avião Focke-Wulf FW-200 Condor, no entanto,</p><p>pousou horas depois em Rastenburg, na Prússia Oriental, sem</p><p>nenhum problema. O detonador falhara devido à baixa</p><p>temperatura. Von Tresckow não desistiu e encontrou um suicida.</p><p>No dia 21 de março, durante uma celebração em Berlim, o major-</p><p>general Rudolph-Christoph Freiherr von Gesdorff se aproximou de</p><p>Hitler e acionou o detonador de uma bomba que estava no bolso do</p><p>seu casaco, mas o ditador saiu apressadamente do local e ele</p><p>precisou jogar o artefato no vaso do banheiro antes que</p><p>explodisse.302</p><p>No ano seguinte teve início a série de tentativas de Claus von</p><p>Stauffenberg. Em 6 e 11 de junho ele visitou Hitler no Berghof, na</p><p>Baviera, mas a ausência de Himmler, que deveria morrer junto,</p><p>adiou o atentado. No dia 15, o conde chegou à Toca do Lobo, em</p><p>Rastenburg, disposto a explodir Hitler e seu Estado-Maior. Mais</p><p>uma vez a ausência do chefe da SS protelou a tentativa.</p><p>A oportunidade seguinte teve lugar em 20 de julho de 1944 e foi</p><p>o mais grave de todos os atentados contra o Führer. Von</p><p>Stauffenberg teve acesso à sala de reuniões da Toca do Lobo e,</p><p>mesmo sem a presença de Himmler, depositou sob a mesa de</p><p>mapas uma valise com explosivo plástico fornecido pela Abwehr e</p><p>dois detonadores para garantir que não haveria falhas. Não houve.</p><p>Às 12h42 o barracão de madeira foi sacudido por uma violenta</p><p>explosão. Houve feridos e mortos, mas entre eles não estava Hitler,</p><p>que tivera a bomba quase junto aos pés. Salvo algumas</p><p>queimaduras e arranhões, mais uma vez ele escapara de um</p><p>atentado. Von Stauffenberg voou para Berlim e desencadeou a</p><p>Walküre, a Operação Valquíria, o golpe de Estado previsto para</p><p>retirar os nazistas do poder. Foi em vão, com o Führer vivo a</p><p>Alemanha não estava preparada para acabar com a guerra.</p><p>Em 1944, a maioria dos alemães ainda tinha uma fé inabalável</p><p>em Hitler. Uma mulher escreveu: “Nosso Führer foi poupado para</p><p>nós. Que ele tenha longa vida e nos leve à vitória.”303 “Graças a</p><p>Deus ele se salvou”, exclamou outro alemão. “O que teria sido de</p><p>nós sem o Führer?”, perguntavam-se muitos. Ainda que</p><p>discordassem de muitas das táticas e posicionamentos de Hitler, a</p><p>maioria dos militares tinham a mesma ideia e estavam ligados a um</p><p>juramento de lealdade ao Führer. Alfred Jodl, chefe do Estado-</p><p>Maior de Operações da Wehrmacht, exprimiu uma opinião</p><p>comum: alta traição. O 20 de julho foi a data “mais negra na</p><p>história da Alemanha”, disse ele.304</p><p>Preso, Ludwig Beck cometeu suicídio. Von Stauffenberg foi</p><p>fuzilado, mas antes de morrer gritou: “Viva nossa sagrada</p><p>Alemanha!” Von Tresckow também se matou. Nos meses seguintes</p><p>dezenas foram presos e torturados. “Quero que sejam pendurados</p><p>como animais no açougue”, pediu Hitler.305 E foram. A execução</p><p>dos conspiradores, estrangulados com cordas de piano e suspensos</p><p>por ganchos de açougue presos em um trilho fixado ao teto, na</p><p>prisão de Plötzensee, foi filmada para que o Führer pudesse assistir</p><p>depois. Todos os membros das famílias dos irmãos do conde von</p><p>Stauffenberg que puderem ser encontrados foram executados,</p><p>entre eles estavam uma criança de três e um velho de 85 anos. O</p><p>mesmo ocorreu com as famílias dos demais participantes.</p><p>(Surpreendentemente a esposa e os filhos de von Stauffenberg</p><p>escaparam da fúria de Hitler.) Rommel não foi executado e sua</p><p>família foi deixada em paz, mas ele precisou cometer suicídio</p><p>quando descobriram que era aliado dos conspiradores. Seu alto</p><p>prestígio junto ao povo alemão o salvou de um julgamento e da</p><p>tortura; teve um funeral com honras de chefe de Estado. Von</p><p>Dohnanyi foi enforcado no campo de concentração de</p><p>Sachsenhausen; Canaris e Oster foram executados em Flossenbürg.</p><p>Pelo menos duzentas pessoas diretamente ligadas ao atentado de</p><p>20 de julho foram executadas, poucas escaparam.306 Dos principais</p><p>envolvidos, apenas von Schlabrendorff se livrou da morte, mas foi</p><p>torturado.</p><p>Nos dias finais da guerra, os nazistas ainda executaram em</p><p>Dachau o marceneiro suábio Georg Elser, que tentara matar Hitler</p><p>na Bürgerbräukeller de Munique, em 1939.</p><p>E</p><p>11. A COBRA FUMOU!</p><p>O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA</p><p>O Brasil foi o único país da América do Sul a enviar tropas para</p><p>lutar na Europa. Mas a atuação da Força Expedicionária</p><p>Brasileira (FEB) esteve longe de contribuir para a vitória contra o</p><p>nazismo. Os soldados brasileiros mais importantes para o esforço</p><p>de guerra Aliado foram esquecidos na selva amazônica.</p><p>Enquanto isso, o país sofria com os blecautes, racionamentos e o</p><p>medo de uma invasão que nunca foi projetada.</p><p>m janeiro de 1943, retornando da conferência de Casablanca, no</p><p>Marrocos, Roosevelt se encontrou com Getúlio Vargas em Natal,</p><p>no Rio Grande do Norte, aproveitando a viagem de inspeção das</p><p>instalações da nova base aérea militar norte-americana de</p><p>Parnamirim, resultado do acordo firmado com o Brasil em 1942.</p><p>Vestindo ternos brancos, chapéus-panamá e conversando em</p><p>francês, os dois pareciam “velhos amigos”, relatou um historiador.</p><p>E, como velhos amigos, acertaram o envio de tropas brasileiras para</p><p>a Europa.307 O Brasil precisava mostrar que fazia jus à sua</p><p>importância no cenário sul-americano.</p><p>SOLDADOS DA BORRACHA</p><p>Quando os japoneses ocuparam o Sudeste Asiático, em dezembro</p><p>de 1941, os Estados Unidos perderam sua principal fonte de</p><p>borracha. Nada menos que 97% de toda a borracha natural do</p><p>globo caíra em mãos nipônicas. Sem essa matéria-prima, a</p><p>máquina de guerra Aliada seria paralisada. Segundo o casal</p><p>brasilianista Gary e Rose Neeleman, autores de um livro sobre o</p><p>tema, “tudo na Segunda Guerra Mundial dependia da borracha”.308</p><p>Os tanques tinham vinte toneladas de aço e meia de borracha; os</p><p>caminhões, cerca de 225 quilos. Um avião bombardeiro tinha quase</p><p>uma tonelada de borracha, enquanto um encouraçado da Marinha,</p><p>cerca de vinte mil peças do material. Sem contar a quantidade</p><p>necessária para correias, peças hidráulicas, botes, pneus e uma</p><p>infinidade de outras coisas.</p><p>Depois de Pearl Harbor, a pressão dos Aliados por um</p><p>posicionamento do Brasil aumentou. Contrariando a opinião dos</p><p>militares brasileiros, quase todos com inclinações germanófilas (o</p><p>Brasil tinha inclusive acordos militares, como a compra de</p><p>equipamentos alemães e missões de intercâmbio), Vargas optou</p><p>por seguir as orientações de seu ministro das Relações Exteriores,</p><p>Osvaldo Aranha. Em 28 de janeiro de 1942, ao término da III</p><p>Conferência Consultiva dos Chanceleres das Repúblicas</p><p>Americanas, realizada no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, o</p><p>Brasil rompeu relações diplomáticas com o Eixo.</p><p>A declaração agradou a Roosevelt, que, em acordo firmado dois</p><p>meses depois (um Lend-Lease), se comprometeu a fornecer ao</p><p>Brasil duzentos milhões de dólares em armas e munição de guerra</p><p>destinadas à Marinha e ao Exército.309 Em condições tão vantajosas</p><p>(o crédito teria uma redução de 65% do valor real), as últimas</p><p>restrições à implementação de uma base militar norte-americana</p><p>no Nordeste haviam sido derrubadas. Aranha havia derrotado os</p><p>generais brasileiros pró-Alemanha, e Parnamirim serviria de</p><p>trampolim Aliado para o envio de tropas e armamentos para o</p><p>Norte da África.</p><p>Além do acordo militar, seguiram-se outros de natureza</p><p>econômica. Os norte-americanos disponibilizaram uma linha de</p><p>crédito de mais cem milhões dólares para que o Brasil financiasse e</p><p>organizasse a produção de materiais básicos e estratégicos (como a</p><p>extração de minérios e da borracha bruta) e artigos de exportação</p><p>(como o cacau e o café). O sonho de Vargas de industrializar o país</p><p>foi garantido, a Companhia Siderúrgica Nacional seria financiada</p><p>pelo dinheiro estadunidense. O acordo concedia ainda 14 milhões</p><p>de dólares para a modernização de ferrovias em troca da</p><p>propriedade de uma mina a ser explorada por Estados Unidos e</p><p>Inglaterra.</p><p>Também ficava garantida a compra de toda a borracha brasileira</p><p>extraída na Amazônia pela Rubber Reserve Company (Companhia</p><p>de Reserva da Borracha), motivo pelo qual uma imensa campanha</p><p>de propaganda do governo brasileiro levou cinquenta mil</p><p>voluntários (em sua maioria nordestinos) para o interior da selva</p><p>amazônica. Os norte-americanos financiaram o transporte e a</p><p>alimentação e concederam outros cinco milhões de dólares para</p><p>construir a infraestrutura necessária. O Brasil tinha um novo</p><p>Exército, o de “soldados da borracha”.</p><p>Porém, apesar do estímulo, o país nunca atingiu as cinquenta</p><p>mil toneladas anuais esperadas por Roosevelt. Em 1943, das 22 mil</p><p>toneladas extraídas, o pais só exportou 11 mil para os Estados</p><p>Unidos. A extrema necessidade causada pela guerra fez com que os</p><p>americanos aumentassem a produção de borracha sintética e</p><p>passassem a comprar toda a produção mundial que estivesse ao seu</p><p>alcance. Em 1948, o relatório final revelou que os Estados Unidos</p><p>haviam pagado mais de quarenta milhões de dólares pela borracha</p><p>brasileira entre 1942 e 1947. (O mesmo relatório apontou que</p><p>Roosevelt pagou mais de um bilhão de dólares em borracha</p><p>estrangeira não brasileira.)310</p><p>Terminada a guerra, os norte-americanos tinham alcançado seus</p><p>objetivos, os seringais da Malásia e da Indonésia haviam voltado a</p><p>abastecer o mercado mundial. Já o governo brasileiro enfrentava</p><p>um grave problema: os milhares de homens que haviam trabalhado</p><p>nos seringais estavam desempregados e endividados com os</p><p>seringalistas (tudo o que consumiam era descontado da extração).</p><p>Segundo jornais da época, 23 mil estavam “apodrecendo na lama,</p><p>sem pão, sem assistência médica ou remédio para tratar as febres</p><p>fortes, a falta de vitaminas, o ataque dos parasitas”. O trabalho</p><p>exaustivo na selva, a malária, a febre amarela, o beribéri e os</p><p>ataques de animais selvagens vitimaram 26 mil trabalhadores. Os</p><p>que sobreviveram foram “esquecidos sem sequer terem dinheiro</p><p>para voltar para casa”.311 Os soldados da borracha haviam dado</p><p>uma contribuição maior à causa Aliada do que as próprias Forças</p><p>Armadas do país, mas pagaram um preço altíssimo. (O Brasil</p><p>perdeu na Itália pouco mais de 470 combatentes, entre soldados e</p><p>pilotos, 57 vezes menos do que os brasileiros mortos na Amazônia.)</p><p>Na década de 1980, eles conseguiram do governo uma pensão</p><p>vitalícia de dois salários mínimos, bem aquém dos dez salários dos</p><p>soldados da FEB.</p><p>OPERAÇÃO BRASIL</p><p>Nos primeiros anos da guerra, o Brasil viveu em pânico. O país</p><p>sofreu com os blecautes, os racionamentos (o preço dos alimentos</p><p>subiu 400%; não havia açúcar, carne e farinha de trigo) e o medo</p><p>de invasão (depois das nove horas da noite tudo era desligado; até</p><p>mesmo o farol dos carros). A caça às bruxas proibiu a língua de</p><p>imigrantes que estavam no Brasil há mais de um século (só no Rio</p><p>Grande do Sul quatrocentas mil pessoas falavam alemão em casa),</p><p>prendeu espiões e gente comum, caçou nazistas e integralistas,</p><p>construindo até campos de concentração. Mas o perigo passou</p><p>longe.</p><p>A verdade é que nunca houve a menor possibilidade de o Brasil</p><p>ser invadido pela Alemanha. Os nazistas não haviam conseguido</p><p>invadir a Inglaterra em 1940 (na Operação Leão Marinho) pelo</p><p>simples fato de não terem uma Marinha e uma Força Aérea capazes</p><p>de cruzar o Canal da Mancha em segurança. Atravessar o Atlântico</p><p>para invadir um país 35 vezes maior do que as ilhas britânicas era,</p><p>portanto, algo impensável e impraticável para os alemães. O</p><p>tenente-coronel do Exército brasileiro Durval Pereira, autor do livro</p><p>Operação Brasil, escreveu que “descartadas</p><p>as teorias</p><p>conspiratórias, jamais foi encontrado um plano ou mesmo um</p><p>esboço de uma invasão do Eixo às Américas”.312</p><p>A Kriegsmarine até chegou a elaborar um plano de ataque que</p><p>envolveria uma “alcateia” de dez submarinos para entrar nos</p><p>principais portos do Brasil, destruir instalações de combustíveis e</p><p>gás, navios ou alvos de importância estratégica.313 O almirante</p><p>Erich Raeder apresentou o plano a Hitler em uma conferência no</p><p>Berghof. Em 15 de junho de 1942, o Führer autorizou a Operation</p><p>Brasilien (Operação Brasil), que seria lançada no começo de agosto.</p><p>Mas o ex-embaixador alemão no Brasil Karl Ritter foi contra o</p><p>ataque por achar que a operação complicaria as relações</p><p>diplomáticas também com outros importantes países sul-</p><p>americanos, como Argentina e Chile (o Brasil já havia rompido</p><p>relações com a Alemanha em janeiro). Documentos da Marinha</p><p>alemã comprovam que a ação foi cancelada “por motivos</p><p>políticos”.314 De qualquer forma, os ataques seriam apenas</p><p>“agulhadas”, como disse Hitler a Raeder, não um plano de invasão</p><p>em larga escala.</p><p>O tão falado “perigo alemão”, se existiu, passou mais por</p><p>questões políticas e culturais, com a aproximação nazista dos</p><p>descendentes de alemães — o que depois de 1939 também se</p><p>tornou impraticável. Apesar de toda a propaganda e a atividade</p><p>clandestina, os nazistas só conseguiram cooptar 2.800 membros no</p><p>Brasil.315</p><p>Por outro lado, os norte-americanos é que tinham um grande</p><p>plano de invasão do Brasil, a Operation Pot of Gold (Operação Pote</p><p>de Ouro). Esboçada já em 1939, entre os planos Rainbow para a</p><p>defesa do Hemisfério Sul, previa o desembarque de cem mil</p><p>soldados na costa brasileira entre Belém e Rio de Janeiro.316 Em</p><p>agosto de 1940, o plano foi reajustado, a previsão era de que seriam</p><p>necessários apenas 15 mil soldados, setenta aviões e um porta-</p><p>aviões. Mas os Estados Unidos não precisaram invadir o Brasil, os</p><p>milhões de dólares investidos no governo Vargas fizeram a</p><p>diferença.</p><p>Com o cancelamento da Operação Brasil, em agosto de 1942 o</p><p>comandante do U-507, Harro Schacht, solicitou e recebeu</p><p>autorização para “manobras livres” no litoral de Pernambuco.</p><p>Agindo por sua conta e risco, o “lobo solitário” atacou</p><p>deliberadamente navios brasileiros entre São Paulo e Natal. Em</p><p>cinco dias, entre 15 e 19 de agosto de 1942, o submarino U-507</p><p>torpedeou os navios Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo,</p><p>Itagiba, Arará e a barcaça Jacira, matando mais de seiscentas</p><p>pessoas. Em 31 de agosto de 1942, o presidente Vargas declarou</p><p>oficialmente guerra a Hitler.</p><p>A COBRA FUMOU!</p><p>O desembarque Aliado no Norte da África, em novembro de 1942,</p><p>afastou qualquer possibilidade real ou imaginária de uma invasão</p><p>do Brasil. A base aérea militar de Parnamirim, construída no</p><p>saliente nordestino ao custo de nove milhões de dólares, perdeu</p><p>completamente sua importância estratégica. O Brasil, no entanto,</p><p>ainda tinha muito interesse em manter uma relação próxima com</p><p>os Aliados. Depois de obter financiamento norte-americano para a</p><p>indústria e apoio para a defesa do litoral contra os ataques dos</p><p>submarinos alemães, Vargas esperava consolidar o papel do Brasil</p><p>como país líder na América Latina.</p><p>O governo brasileiro propôs aos Aliados o preparo e envio de</p><p>uma força expedicionária ao Norte da África. Apesar da recusa</p><p>inicial de Churchill, o Brasil tinha o apoio de Roosevelt e os</p><p>detalhes foram acertados no encontro em Parnamirim, em janeiro</p><p>de 1943. Vargas deu início, então, ao preparo de uma força</p><p>brasileira que tomaria lugar no front do Mediterrâneo. O Brasil seria</p><p>o único país sul-americano a enviar um exército para combater na</p><p>Segunda Guerra. Mas, por diversos problemas, somente em julho</p><p>do ano seguinte, depois de dois anos da declaração de guerra, é que</p><p>conseguiu enviar o primeiro contingente de soldados para a Itália.</p><p>Tal foi a demora e a desorganização nos preparativos que a ida de</p><p>brasileiros à guerra se transformara em piada. Era mais fácil uma</p><p>cobra fumar do que o Brasil enviar tropas, diziam na época.</p><p>Todavia, contra todos os descréditos e apesar do tempo de espera, a</p><p>cobra fumou — e a serpente fumando se transformou no símbolo da</p><p>FEB. Depois do primeiro destacamento, seguiram-se outros quatro</p><p>grupos, somando mais de 25 mil soldados carinhosamente</p><p>chamados de “pracinhas”. Todos sob o comando do general</p><p>gaúcho João Batista Mascarenhas de Morais. Na Itália, a FEB foi</p><p>integrada ao Quinto Exército dos Estados Unidos, comandado pelo</p><p>general Mark Clark.</p><p>Soldado da FEB, em setembro de 1944. No cartucho, a inscrição “A cobra está</p><p>fumando...”.</p><p>A FEB a caminho da Itália, em 1944.</p><p>“A FEB era bem o resumo do povo do Brasil, não só porque tinha</p><p>soldados de todos os seus estados e de todas as classes sociais e</p><p>níveis de cultura, como porque levava todos os seus defeitos e</p><p>improvisações, todas as suas incoerências e mitos, todas as falhas e</p><p>virtudes desse povo”, definiu o correspondente de guerra Rubem</p><p>Braga. (Além de Braga, do Diário Carioca, foram à Itália Joel</p><p>Silveira, dos Diários Associados; Egydio Squeff, do O Globo; e Raul</p><p>Brandão, do Correio da Manhã.)317 Não pode haver definição</p><p>melhor. Só restou dizer que todas as etnias estavam representadas,</p><p>incluindo os negros e mestiços que eram 30% da tropa.</p><p>Descendentes de alemães também foram à guerra, entre eles o</p><p>tenente Ary Weber Rauen e o sargento Max Wolff Filho. Mais</p><p>recentemente, até mesmo aqueles que nunca haviam entrado em</p><p>estatísticas ganharam espaço. Segundo pesquisas do historiador</p><p>militar Israel Blajberg, pelo menos 42 judeus brasileiros lutaram</p><p>nas Forças Armadas brasileiras. Esses judeus eram imigrantes</p><p>(como o ucraniano Boris Schnaiderman que chegou ao país em</p><p>1925, aos oito anos) ou filhos e netos de marroquinos, poloneses,</p><p>turcos, ucranianos e russos.318</p><p>Com os alemães prestes a se render a qualquer momento,</p><p>quando a FEB chegou à Itália não havia muito que fazer, salvo</p><p>produzir heróis em um país carente deles. Desde o início das ações,</p><p>o general Euclides Zenóbio da Costa, o “Patton brasileiro” (tanto</p><p>pela atitude quanto pela língua afiada), parecia ávido por receber</p><p>informações sobre as baixas, questionando frequentemente o</p><p>número de mortos. “Precisamos de heróis!”, teria dito.319 E a</p><p>imagem de heroísmo que a literatura militar brasileira construiu a</p><p>respeito das ações da FEB escondeu muitos dos problemas que o</p><p>Exército teve durante a campanha de 1944-45.</p><p>A visão demasiadamente patriótica caiu por terra quando o</p><p>jornalista William Waack publicou, em 1985, As duas faces da</p><p>glória, com base em ampla documentação de arquivos Aliados e</p><p>alemães sobre as tropas brasileiras. Ao publicar informações pouco</p><p>elogiosas ao desempenho do Brasil, Waack, que na época</p><p>trabalhava na Alemanha como repórter, foi acusado de ser</p><p>“injusto” com os brasileiros, de “denegrir as Forças Armadas” e de</p><p>ser “filho de um oficial alemão” (na verdade, Waack é bisneto de</p><p>alemães). Acusações infundadas, pois a documentação é</p><p>verdadeira e parece que os depoimentos tomados de 28 ex-oficiais</p><p>alemães também.</p><p>Sabendo da inaptidão brasileira para a guerra, os norte-</p><p>americanos criaram o Brazilian Liaison Detachment, o</p><p>“Destacamento de Ligação”, para acompanhar os treinamentos e</p><p>supervisionar a atuação das tropas da FEB. Todas as informações</p><p>eram coordenadas pelo coronel Walter Sewell diretamente do</p><p>quartel-general Aliado em Florença. Sewell escreveu em janeiro de</p><p>1945 ao general Ralph Wooten, comandante americano no Recife:</p><p>“Eu acredito que muitos brasileiros, incluindo o Mascarenhas,</p><p>sabem que não correspondem às expectativas.”320</p><p>Ainda conforme relatório Aliado, os norte-americanos</p><p>encontraram diversas falhas no comando tupiniquim. A FEB não</p><p>estava preparada para o combate ofensivo, nem defensivo, não</p><p>havia organização nem mesmo entre os oficiais. O G-3, a Chefia de</p><p>Operações, não tinha a menor coordenação com o G-2, o Serviço</p><p>de Informações do Exército. Em resumo, a FEB era realmente um</p><p>retrato fiel do Brasil. “Treinamento apropriado e disciplina</p><p>poderiam ajudar muito a melhorar a FEB”, sentenciou o capitão</p><p>Frank Cameron, em fevereiro de 1945.321</p><p>Fato</p><p>é que, quando o Brasil chegou à linha de frente de batalha,</p><p>enfrentou um exército destruído, em retirada, e mesmo assim teve</p><p>trabalho. A FEB enfrentou nove divisões alemãs. Em sua maioria,</p><p>eram unidades formadas no final da guerra, com recursos</p><p>reduzidos e sem experiência em combate. O marechal Albert</p><p>Kesselring, comandante supremo das forças alemãs na Itália,</p><p>destacou apenas a 29ª Panzer, formada na França e conhecida</p><p>como Falke-Division (Divisão Falcão), como de “primeira linha”.</p><p>Os pracinhas, no entanto, tiveram pouco contato com a 29ª. As</p><p>unidades com as quais as tropas brasileiras travaram combates</p><p>foram a 232ª de Infantaria, que estava entrincheirada em Monte</p><p>Castello, a 148ª de Infantaria, que se rendeu à FEB em Fornovo, e a</p><p>114ª Ligeira, que lutou em Montese.</p><p>Algumas delas estavam em situação muito difícil quanto a</p><p>armamentos e combustível. Na 232ª, por exemplo, a mobilidade era</p><p>tão reduzida que, para poupar combustível, um major usava mulas</p><p>para puxar os caminhões. Formada em meados de 1944 com</p><p>soldados vindos do Front Oriental, essa Divisão estava longe de</p><p>representar o melhor da Wehrmacht. Faltavam uniformes, botas,</p><p>armamentos e até mesmo “escovas de dente precisaram ser</p><p>providenciadas”, revelou um oficial. Foi com essa tropa cansada da</p><p>guerra e mal armada que o Brasil alcançou sua maior glória na</p><p>Itália: a tomada de Monte Castello, nos Apeninos (a cerca de</p><p>sessenta quilômetros de Bolonha), em 21 de fevereiro de 1945.</p><p>Ainda assim, a batalha perdurou por três meses e custou a vida de</p><p>417 brasileiros nos quatro assaltos que a FEB precisou realizar para</p><p>tomar a posição.322</p><p>O general alemão Eccart von Glabenz, comandante da 232ª</p><p>Divisão de Infantaria, escreveu, em 1947, que “a capacidade de</p><p>combate da divisão brasileira não era altamente considerada”.323 Na</p><p>verdade, a maioria dos comandantes alemães sequer fazia ideia que</p><p>enfrentava brasileiros, e os que sabiam não davam a mínima para</p><p>isso. O coronel Heinz Herre revelou a Waack em 1985 que nunca</p><p>imaginou ter enfrentado brasileiros na guerra. Depois da guerra,</p><p>Herre esteve no Brasil, atuando no Serviço Secreto Alemão sob as</p><p>ordens do general Gehlen (Herre foi um dos responsáveis por</p><p>guardar os arquivos da Wehrmacht sobre o Exército Vermelho).</p><p>Por fim, em relatório escrito para os americanos em 1949, o</p><p>comandante nazista, marechal Kesselring, incluiu os pracinhas</p><p>entre as “divisões Aliadas de segunda categoria”.324 E o</p><p>comandante Aliado, general Clark, não tinha opinião melhor,</p><p>“lidar com brasileiros era tarefa muito delicada e tinha que ser</p><p>perfeitamente executada”, escreveu em seu diário. A verdade é que</p><p>o auxílio que a FEB prestou aos Aliados foi um acordo entre</p><p>cavalheiros (Vargas e Roosevelt) com finalidade política. Ainda que</p><p>essa ideia fira o orgulho nacional, na prática, a atuação dos</p><p>brasileiros não teve a menor importância para o resultado final da</p><p>campanha italiana.</p><p>Se não eram excelentes combatentes (o que obviamente não se</p><p>poderia exigir de um Exército que não combatia inimigos em frente</p><p>de batalha desde a Guerra do Paraguai, em 1870), de resto os</p><p>soldados brasileiros eram idênticos a qualquer outro exército no</p><p>mundo. Mesmo que instruídos desde a partida do Brasil a usar</p><p>preservativos (que acompanhavam os kits higiênicos) para evitar a</p><p>gonorreia e a sífilis, os soldados da FEB foram atacados pelas</p><p>doenças venéreas tanto quanto pelo frio e pelos alemães. O músico</p><p>e autor de um livro sobre a participação brasileira na guerra, João</p><p>Barone, cujo pai lutou como pracinha, escreveu que a disciplina</p><p>militar e a falta de privacidade não evitaram “que aquele bando de</p><p>jovens com seus hormônios em ebulição encontrasse meios de</p><p>aliviar suas tensões sexuais, fugindo atrás das belle ragazze (belas</p><p>jovens)”.325 Segundo Barone, um relato comum entre os brasileiros</p><p>“era a profunda tristeza e o desconforto em ver aquelas moças se</p><p>oferecendo em troca de uma barra de chocolate ou de um mero</p><p>cigarro”. A “tristeza” não impediu que os pracinhas espalhassem o</p><p>sangue brasileiro pela Itália, deixando mulheres grávidas e mães</p><p>solteiras — o que em 1945 não foi exclusividade brasileira. Diga-se a</p><p>verdade, alguns casaram.</p><p>Fora isso, o comportamento dos pracinhas não pode ser</p><p>considerado “imoral”. Dos crimes graves cometidos, apenas dois</p><p>estupros, duas deserções e dois assassinatos de soldados inimigos</p><p>capturados. Sua relação com a população também foi pacífica.</p><p>Como os brasileiros não gostavam dos enlatados americanos, a</p><p>ração diária distribuída para as tropas era complementada com</p><p>arroz, feijão e mandioca vindos do Brasil. Tudo quanto possível era</p><p>dado aos civis italianos.</p><p>Apesar da dureza da campanha alpina, nem as baixas foram</p><p>altas. Dos 25.334 combatentes que foram enviados à Itália, cerca de</p><p>14 mil lutaram na linha de frente, 443 morreram e outros três mil</p><p>foram feridos.326 Os heróis de Vargas foram enterrados no cemitério</p><p>de Pistoia e mais tarde, em 1960, tiveram as cinzas transladadas</p><p>para o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio</p><p>de Janeiro.</p><p>Quando tudo acabou, o crítico coronel Sewell, do Destacamento</p><p>de Ligação, escreveu: “No final das contas, acho que a FEB foi um</p><p>sucesso. Houve alguma turbulência, mas parece ter terminado</p><p>bem.”327</p><p>SENTA A PUA!</p><p>Além dos pracinhas, o Brasil enviou para a Itália um grupo de</p><p>pilotos da recém-criada Força Aérea Brasileira: o Primeiro Grupo de</p><p>Aviação de Caça ou 1º GpAvCa. Criado em 18 de dezembro de 1943,</p><p>o grupo foi posto sob o comando do então major aviador Nero</p><p>Moura, piloto do avião presidencial, o “Lockheedinho” (um</p><p>bimotor Lockheed 12A). Moura escolheu 32 “pilotos-chave” de</p><p>muitos lugares do país, mas a maioria deles era de jovens recém-</p><p>formados pela Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos,</p><p>no Rio de Janeiro.</p><p>Antes de ser enviado para a Itália, o esquadrão de caça passou</p><p>por provas na Escola de Táticas Aéreas, na Flórida. Terminado o</p><p>curso, os pilotos foram locados na base de Albrook, no Panamá,</p><p>onde encontraram a equipe de mecânicos, o “pessoal de terra” e os</p><p>caças Curtiss P-40. Foi no Panamá que “Senta a Pua!” se tornou o</p><p>grito de guerra dos brasileiros. Segundo Moreira Lima, ex-piloto e</p><p>autor do livro que narra a história do 1º GpAvCa, a expressão surgiu</p><p>com o tenente aviador Firmino Ayres de Araújo.328 O paraibano</p><p>tinha por hábito gritar “Senta a Pua” para apressar os motoristas</p><p>nas viagens que fazia entre Salvador e a base aérea onde trabalhava.</p><p>A terminologia nordestina acompanhou o grupo no Panamá e nos</p><p>Estados Unidos e “naturalmente” chegou à Itália. O símbolo do</p><p>esquadrão, um avestruz, também surgiu na fase de treinamento no</p><p>Panamá, onde os pilotos comiam de tudo, como a ave africana,</p><p>inclusive “feijão-preto com açúcar”.</p><p>Reunida, toda a equipe retornou aos Estados Unidos, para a base</p><p>de Suffolk, onde recebeu os novos P-47-Thunderbolt, os aviões em</p><p>que lutariam contra os nazistas. A caminho da Itália, a bordo do</p><p>UST Colombie, o capitão Fortunato Câmara de Oliveira desenhou a</p><p>“bolacha” que representaria o Brasil nos céus da Europa: o avestruz</p><p>guerreiro sob o céu vermelho da guerra e tendo como escudo o</p><p>Cruzeiro do Sul.</p><p>O 1º GpAvCa chegou ao teatro de operações italiano</p><p>desembarcando em Livorno, em outubro de 1944. Dali foi enviado</p><p>para Tarquinia (a noventa quilômetros de Roma), onde passou a</p><p>operar incorporado ao 350º Grupo de Caça da Força Aérea</p><p>americana como First Brazilian Figther Squadron, recebendo o</p><p>nome código de “Jambock”. (Somente muitos anos depois da</p><p>guerra é que os brasileiros descobriram que o Jambock que os</p><p>identificava era o nome de um chicote de couro de rinoceronte</p><p>usado na África do Sul para açoitar escravos.) Antes do término da</p><p>guerra, o 1º GpAvCa foi transferido para a base de San Giusto, em</p><p>Pisa.</p><p>Entre outubro de 1944 e maio de 1945, o grupo realizou 445</p><p>missões de guerra, tendo perdido 16 caças abatidos pela artilharia</p><p>antiaérea alemã. Cinco pilotos morreram em combate e outros</p><p>quatro em acidentes aéreos; um número razoavelmente pequeno,</p><p>levando em consideração o perigo das missões. Enquanto os pilotos</p><p>americanos do 350º Grupo de Caça</p><p>realizavam de 35 a cinquenta</p><p>missões antes de retornar para casa, os pilotos brasileiros</p><p>alcançaram uma média de setenta missões; e nenhum deles voltou</p><p>ao Brasil antes do final da guerra. Roberto Pessoa Ramos, Pedro de</p><p>Lima Mendes e Hélio Langsch Keller realizaram 95 operações de</p><p>guerra. Alberto Martins Torres completou a incrível marca 99. O</p><p>comandante Nero Moura realizou 62. Moreira Lima, autor do livro</p><p>Senta a Pua!, completou 94 missões. “Estávamos no ponto de</p><p>exaustão”, escreveu ele. “Houve dias que éramos obrigados (...) a</p><p>voar até três missões de guerra.”329</p><p>O esforço compensou: o 1º GpAvCa lançou mais de 4.400</p><p>bombas sobre efetivos inimigos, destruindo 437 pontes, seis</p><p>fábricas, três refinarias, 13 locomotivas, 19 embarcações, 85 postos</p><p>de artilharia e mais de 1.300 carros de transporte, entre outros alvos</p><p>de menor importância (como 79 veículos de tração animal).330</p><p>Outro grupo de pilotos brasileiros, da Esquadrilha de Ligação e</p><p>Observação, realizou mais de 680 missões de reconhecimento do</p><p>inimigo, fornecendo coordenadas para a artilharia da FEB e das</p><p>unidades Aliadas.</p><p>BRASILEIROS ENTRE NAZISTAS E ALIADOS</p><p>Como as leis alemãs da época consideravam alemão quem tivesse</p><p>sangue alemão (não tendo a necessidade de nascimento na</p><p>Alemanha), alguns descendentes de imigrantes alemães atenderam</p><p>ao chamado de Hitler para lutar pelo “lar ancestral”, a “pátria-</p><p>mãe”. Outros haviam retornado à terra dos pais ou avós para</p><p>estudar e, surpreendidos pela guerra, foram convocados a lutar.</p><p>Mas não há dados precisos sobre o número de brasileiros que se</p><p>alistaram nas Forças Armadas alemãs. Conforme o historiador</p><p>Dennison de Oliveira, em 1949 a Missão Militar Brasileira em</p><p>Berlim, comandada pelo coronel Aurélio de Lyra Tavares, repatriou</p><p>pouco mais de cinco mil brasileiros (entre brasileiros e familiares</p><p>nascidos na Alemanha), a maioria emigrados entre 1938 e 1939.331</p><p>Oliveira acredita que “algumas centenas” deles devem ter lutado</p><p>ao lado dos nazistas. Alguns nomes e histórias são conhecidos.</p><p>Na Luftwaffe, foram pelo menos dois brasileiros. Um deles, o</p><p>curitibano Egon Albrecht-Lemke, deixou o Brasil para se juntar à</p><p>Juventude Hitlerista na década de 1930. Com a guerra, tornou-se</p><p>piloto de caça, capitão e comandante de esquadrilha condecorado</p><p>com a Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro. Albrecht realizou 250</p><p>missões, abatendo 25 aviões Aliados até ser derrubado em agosto de</p><p>1944, nas proximidades de Paris. Outro foi o tenente catarinense</p><p>Wolfgang Ortmann, de São Bento do Sul, que morreu em um</p><p>acidente com seu avião em fevereiro de 1942.332</p><p>Também havia brasileiros entre os Aliados. O maior ás francês</p><p>nasceu em Curitiba. Pierre Clostermann era filho de um diplomata</p><p>com origem alsaciana. O pai retornou à França pouco depois de seu</p><p>nascimento, mas Clostermann não deixou de ter relações com o</p><p>Brasil. Ele recebeu seu brevê de piloto no aeroclube de</p><p>Manguinhos, em 1937. Curiosamente, seu instrutor era o alemão</p><p>Karl Benitz. Depois de se formar engenheiro em aeronáutica no</p><p>Instituto de Tecnologia da Califórnia, Clostermann chegou à</p><p>Inglaterra via Brasil, em 1940, para servir nas Forces Aériennes</p><p>Françaises Libres (a Força Aérea da França Livre). Lutando em</p><p>Spitfires das esquadrilhas francesas da RAF, obteve 33 vitórias em</p><p>combates aéreos. Depois da Segunda Guerra, Clostermann ainda</p><p>lutou na guerra da Argélia e elegeu-se deputado em duas</p><p>oportunidades. Morreu na França, em 2006.333 Outro brasileiro a</p><p>servir na RAF foi Cosme Lockwood Gomm, filho de ingleses e</p><p>também curitibano. Líder da Esquadrilha 467, foi abatido em</p><p>agosto de 1943, na França. Em junho, ele havia recebido a</p><p>Distinguished Service Order, uma importante condecoração</p><p>britânica.</p><p>Muitos outros brasileiros serviram nas Forças Armadas Aliadas.</p><p>O catarinense Arthur Scheibel, naturalizado norte-americano,</p><p>serviu como segundo-engenheiro da Marinha no SS Paul Hamilton.</p><p>Morreu quando o navio foi afundado por aviões alemães na costa da</p><p>Argélia, em abril de 1944.334 E um caso curioso aconteceu na Itália:</p><p>o brasileiro Georg Keidel, que servia na Wehrmacht, foi preso pelo</p><p>também brasileiro Bruno Scheibel, que lutava com a FEB. Bruno</p><p>era irmão de Arthur, que servia nos Estados Unidos. O pracinha</p><p>retornou ao Brasil, Keidel provavelmente morreu na Alemanha.</p><p>BRASILEIROS, “JUSTOS ENTRE AS NAÇÕES”</p><p>Por ajudar a salvar a vida de judeus durante a Segunda Guerra, dois</p><p>brasileiros receberam da Yad Vashem, a Autoridade de Recordação</p><p>dos Mártires e Heróis do Holocausto, em Jerusalém, o título de</p><p>“Justo entre as Nações”.335 Aracy de Carvalho, conhecida como “o</p><p>Anjo de Hamburgo”, esposa de João Guimarães Rosa, recebeu a</p><p>homenagem em 8 de julho de 1982. Ela era funcionária do</p><p>Itamaraty quando o escritor brasileiro foi nomeado cônsul em</p><p>Hamburgo, em 1938. Nesse ano, durante a Noite dos Cristais, Aracy</p><p>deu guarida a Margareth Bertel-Levy e a seu esposo. Nos anos</p><p>seguintes, o casal conseguiu emitir vistos para nomes como</p><p>Gunther Heilborn, Albert Feis e Grethe Jacobsberg, entre muitas</p><p>outras famílias judias que fugiram para o Brasil. Com o rompimento</p><p>das relações diplomáticas em 1942, Guimarães Rosa chegou a ser</p><p>preso em um campo em Baden-Baden.</p><p>Outro ganhador da honraria foi Luiz Martins de Souza Dantas.</p><p>Embaixador brasileiro em Paris entre 1922 e 1944, Dantas facilitou a</p><p>fuga de centenas de emigrantes judeus franceses para o Brasil.</p><p>Entre eles, estavam o cineasta Zbigniew Ziembinski e o produtor</p><p>artístico Oscar Ornstein. Em 1941, Dantas interviu pelos</p><p>passageiros no navio Alsina (com um grande número de judeus</p><p>refugiados), impedido de desembarcar no Senegal e forçado pelos</p><p>ingleses a aportar em Casablanca, no Marrocos. Com vistos falsos,</p><p>os judeus conseguiram chegar ao Rio de Janeiro. O brasileiro</p><p>recebeu o título em 10 de dezembro de 2003.</p><p>Até 2016, a Yad Vashem concedeu mais de 26 mil títulos “Justo</p><p>entre as Nações” a diversas pessoas espalhadas pelo mundo. Na</p><p>América do Sul, além do Brasil, apenas Chile, Equador e Peru</p><p>tiveram nomes agraciados com a honraria.</p><p>E</p><p>12. CIÊNCIA NAZISTA</p><p>Os alemães cometeram uma série de atrocidades médicas e</p><p>fraudes científicas, mas também promoveram muitos avanços</p><p>tecnológicos. Por isso, norte-americanos, russos e britânicos</p><p>extraíram dos nazistas laboratórios científicos e documentos</p><p>sobre material bélico, foguetes e aviões a jato. É possível que o</p><p>homem não tivesse pisado na Lua sem a ajuda da Alemanha de</p><p>Hitler.</p><p>m 29 de setembro de 1945, pouco depois do lançamento das</p><p>bombas atômicas sobre o Japão, o cientista alemão Wernher von</p><p>Braun chegou a Boston junto com outros 15 “técnicos do Reich”.</p><p>No total, 457 cientistas alemães seguiram para os Estados Unidos</p><p>nos dois anos seguintes ao fim da guerra. Foram todos colocados</p><p>em novas casas e postos de trabalho na América.336 Todos eles</p><p>foram capturados pelo Escritório de Serviços Estratégicos, o OSS,</p><p>durante a ultrassecreta Operação Clipe de Papel.</p><p>A operação tinha como objetivo sequestrar e levar para os</p><p>Estados Unidos a intelectualidade alemã antes que os russos o</p><p>fizessem. Os americanos não tiveram muitas dificuldades, os</p><p>nazistas obviamente preferiram se render e trabalhar para os</p><p>Aliados ocidentais a caírem nas mãos de Stálin. O historiador</p><p>britânico Michael Dobbs, autor de um livro sobre os meses finais da</p><p>Segunda Guerra, afirmou que as “reparações intelectuais”</p><p>chegaram à enorme quantia de dez bilhões de dólares.337</p><p>AS ARMAS SECRETAS</p><p>Desde 1936, os mais importantes projetos científicos da Alemanha</p><p>nazista eram desenvolvidos em Peenemünde, na costa do Báltico, a</p><p>260 quilômetros ao norte de Berlim. As pesquisas eram realizadas</p><p>tanto pelo Exército quanto pela Luftwaffe, e todas eram inovadoras</p><p>e revolucionárias, como a propulsão a jato.</p><p>Um dos primeiros projetos, o das V1, do engenheiro Robert</p><p>Lusser, parecia simples: um monoplano sem piloto, isto é, uma</p><p>bomba de 850 quilos, com asas e propulsão a jato com alcance</p><p>maior do que os lançadores de bomba comuns. O aparelho podia</p><p>chegar a 640 quilômetros por hora. As V1, chamadas de “bombas</p><p>voadoras”, começaram a cair sobre Londres</p><p>poucos dias depois do</p><p>Dia D, na noite de 12 para 13 de junho de 1944. O problema para os</p><p>alemães é que o desenvolvimento da arma havia atrasado e, quando</p><p>ela ficou pronta, a Europa estava sob invasão Aliada e os alemães</p><p>começaram a perder as rampas de lançamento ao logo da costa do</p><p>Canal da Mancha. Ainda assim, até o final da guerra, cerca de dez</p><p>mil delas foram lançadas contra a Grã-Bretanha, 2.500 diretamente</p><p>em Londres. Mais de seis mil pessoas morreram e 18 mil ficaram</p><p>feridas.338</p><p>Enquanto Lusser trabalhava na V1, o diretor técnico do centro, o</p><p>engenheiro Wernher von Braun, dedicava-se a um projeto de</p><p>mísseis balísticos, os foguetes A4, mais tarde rebatizados de V2. O</p><p>vê, tanto da V1 quanto do V2, vinha do alemão Vergeltungswa�en,</p><p>“armas da vingança”, com as que Hitler pretendia derrotar os</p><p>Aliados. Depois dos fracassos inicias, em 3 de outubro de 1942 von</p><p>Braun conseguiu disparar, com êxito, seu foguete de doze</p><p>toneladas, capaz de transportar uma ogiva de uma tonelada por 320</p><p>quilômetros. O V2 era propelido por etanol e oxigênio líquido,</p><p>injetados em uma câmara de combustão de altíssima pressão. O</p><p>etanol usado na mistura combustível era extraído da batata, que os</p><p>alemães consumiam em abundância. A força do empuxo permitia</p><p>que o V2 alcançasse a estratosfera. (Depois da guerra, em 1946, um</p><p>V2 capturado pelos americanos fotografou o espaço pela primeira</p><p>vez.)</p><p>Os foguetes V2 em uma base de lançamento em Cuxhaven, na Alemanha,</p><p>durante a Segunda Guerra.</p><p>No começo de 1943, dois prisioneiros que trabalhavam no local</p><p>conseguiram contrabandear relatórios da atividade alemã para a</p><p>resistência polonesa que, por sua vez, repassou a informação à</p><p>inteligência inglesa. Em junho, os Aliados bombardearam e</p><p>danificaram seriamente as instalações em Peenemünde. Em</p><p>outubro, os nazistas transferiram a base para uma fábrica</p><p>subterrânea próxima a Nordhausen, no centro da Alemanha,</p><p>denominada de Mittelwerke. As novas instalações usavam trabalho</p><p>escravo de prisioneiros do campo de concentração de Mittelbau-</p><p>Dora. Mittelwerke era composta por dois túneis paralelos</p><p>principais de 1,6 quilômetro cada. Ao todo, eram mais de dez</p><p>quilômetros de instalações subterrâneas que incluíam até mesmo</p><p>gigantescos túneis de vento para os testes da Luftwaffe.</p><p>Os dois primeiros mísseis V2 disparados sobre Londres foram</p><p>lançados de Haia, na Holanda, em 8 de setembro de 1944.</p><p>Atingiram Chiswick, próximo ao centro da capital, e Parndon</p><p>Wood, perto de Epping, a nordeste de Londres. Com uma</p><p>velocidade de 5.760 quilômetros por hora (mais de nove vezes a</p><p>velocidade do principal avião de caça inglês), não havia defesa</p><p>Aliada capaz de interceptar os V2. Até março de 1945, mais 1.054</p><p>deles foram lançados sobre a Inglaterra e outros novecentos foram</p><p>disparados contra Antuérpia, na Bélgica.</p><p>Diversos aviões a jato também vinham sendo desenvolvidos</p><p>pelos cientistas alemães, entre eles, o Messerschmitt Me-262, o</p><p>primeiro caça a jato operacional do mundo, e o Heinkel He-162, o</p><p>“Caça do Povo”. Ambos atingiam mais de mil quilômetros por</p><p>hora, velocidade muito superior à do P-51 Mustang, principal caça</p><p>Aliado, e do lendário Spitfire da RAF, que atingia apenas 585</p><p>quilômetros horários. Em uma batalha aérea, o Me-262 tinha</p><p>vantagem de cinco contra um em relação aos aviões americanos e</p><p>britânicos. Outro avião “revolucionário e, realmente, futurístico”</p><p>foi o Messerschmitt Me-163, o “cometa”.339 Em mãos norte-</p><p>americanas, versões baseadas nele atingiram a barreira do som,</p><p>como o Bell X-1, em 1947. O mesmo ocorreu com o Horten H IX</p><p>(ou Horten Ho-229), que nos Estados Unidos teria versões como o</p><p>B-2 Spirit (construído mais de quarenta anos depois).</p><p>Havia ainda pesquisas sobre bombardeiros de longo alcance e</p><p>bombas de precisão, como a Fritz X, mas com as rampas de</p><p>lançamento, as fábricas e os centros de pesquisa sendo</p><p>bombardeados, as “armas maravilhosas” de Hitler não mudaram os</p><p>rumos da guerra e da Alemanha. Mas mudaram os rumos da</p><p>humanidade. Com o fim da guerra na Europa, o major William</p><p>Bromley recolheu e despachou para a América toneladas de</p><p>equipamentos que se encontravam em Nordhausen. Wernher von</p><p>Braun, que tinha então apenas 33 anos de idade, foi preso e enviado</p><p>para os Estados Unidos, onde ele pôde escolher uma centena de</p><p>cientistas alemães para trabalhar em Fort Bliss, no Texas. Mais</p><p>tarde, ele ganhou o reforço de 380 cientistas e uma nova base em</p><p>Huntsville, no Alabama. Como diretor da Nasa, Von Braun</p><p>desenvolveu os foguetes Saturno, do Projeto Apolo, que permitiram</p><p>ao homem chegar à Lua, em 1969.</p><p>PROJETO URÂNIO</p><p>Além dos V2, os Aliados tinham outro grande problema com que se</p><p>preocupar: o de que os nazistas pudessem fabricar uma bomba</p><p>atômica antes que o projeto nuclear norte-americano fosse</p><p>concluído. Desde 1942, o general Leslie Groves recebera a missão</p><p>de acelerar as pesquisas que estavam sendo realizadas em Los</p><p>Alamos, no Novo México, sob a direção do físico Robert</p><p>Oppenheimer dentro do Projeto Manhattan.</p><p>Desde 1938, os alemães já sabiam como dividir o núcleo do</p><p>átomo de urânio, a chamada “fissão nuclear”, e trabalhavam em</p><p>um reator empregando água pesada vinda da Noruega. No Projeto</p><p>Urânio trabalhavam o físico Werner Heisenberg, Nobel de Física em</p><p>1932 e líder do projeto; Otto Hahn, Nobel de Química em 1944 e</p><p>autor da descoberta da fissão nuclear junto com Fritz Strassmann;</p><p>Carl von Weizsäcker e outros sete cientistas.</p><p>Com receio de que todo o projeto alemão caísse em mãos russas</p><p>ao final da guerra, Groves organizou uma unidade de inteligência</p><p>denominada Alsos (palavra grega para “bosque”, ou “grove”, em</p><p>inglês), com a missão de entrar na Alemanha e apreender o</p><p>material e os cientistas do projeto. O líder da Alsos era Boris</p><p>Pashkovsky, um dos investigadores anticomunistas que trabalhava</p><p>em Los Alamos. (De uma família de imigrantes, “Pash” era filho do</p><p>chefe da Igreja Ortodoxa Russa nos Estados Unidos.) No final de</p><p>1944, a Alsos descobriu em um laboratório alemão abandonado em</p><p>Estrasburgo, na França, uma série de documentos que deram aos</p><p>norte-americanos pistas sobre o projeto nuclear alemão.</p><p>A indústria química Auer, em Oranienburg, onde o urânio estava</p><p>sendo transformado em metal, foi o primeiro objetivo alcançado.</p><p>Como Oranienburg estava no setor russo de ocupação, Groves</p><p>conseguiu autorização do general Carl Spaatz, comandante da</p><p>Força Aérea Americana na Europa, para que o local fosse</p><p>bombardeado. Groves disse a Spaatz que a indústria Auer fabricava</p><p>“certos metais com características especiais para a produção de</p><p>armas secretas, até hoje não utilizadas”. Em março de 1945, a</p><p>Oitava Força Área destruiu Oranienburg com um pesado ataque de</p><p>mais de 1.300 bombardeios.</p><p>O outro objetivo da Alsos também ficava na zona russa. Na</p><p>fábrica de Stassfurt, próximo a Magdeburg, estava escondida a</p><p>maior parte do urânio nazista que vinha da África. Os alemães</p><p>controlavam as reservas do minério por meio da empresa belga de</p><p>mineração Union Minière, que atuava no Congo. Em abril, a equipe</p><p>da Alsos encontrou mais de mil toneladas de urânio numa mina de</p><p>sal próxima a Stassfurt. Durante três dias, vinte mil barris do</p><p>minério foram transportados até Hannover, a 150 quilômetros de</p><p>distância, na zona britânica, de onde o urânio foi levado à</p><p>Inglaterra. No dia 22, Pash encontrou escondida em uma gruta, em</p><p>Haigerloch, ao sul de Stuttgart, a “máquina de urânio” nazista, o</p><p>protótipo da bomba. Alguns dos físicos estavam escondidos em</p><p>Hechingen e foram presos pela Operação Ípsilon. O chefe do</p><p>projeto, no entanto, só foi capturado em 2 de maio, em Urfeld.</p><p>“Estava esperando o senhor”, Heisenberg disse a Pash.340 Presos, os</p><p>dez principais cientistas alemães que trabalhavam na bomba</p><p>atômica nazista foram levados para Farm Hall, uma casa de campo</p><p>perto de Cambridge, na Inglaterra.</p><p>A versão russa da Alsos encontrou não apenas Nikolaus Riehl, o</p><p>chefe da Companhia Auer, como um estoque de quase cem</p><p>toneladas de óxido de urânio salvo do bombardeio em</p><p>Oranienburg. Mas o maior benefício dos soviéticos foi a extensa</p><p>rede de espiões mantida por Stálin. Ela incluía dois</p><p>cientistas em</p><p>Los Alamos (Klaus Fuchs e Theodore Hall) e David Greenglass. Em</p><p>1950, Fuchs, que recebera a cidadania britânica em 1942, foi</p><p>condenado a quatorze anos de prisão.341 Hall e Greenglass</p><p>escaparam.</p><p>De qualquer forma, apesar do esforço, os nazistas não tinham a</p><p>bomba pronta nem estavam prestes a poder usá-la. Hitler sempre</p><p>dera mais apoio ao projeto dos foguetes, ele não acreditava no</p><p>poder atômico. A gravação das conversas dos físicos alemães em</p><p>Farm Hall revelou a surpresa deles ao serem notificados de que os</p><p>Estados Unidos tinham lançado a bomba em Hiroshima no dia 6 de</p><p>agosto. Um desconfiado Heisenberg disse: “Eu não acredito em</p><p>nenhuma palavra dessa coisa toda.”342</p><p>Os japoneses estavam atrasados em questões tecnológicas. Em</p><p>1942, o país ainda trabalhava no desenvolvimento do radar com</p><p>base em material capturado de dois navios ingleses afundados</p><p>próximo a Cingapura em 1941. Pesquisas recentes, no entanto,</p><p>encontraram documentos que provam que em 1944 o Japão estava</p><p>prestes a construir um equipamento para o enriquecimento de</p><p>urânio, fundamental para a fabricação da bomba atômica. Havia</p><p>dois projetos paralelos: o projeto Nigo Research, do Exército</p><p>japonês, supervisionado pelo físico Yoshio Nishina, no Instituto</p><p>Riken, em Tóquio, e o projeto F Research, da Marinha Imperial,</p><p>chefiado por Bunsaku Arakatsu, físico da Universidade Imperial de</p><p>Kyoto.343 O Japão perdeu a corrida pela bomba e pagou o alto preço</p><p>de ter duas de suas cidades como alvos dos ataques nucleares</p><p>norte-americanos.</p><p>MEDICINA MACABRA</p><p>Se os projetos alemães ligados à área espacial trouxeram algum</p><p>benefício posterior à humanidade, o mesmo não se pode dizer da</p><p>medicina. Pelo menos é difícil de acreditar que tenham trazido.</p><p>Uma ciência macabra envolveu médicos, institutos de pesquisa e</p><p>grandes empresas alemãs.</p><p>Durante a Segunda Guerra, a maioria das indústrias alemãs</p><p>utilizava mão de obra escrava em suas instalações. Foi por isso que</p><p>a IG Farben, um conglomerado da indústria química alemã que</p><p>incluía empresas como AGFA, BASF, Hoechst e Bayer, se interessou</p><p>pelo campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Em 1941, a</p><p>SS construiu o campo anexo de Buna-Werk, que serviu como</p><p>campo de trabalho escravo da companhia na produção de borracha</p><p>sintética. A organização de Himmler recebia quatro Reichsmark por</p><p>dia por escravo fornecido à empresa, que incrivelmente nunca</p><p>conseguiu produzir a “buna”.344 Mas a IG Farben produzia, entre</p><p>outros produtos, o Zyklon B, usado para gasear os judeus nas</p><p>câmaras de gás. Para disfarçar, o produto era transportado em vans</p><p>pintadas com a Cruz Vermelha. (Os alemães eram sarcásticos, para</p><p>dizer o mínimo.) Em Auschwitz também se produzia 15% de todo o</p><p>etanol alemão.345</p><p>Por meio da Bayer, sua divisão farmacêutica, a IG Farben</p><p>também financiou os experimentos em Auschwitz-Birkenau, onde</p><p>trabalhava o capitão Josef Mengele. ‘“Doutor Mengele’ é um nome</p><p>mágico. Só de ouvi-lo todo mundo treme”, relatou o médico</p><p>judeu-romeno Nyiszli Miklos, auxiliar do alemão.346 O “Anjo da</p><p>Morte”, como Mengele ficou conhecido, fez seu doutorado em</p><p>genética no Instituto para Hereditariedade, Biologia e Pureza</p><p>Racial, da Universidade de Frankfurt. Em 1938, Mengele se filiou ao</p><p>partido e um ano depois à SS. Ele fez parte do grupo de intelectuais</p><p>que emprestou seus serviços à “ciência” nazista. Condecorado</p><p>várias vezes durante a guerra, em 1942 ele chegou a Auschwitz, de</p><p>onde enviava “materiais experimentais” (olhos, sangue e outras</p><p>partes do corpo) para o Instituto Kaiser Wilhelm de Antropologia,</p><p>em Berlim. Tudo como parte do estudo sobre especificidade racial e</p><p>tipos sanguíneos.347 Com os prisioneiros do campo a sua</p><p>disposição, Mengele deu livre curso a experiências macabras.</p><p>Tentou desenvolver métodos de esterilização em massa e realizar</p><p>transplantes; também testou soros e drogas em prisioneiros</p><p>cuidadosamente selecionados. Tinha uma coleção de ossadas e</p><p>cálculos de vesículas, mas sua predileção eram os gêmeos.</p><p>Acompanhou partos (antes de enviar mãe e filhos para o</p><p>crematório), dissecou e realizou todos os testes impossíveis para a</p><p>medicina ética. Miklos deixou registrada em detalhes sua atividade</p><p>com Mengele. Após uma dissecação de rotina, sem que o médico</p><p>alemão percebesse, o romeno descobriu uma prática comum em</p><p>Auschwitz: “Não é somente com gás que se mata, mas também</p><p>com injeções de clorofórmio no coração.”348 Para o médico</p><p>romeno, as pesquisas de Mengele não eram mais do que uma</p><p>pseudociência: “A propaganda nazista não hesita em revestir suas</p><p>mentiras mais monstruosas de aparência científica.”349</p><p>Outro médico que estava em Auschwitz a serviço dos nazistas</p><p>era Helmuth Vetter. Empregado na IG Farben, Vetter realizava</p><p>testes com mulheres e acreditava estar no “paraíso”, devido à</p><p>oportunidade de “testar nossos novos preparados” sem ser</p><p>importunado. A companhia solicitou e pagou 170 Reichsmark por</p><p>cada uma das 150 prisioneiras para que o doutor pudesse testar suas</p><p>injeções livremente. Todas morreram, mas os testes continuaram.</p><p>Os médicos dos campos de concentração de Mauthausen e</p><p>Buchenwald, na Alemanha, também realizaram testes</p><p>farmacêuticos com prisioneiros.</p><p>Seja por ignorância ou negação, poucos alemães sabiam o que</p><p>ocorria nos campos de concentração e um número menor ainda</p><p>sabia algo sobre os experimentos médicos realizados em</p><p>Auschwitz, Dachau e outros “centros de pesquisa”. E coisas</p><p>terríveis aconteciam nesses lugares. Em Ravensbrück, noventa mil</p><p>mulheres foram assassinadas por gás ou “indizíveis atos de</p><p>sadismo”. Em Dachau, cerca de 12 mil morreram em decorrência</p><p>de testes e experimentos com cirurgias e amputações.</p><p>A pele de boa qualidade era extraída dos corpos dos prisioneiros</p><p>mortos e tratada para ser usada em “selas, culotes de montaria,</p><p>luvas, pantufas e bolsas femininas”. Em Stutthof, realizavam-se</p><p>experimentos com cadáveres na produção de sabão e couro.</p><p>O historiador militar Antony Beevor escreveu: “A perversão</p><p>grotesca dos deveres médicos sob o nazismo, com o qual muitos</p><p>profissionais proeminentes aquiesceram, é um exemplo</p><p>horripilante de como uma perspectiva de poder quase ilimitado</p><p>pode distorcer o discernimento de pessoas inteligentes.”350</p><p>Perguntado, em 2015, sobre a ação de intelectuais e cientistas no</p><p>Holocausto, o historiador judeu Bernard Wasserstein respondeu</p><p>que “educação formal, infelizmente, não é necessariamente uma</p><p>garantia de iluminação”.351</p><p>O uso de cobaias humanas nos experimentos médicos podia não</p><p>ter justificativa ética, mas tinha uma razão importante para os</p><p>alemães: ajudar a Wehrmacht, principalmente a Luftwaffe e a</p><p>Kriegsmarine a resolver problemas de ordem prática. Soldados,</p><p>aviadores e marinheiros passavam por situações extremas, como</p><p>queimaduras, mudanças bruscas de pressão atmosférica e imersão</p><p>em água gelada. Portanto, estudar essas condições significava a</p><p>vida ou a morte para o exército de Hitler.</p><p>Enquanto Mengele, Vetter e outros, como o professor Karl</p><p>Clauberg, atuavam em Auschwitz, Hans Eppinger e Sigmund</p><p>Rascher atuavam em Dachau, na Alemanha. O doutor Eppinger era</p><p>meio-judeu, mas ainda assim fez testes e experimentos horríveis</p><p>em prisioneiros judeus. Depois da guerra, ele cometeu suicídio</p><p>enquanto aguardava julgamento.352 Os testes de Rascher</p><p>destinavam-se a descobrir como salvar os pilotos da Luftwaffe da</p><p>hipotermia quando derrubados nas águas gélidas do mar do Norte,</p><p>bem como desenvolver cabines pressurizadas para o uso dos pilotos</p><p>alemães em altitudes elevadas. Rascher realizou inúmeros testes</p><p>com prisioneiros submetidos à baixa pressão e também à pressão</p><p>de altitudes de 15 mil metros e apresentou suas “descobertas” em</p><p>um congresso, em 1942. (Para se ter uma ideia, um dos mais</p><p>famosos bombardeiros Aliados, o B-17, tinha o teto máximo de</p><p>10.670 metros, enquanto o He-111 alemão só alcançava 7.800</p><p>metros.)353 O marechal de campo da Luftwaffe Erhard Milch, que</p><p>assim como Eppinger era meio-judeu, inacreditavelmente dava</p><p>especial atenção às “interessantes experiências” que Rascher fazia</p><p>nos escravos judeus. Para alguns cientistas modernos, os dados não</p><p>passaram</p><p>de “fraude científica” com poucas conclusões aceitáveis.</p><p>Para o doutor John Michalczyk, da Universidade de Harvard, essas</p><p>pesquisas não podem “fazer a ciência avançar ou salvar vidas</p><p>humanas”.354 Por outro lado, descartando a ética, há quem acredite</p><p>que as experiências faziam parte do contexto científico da época e</p><p>muitos dados foram aproveitados para pesquisas posteriores.</p><p>O insaciável Rascher também esteve envolvido em uma busca</p><p>pela cura do câncer utilizando o extrato de plantas, mas</p><p>inicialmente só recebeu autorização para testar em camundongos.</p><p>Himmler, no entanto, permitiu que ele realizasse testes em</p><p>prisioneiros e criasse um “Centro para Testes do Câncer Humano”</p><p>em Dachau. (Os nazistas foram os primeiros a reunir dados</p><p>estatísticos rigorosos sobre a relação entre o cigarro e o câncer de</p><p>pulmão.) Outro experimento de Rascher foi quanto ao uso e efeitos</p><p>do Polygal, uma substância feita a partir da pectina que ajuda na</p><p>coagulação do sangue. Prisioneiros do campo receberam pílulas</p><p>com a substância e tiveram membros amputados ou levaram um</p><p>tiro no pescoço para provar a eficácia do medicamento. Rascher</p><p>também publicou os resultados — mas sem mencionar os testes em</p><p>humanos —, criou uma fábrica para produzir o Polygal e colocou os</p><p>prisioneiros para trabalhar nela.355</p><p>Wernher von Braun (com o braço engessado) e um grupo de engenheiros</p><p>alemães, aprisionados pelo Projeto Clipe de Papel, em 1945.</p><p>Rascher foi executado em Dachau, em 1945, mas seu superior,</p><p>não. O doutor Hubertus Strughold, diretor do Instituto de Medicina</p><p>da Aviação da Luftwaffe, passou a trabalhar no Instituto de</p><p>Fisiologia da Universidade de Heidelberg quando a guerra acabou.</p><p>Em 1947, ele foi levado para os Estados Unidos pelo Projeto Clipe</p><p>de Papel. Na América, tornou-se responsável pelo Departamento</p><p>de Medicina Espacial, um importante centro de investigação sobre</p><p>os efeitos fisiológicos e comportamentais no voo espacial, o</p><p>primeiro do tipo no mundo. Apesar de seu passado, Strughold</p><p>nunca foi preso, interrogado ou até mesmo chamado como</p><p>testemunha em qualquer julgamento. O professor Mark Kornbluh</p><p>escreveu que “o programa espacial americano surgiu de um</p><p>verdadeiro paraíso de ex-nazistas” e não deixou de afirmar que “o</p><p>dr. Strughold iniciou na medicina aeronáutica através de</p><p>experimentos macabros realizados em prisioneiros em Dachau”.356</p><p>Pela contribuição às pesquisas de cabine pressurizada, entre outros</p><p>avanços, ele recebeu o título de “Father of Space Medicine”, pai da</p><p>medicina espacial.</p><p>Mengele conseguiu escapar da Alemanha depois da guerra,</p><p>chegou à América e estava vivendo escondido no Brasil na década</p><p>de 1970, mas seu mentor e diretor no Instituto Kaiser Wilhelm, o</p><p>doutor Otmar Freiherr von Verschuer, continuou vivendo como</p><p>respeitado professor de genética na Universidade de Münster.357</p><p>N</p><p>13. OS ALIADOS</p><p>NÃO ERAM HERÓIS</p><p>A Segunda Guerra não teve heróis. Os Exércitos Aliados também</p><p>mataram e bombardearam civis e cidades indefesas, estupraram</p><p>e pilharam. Os crimes de guerra cometidos por americanos,</p><p>ingleses, russos e franceses, no entanto, foram apagados dos</p><p>livros de história.</p><p>o início de 1945, a Segunda Guerra estava chegando ao seu fim</p><p>na Europa. O Terceiro Reich havia entrado em colapso. Os russos</p><p>estavam quase às portas de Berlim, enquanto norte-americanos e</p><p>britânicos cruzavam a fronteira oeste da Alemanha de Hitler. No</p><p>leste, a população civil fugia do avanço do Exército Vermelho. No</p><p>oeste, exércitos inteiros da Wehrmacht cercados rendiam-se aos</p><p>Aliados ocidentais.</p><p>O colapso alemão e a iminência da vitória não impediram que o</p><p>general Dwight Eisenhower, o Comandante Supremo das Forças</p><p>Aliadas na Europa, autorizasse o bombardeio da cidade alemã de</p><p>Dresden, na Saxônia. Churchill também deu amplo apoio. Indefesa</p><p>e sem artilharia antiaérea, a cidade foi arrasada em bombardeios</p><p>sucessivos da RAF e da Força Aérea dos Estados Unidos. Mais de</p><p>2.500 toneladas de bombas explosivas e incendiárias foram</p><p>despejadas nos ataques efetuados por aviões norte-americanos e</p><p>britânicos entre os dias 13 e 15 de fevereiro de 1945.</p><p>Sétima maior cidade da Alemanha, além dos 650 mil habitantes,</p><p>a “Florença do Elba” estava repleta de refugiados do leste</p><p>(trezentos mil, segundo algumas fontes). Ainda que a ordem dada</p><p>aos bombardeiros fosse “atingir o inimigo onde o golpe fosse</p><p>sentido com maior intensidade possível”, a afirmação mais comum</p><p>dada pelos Aliados é de que o número de mortos não foi superior a</p><p>cinquenta mil, tendo sido 25 mil o número mais provável. As</p><p>ligações ferroviárias importantes para a economia alemã e o</p><p>trânsito militar faziam de Dresden um alvo legítimo, foi a</p><p>desculpa.358</p><p>As fontes alemãs da época, por sua vez, estimaram que pelo</p><p>menos 250 mil civis morreram durante os ataques. Números</p><p>estarrecedores, levando-se em conta que as bombas atômicas</p><p>lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki juntas causaram a morte de</p><p>cerca de duzentos mil japoneses. Arthur Harris, marechal do ar e</p><p>responsável pelo Comando de Bombardeios, não mostrou</p><p>preocupação com qualquer civil alemão morto. Insensível à dor,</p><p>quando questionado sobre o ataque, respondeu: “Dresden? Não</p><p>existe um lugar chamado Dresden.”359 Não foi à toa que recebeu a</p><p>alcunha de “açougueiro”.</p><p>Até mesmo a imprensa Aliada denunciou nos jornais a política</p><p>de “bombardear de maneira deliberada grandes centros</p><p>populacionais da Alemanha com o objetivo de causar terror” —</p><p>infligir terror e mostrar aos russos a capacidade e o poderio bélico</p><p>anglo-americano. Mas não só isso. No ano anterior, em 15 de</p><p>setembro, Churchill e Roosevelt haviam aceitado o “Plano</p><p>Morgenthau”, proposto pelo secretário de Estado do Tesouro dos</p><p>Estados Unidos, Henry Morgenthau. Henry era filho de judeus. Os</p><p>dois líderes Aliados queriam destruir o potencial industrial alemão</p><p>e “converter a Alemanha num país essencialmente agrícola e</p><p>rural”.360 Churchill previa que o Império Britânico falido com a</p><p>guerra precisaria de um novo mercado consumidor e astutamente</p><p>garantiu a Roosevelt que a Grã-Bretanha abasteceria a Alemanha</p><p>em larga escala com os produtos necessários.</p><p>Sejam quais forem os números de Dresden, os bombardeios</p><p>Aliados causaram danos enormes à população civil alemã de um</p><p>modo geral. Estimativas conservadoras acreditam que cerca de</p><p>seiscentas mil pessoas morreram e 3,4 milhões de residências</p><p>foram destruídas na Alemanha em decorrência dos ataques</p><p>aéreos.361 O mesmo ocorreu no Japão. Os norte-americanos até hoje</p><p>têm enormes dificuldades em defender a ideia de que as duas</p><p>bombas atômicas lançadas sobre as indefesas cidades japonesas de</p><p>fato visavam encurtar a guerra e poupar vidas aliadas. A ideia de</p><p>testar seu novo e poderoso brinquedo e dar uma demonstração de</p><p>força aos russos parece ser bem mais próxima da realidade. O</p><p>historiador inglês Max Hastings resumiu bem a questão posta sobre</p><p>os ombros do presidente Truman: “A vida de seu próprio povo</p><p>tornara-se muito preciosa, e a dos inimigos, muito barata”.362</p><p>Infelizmente para os japoneses, o navio Indianápolis, que</p><p>transportou a bomba de Hiroshima da costa americana até a base</p><p>de lançamento na ilha de Tinian, foi torpedeado por um submarino</p><p>japonês apenas três dias após ter deixado o artefato de urânio no</p><p>pequeno arquipélago. “Acertamos em cheio!”, gritou o exultante</p><p>comandante do I.58. Tivesse acertado na viagem de ida, Motitsura</p><p>Hashimoto teria salvado a vida de milhares de compatriotas.363</p><p>Desde muito a vida humana havia perdido qualquer valor,</p><p>mesmo para quem supostamente defendia a liberdade. No final de</p><p>janeiro de 1945, o submarino russo S-13, comandado por Aleksandr</p><p>Marinesko, perseguiu e torpedeou o Wilhelm Gustloff, o maior</p><p>navio de cruzeiro da Alemanha, que havia zarpado de Gotenhafen</p><p>(hoje Gdynia, na Polônia) com quase nove mil pessoas a bordo. (O</p><p>relato do sobrevivente e arquivista alemão Heinz Schön eleva esse</p><p>número para 10.582.) Eram refugiados alemães, principalmente</p><p>mulheres e crianças, que a Cruz Vermelha estava levando para</p><p>abrigos na Noruega.364 Poucos escaparam com vida do maior</p><p>desastre naval da história.</p><p>Desde o final</p><p>de 1944, as regiões na costa do Báltico, onde o</p><p>grande navio alemão foi posto a pique, estavam repletas de</p><p>refugiados. Mais de sete milhões de pessoas fugiam do Exército</p><p>Vermelho, a maior migração humana da história moderna. Os</p><p>relatos de atrocidades cometidas contra a população civil, aliados à</p><p>propaganda nazista que durante anos havia apresentado os russos</p><p>como “bárbaros” mongóis ou asiáticos, causavam pânico com o</p><p>avanço soviético. Uma reação de maneira alguma injustificada.</p><p>Quando o Exército Vermelho chegou à pequena aldeia de</p><p>Nemmersdorf, na Prússia Oriental, em menos de 48 horas soldados</p><p>russos estupraram e mataram 72 jovens alemãs, meninas entre oito</p><p>e 12 anos e até uma senhora de 84 anos.365 O general Werner Kreipe,</p><p>chefe do Estado-Maior da Luftwaffe, registrou em seu diário que</p><p>corpos de mulheres e crianças encontravam-se pregados em portas</p><p>de celeiros. Não deve ter sido uma visão nada agradável. Alguns</p><p>jovens recrutas alemães fugiram do local em pânico e</p><p>vomitando.366 Quando os alemães retomaram temporariamente à</p><p>aldeia, a imprensa mundial pôde documentar o ocorrido. E Joseph</p><p>Goebbels pôde usar sua melhor arma — a propaganda — para</p><p>incutir nos civis alemães o medo e a vontade de continuar lutando</p><p>diante da chegada dos invasores vermelhos. A secretária de Hitler,</p><p>Traudl Junge, relatou a reação do Führer: “Eles não são mais seres</p><p>humanos, são animais das estepes da Ásia, e a guerra que travo</p><p>contra eles é uma guerra em nome da dignidade da humanidade</p><p>europeia.”367</p><p>ESTUPROS E OUTRAS ATROCIDADES</p><p>Na Alemanha, no lado Ocidental, conforme o Exército dos EUA</p><p>avançava pelo interior do país, a polícia militar fixava placas na</p><p>entrada das aldeias: “Sem correr, sem pilhar, sem</p><p>confraternizar.”368 Não surtiram o menor efeito. Pelo menos quanto</p><p>a pilhar e confraternizar. Segundo um oficial escocês, o nome</p><p>código para a travessia do Reno não poderia ser melhor: Operação</p><p>Saque. A Alemanha transformara-se no “paraíso do saqueador”.</p><p>Os Exércitos da França e dos EUA também estupraram tantas</p><p>mulheres alemãs quanto puderam. Quando tropas francesas</p><p>oriundas das colônias do Norte da África entraram em Stuttgart,</p><p>estupraram três mil mulheres e pilharam a população local sem que</p><p>pudessem ser controladas. Fizeram o mesmo na Itália.369 “Sempre</p><p>que tomam uma cidade ou uma aldeia, fazem um estupro por</p><p>atacado na população”, escreveu o sargento britânico Norman</p><p>Lewis.370 Nem crianças e velhos foram poupados. “Consta que é</p><p>normal”, escreveu Lewis, “dois marroquinos atacarem uma</p><p>mulher simultaneamente, um numa relação normal enquanto o</p><p>outro pratica sodomia.” Somente na Alemanha, aos soldados</p><p>norte-americanos se atribuem cerca de 190 mil casos de estupros.</p><p>Talvez só os tenham realizado em menor quantidade do que os</p><p>russos em Berlim, onde o número de estupros e consequentes</p><p>suicídios foi assustador — dos 7.057 suicídios cometidos em Berlim</p><p>em 1945, 3.996 eram de mulheres.371</p><p>O historiador militar Antony Beevor revela que só na capital</p><p>alemã entre 95 e 130 mil mulheres teriam sido estupradas e cerca</p><p>de dez mil morreram em consequência dos estupros múltiplos.</p><p>Segundo ele, pelo menos dois milhões de mulheres foram</p><p>estupradas. Das que engravidaram, 90% conseguiram fazer o</p><p>aborto.372</p><p>Dois soldados russos molestam uma alemã. Só em Berlim, mais de 130 mil</p><p>mulheres alemãs foram estupradas por tropas soviéticas em 1945.</p><p>A historiadora e jornalista alemã Miriam Gebhardt calculou, a</p><p>partir de registros da polícia, testemunhos de vítimas e</p><p>documentos paroquiais, que cerca de 860 mil mulheres e meninas</p><p>(e alguns homens) foram estupradas por soldados Aliados na</p><p>Alemanha entre 1944 e 1955.373 “Eu contei: foram oito russos.</p><p>Sim... muito brutais. Mas tenho que dizer que eu não gritei. Gemi,</p><p>sim. Por que nós ouvíamos dizer que após o estupro vinha um tiro</p><p>na nuca. Eu tinha um medo louco disso”, contou Erika Hoerning a</p><p>Gebhardt, que é autora de um livro polêmico sobre o assunto,</p><p>lançado em meio às celebrações dos setenta anos da vitória</p><p>soviética — Als die Soldaten kamen (Quando os soldados chegam).</p><p>Algumas mulheres sofreram mais do que Hoerning. Uma delas</p><p>relatou ter sido estuprada por “vinte e três soldados, um depois do</p><p>outro”, e outra, por 250.374</p><p>Um soldado do Exército Vermelho escreveu para um amigo sobre</p><p>as alemãs: “Não falam uma palavra em russo, o que facilita. Não é</p><p>preciso convencê-las. Basta apontar uma [pistola] Nagan e mandar</p><p>que se deitem. Então você faz o que quer e vai embora.”375 Em uma</p><p>cidade alemã foram encontrados vários corpos de mulheres</p><p>estupradas e mutiladas, cada um com uma garrafa enfiada na</p><p>vagina. Quando o antigo hospital judeu de Wedding, em Berlim, foi</p><p>tomado, ainda restavam seiscentos sobreviventes em péssimas</p><p>condições físicas. Os russos não tiveram dúvidas e estupraram as</p><p>pacientes.376</p><p>O caso mais conhecido de relato talvez seja o de uma editora</p><p>alemã anônima. Ela manteve um diário entre abril e junho de 1945</p><p>cuja versão em livro, Uma mulher em Berlim, virou filme em 2008.</p><p>“Por fim, as duas alavancas de ferro se abrem”, escreveu ela, “lá</p><p>dentro, o povo do porão me encara. Só agora percebo minha</p><p>aparência. As meias pendem sobre os calçados, o cabelo está</p><p>desgrenhado, ainda tenho os pedaços da liga na mão. Eu grito: —</p><p>Seus porcos! Estuprada duas vezes e vocês fecham a porta e me</p><p>deixam atirada como um lixo qualquer!”377 Com pouco mais de</p><p>trinta anos de idade na época, ela obteve a proteção de um oficial</p><p>soviético e conseguiu escapar da série de estupros coletivos e</p><p>sobreviver à guerra.</p><p>Sarcasticamente, depois da guerra um oficial russo declarou que</p><p>“dois milhões de nossos filhos nasceram” na Alemanha.378 Mas não</p><p>só as alemãs eram estupradas pelo Exército Vermelho do camarada</p><p>Stálin. Até mesmo as mulheres russas, bielorrussas e ucranianas</p><p>que trabalhavam como escravas na Alemanha foram violentadas.</p><p>Uma delas, Maria Shapoval, afirmou que aguardava a chegada dos</p><p>russos dia e noite, “esperei minha libertação e agora nossos</p><p>soldados nos tratam pior que os alemães”.379</p><p>No outro lado do globo, os russos também cometeram estupros</p><p>coletivos em mulheres japonesas na Manchúria. As mais de setenta</p><p>enfermeiras do hospital militar em Sun Wu foram abusadas e</p><p>muitas cometeram suicídio. A famosa frase atribuída ao duque de</p><p>Wellington, o vencedor de Napoleão, “Acreditem, nem todos os</p><p>homens que usam uniformes militares são heróis”, nunca foi tão</p><p>verdadeira.</p><p>A ocupação estadunidense do Japão foi menos agressiva do que a</p><p>invasão soviética na Alemanha. Os norte-americanos não tinham</p><p>passado pelos horrores de uma ocupação, como os russos haviam</p><p>passado com os alemães. Nem por isso os GIs, como eram</p><p>chamados os soldados americanos, comportaram-se</p><p>exemplarmente. Somente nos dez primeiros dias da ocupação,</p><p>1.336 casos de estupros aconteceram em Yokohama e em</p><p>Kanagawa.380</p><p>Mas a vida sexual não se limitou a estupros. Em Berlim, as</p><p>mulheres e garotas que circulavam entre os escombros da capital</p><p>arrasada eram chamadas de “ratos das ruínas”. Nas grandes</p><p>cidades, como em Frankfurt, surgiram os “bordeis nas ruínas”,</p><p>onde até meninos se prostituíam.381 Para evitar maiores problemas,</p><p>o governo japonês criou uma “Associação de Recreação e Diversão”</p><p>e recrutou vinte mil jovens para satisfação dos “conquistadores”. O</p><p>número de casamentos e filhos nascidos do encontro casual entre a</p><p>população civil e os soldados também foi um surto.</p><p>ALEMANHA, UM GIGANTESCO SHOPPING CENTER</p><p>Na Europa, roubo e pilhagem não foram cometidos apenas pelos</p><p>alemães, como Hollywood faz parecer. Durante a invasão da</p><p>Alemanha, os soldados dos exércitos Aliados tinham direito legal</p><p>ao butim, como recompensa pelo trabalho e punição aos vencidos.</p><p>Dezenas de milhares de obras de arte, joias, livros e objetos de valor</p><p>foram enviados de diversas partes da Alemanha e da Europa para os</p><p>Estados Unidos pelo correio militar e até hoje fazem parte de</p><p>coleções particulares ou de museus americanos.</p><p>Os russos fizeram o mesmo. Stálin ordenou e a NKVD enviou</p><p>para Moscou milhares de obras de arte em poder dos alemães.</p><p>Durante os primeiros meses de ocupação,</p><p>os soviéticos levaram</p><p>para Moscou quatrocentos mil vagões de trem com butins de</p><p>guerra: mais de sessenta mil pianos, 450 mil aparelhos de rádio,</p><p>188 mil tapetes, 940 mil peças de mobília, um milhão de chapéus e</p><p>3,3 milhões de pares de sapato. Somados a isso, ainda foram</p><p>enviados 24 vagões com peças de museus, 154 vagões com peles e</p><p>vidrarias valiosas, dois milhões de toneladas de cereal e vinte</p><p>milhões de litros de álcool. Do Reichsbank, a NKVD retirou o que os</p><p>nazistas não haviam conseguido levar para o lado ocidental: 2.389</p><p>quilos de ouro e doze toneladas de prata. O historiador russo</p><p>Vladislav Zubok afirmou que “para os soviéticos, a Alemanha era</p><p>um gigantesco shopping center, de onde podiam levar tudo que</p><p>quisessem sem ter de pagar nada”.382 Nem por isso russos e</p><p>americanos carregam o estigma de ladrões de obras de arte. Não</p><p>que os alemães não tenham efetuado roubos. Os irmãos</p><p>Rothschild, por exemplo, tiveram mais de quatro mil objetos e</p><p>obras de arte roubadas pelos nazistas e, até 1945, mais de três</p><p>milhões de peças de toda a Europa foram parar na Alemanha.383</p><p>Mulheres trabalhando na remoção dos escombros de Berlim, em setembro de</p><p>1945.</p><p>Os norte-americanos também extraíram da Alemanha</p><p>laboratórios científicos, documentos sobre material bélico e muitos</p><p>cientistas e técnicos alemães durante o Projeto Clipe de Papel. Os</p><p>Estados Unidos também se interessaram pelo que os japoneses</p><p>estavam desenvolvendo, embora em um grau bem menor do que os</p><p>alemães. O general Shiro Ishii, por exemplo, convenceu os norte-</p><p>americanos da utilidade que suas experiências com cobaias</p><p>humanas realizadas em Harbin teriam para o Exército dos Estados</p><p>Unidos.384 O general Charles Willoughby evitou o julgamento de</p><p>Ishii em nome do “interesse da defesa e da segurança” de seu país e</p><p>o antigo oficial do Exército Kwantung morreu sem pagar pelos</p><p>crimes cometidos em nome da ciência.</p><p>Algumas vantagens caíram de bandeja em mãos norte-</p><p>americanas, uma delas foi o arquivo secreto alemão sobre Stálin.</p><p>Em fins de maio de 1945, ninguém menos do que o próprio general</p><p>Reinhard Gehlen se entregou a uma patrulha Aliada. Gehlen fora o</p><p>responsável pelo Serviço de Informações do Exército alemão na</p><p>Frente Oriental, de 1942 a 1944. Ele não apenas tinha</p><p>conhecimento de tudo sobre a atividade soviética na guerra como</p><p>mantinha guardada toda a documentação do arquivo secreto e de</p><p>uma ampla rede de espiões em Moscou. (Gehlen escondeu o</p><p>arquivo em partes, nas montanhas de Wendelstein e do Hunsrück,</p><p>na região central da Alemanha.) Entregue ao G-2, o serviço de</p><p>inteligência do Exército dos Estados Unidos, ele negociou os</p><p>arquivos e a criação de uma “Organização Gehlen” na Alemanha</p><p>ocupada, que seria responsável pela espionagem contra os</p><p>comunistas russos.385 A organização se tornou o embrião do</p><p>Bundesnachrichtendienst, BND ou Serviço Secreto Alemão, criado</p><p>em 1956. Gehlen e o BND mantiveram estreita ligação com a CIA</p><p>durante a Guerra Fria.</p><p>A operação soviética para o sequestro dos cientistas e dos</p><p>equipamentos alemães foi denominada “Osoaviakhim”. Em menos</p><p>de um ano, até 1946, 2.885 fábricas alemãs foram desmanteladas e</p><p>montadas na Rússia, e mais de dois mil engenheiros, técnicos e</p><p>cientistas de vários setores da indústria foram enviados para</p><p>Moscou e os novos centros de pesquisa da URSS.</p><p>Ao final da guerra, 3,6 milhões de civis alemães haviam morrido.</p><p>A economia do país vivia o caos. Não havia produção ou</p><p>distribuição organizada. Tudo o que poderia ser aproveitado foi</p><p>destruído ou estava sendo requisitado pelos países vencedores. A</p><p>Alemanha encontrava-se em estado de calamidade e os alemães</p><p>precisavam ser alimentados pelo esforço conjunto das forças de</p><p>ocupação. Em Berlim, foi preciso importar até mesmo o básico:</p><p>farinha, batata e carvão. O gado não tinha comida ou água. Em</p><p>julho de 1945, de seu quartel-general em Karlshorst, o marechal</p><p>Georgy Zhukov, Comandante Supremo Soviético, declarou aos</p><p>comandantes britânico e americano: “A Alemanha não existe”.386</p><p>Os Aliados construíram no pós-guerra a ideia de que a Segunda</p><p>Guerra havia sido um confronto entre heróis e vilões (os Aliados</p><p>contra o Eixo), mas o complexo conflito humano esteve muito</p><p>longe dessa simplicidade dualista. Os bombardeios sistemáticos às</p><p>cidades indefesas, os roubos e os estupros coletivos são exemplos</p><p>das muitas atrocidades cometidas em nome da “liberdade”. Da</p><p>mesma forma que o Eixo Berlim-Roma-Tóquio, os Aliados tinham</p><p>interesses na expansão de um império político-econômico na</p><p>Europa e na Ásia. Hastings escreveu que é uma ironia “que a Grã-</p><p>Bretanha, enquanto lutava contra o Eixo em nome da liberdade,</p><p>governava impiedosamente para manter o controle da Índia, sem</p><p>consentimento popular, e adotava alguns métodos de</p><p>totalitarismo”.387</p><p>A Segunda Guerra foi, sem sombra de dúvida, o maior conflito</p><p>militar da história. E ainda que oficialmente se registre como tendo</p><p>ocorrido entre 1939 e 1945, ela começou bem antes e terminou</p><p>muito tempo depois. Mesmo que motivo de discussões, hoje é</p><p>quase consenso entre os historiadores e pesquisadores que o que se</p><p>denomina Segunda Guerra na verdade fez parte de um grande</p><p>conflito que se estendeu por quase todo o século XX. Ou, em</p><p>definição melhor, conforme Hobsbawm, foi uma “guerra</p><p>interimperialista”.388 Apenas uma coisa é certa: o período entre</p><p>1939 e 1945 foi o mais cruel e devastador da história da</p><p>humanidade. E sem heróis.389</p><p>E</p><p>14. HITLER (NÃO) MORREU NO BUNKER!</p><p>Oficialmente, Hitler teria cometido suicídio em abril de 1945, mas</p><p>até hoje a fuga do Führer está no topo das teorias de conspiração.</p><p>Hitler teria passado seus últimos dias no Brasil, na Argentina e</p><p>até mesmo na África, longe das vistas dos Aliados.</p><p>m janeiro de 2014, uma dissertação de mestrado em jornalismo</p><p>pela Universidade Federal do Mato Grosso causou espanto em</p><p>jornais de todo o mundo: a brasileira Simoni Renée Guerreiro Dias</p><p>teria encontrado provas de que Hitler viveu no Brasil até os 95 anos,</p><p>morrendo em 1984 na pequena cidade de Nossa Senhora do</p><p>Livramento, a 42 quilômetros de Cuiabá. Usando nomes falsos</p><p>como “Adolfo Leipzig” ou “Adolfo Sopping” e conhecido pela</p><p>população local como “Alemão Velho”, Hitler teria inclusive</p><p>casado com uma mulher negra conhecida como “Cutinga”.390</p><p>Por mais absurda que possa parecer, a história apresentada por</p><p>Dias não foi a primeira e muito provavelmente não será a última a</p><p>fazer parte do acervo que compõe o quase infinito arquivo mundial</p><p>de teorias sobre a fuga de Hitler de uma Berlim cercada pelo</p><p>Exército Vermelho ou qualquer outra novidade sobre o líder</p><p>nazista. E é fácil entender: elas rendem milhões de dólares</p><p>anualmente em reportagens de jornais, revistas, livros e programas</p><p>de TV.</p><p>Apesar de despertar curiosidade e interesse público, boa parte</p><p>delas não passa mesmo de sensacionalismo. Em 1983, o jornalista</p><p>Gerd Heidemann, da revista alemã Stern, noticiou ao mundo que</p><p>havia encontrado os “Diários de Hitler”.391 Eram mais de sessenta</p><p>diários supostamente escritos pelo ditador entre junho de 1932 e</p><p>abril de 1945. Um achado monumental acompanhado por jornais e</p><p>TV de todo o mundo. Pressionada pela opinião pública e por um</p><p>grande número de importantes historiadores, a revista permitiu</p><p>que os documentos fossem analisados por um grupo de</p><p>especialistas. Os peritos constataram, no entanto, que os papéis</p><p>não correspondiam à época de Hitler, a caligrafia fora falsificada, os</p><p>lacres eram falsos e o monograna na capa de alguns dos diários</p><p>continha um erro grosseiro — “FA” em vez de “AH”. Logo se</p><p>descobriu o autor da farsa: Konrad Kujau, um antiquário de</p><p>Dresden. A Stern havia pagado quase quatro milhões de dólares por</p><p>uma falsificação.</p><p>HITLER MORREU NO BUNKER!</p><p>Hitler chegou a Berlim em 16 de janeiro de 1945, quando os russos</p><p>haviam lançado a ofensiva final contra a Alemanha com o objetivo</p><p>de capturar a capital nazista antes dos Aliados ocidentais. No final</p><p>de abril, o centro da cidade estava cercado pelos exércitos do</p><p>marechal Zhukov, e Hitler entrincheirado no Führerbunker.</p><p>Construído sob o jardim da Chancelaria, o bunker do Führer</p><p>Distribuição Conjunta. Na</p><p>Espanha, os judeus de origem sefaradita tiveram permissão para</p><p>tirar passaporte espanhol, o que, somente na Hungria, salvou 23</p><p>mil vidas. Mas o ditador espanhol Francisco Franco, que recebera</p><p>apoio de Hitler para vencer a Guerra Civil na Espanha (1936-1939),</p><p>provavelmente não o fez por caridade. Os ingleses pagaram</p><p>milhões de dólares aos generais espanhóis em um suborno</p><p>gigantesco para manter a Espanha neutra na guerra.22</p><p>A Suécia, outro país neutro, também facilitava muito a vida dos</p><p>alemães. Segundo o subsecretário para Assuntos Econômicos dos</p><p>Estados Unidos, Stuart Eizenstat, o país não apenas forneceu à</p><p>Alemanha suprimentos de guerra vitais (como minério de ferro e</p><p>esferas para rolamentos), como permitiu trânsito livre em seu</p><p>território para que os alemães pudessem chegar à Finlândia a fim</p><p>de lutar contra as forças de ocupação soviéticas (facilitando a</p><p>ocupação da Noruega), além de receber “quantidades substanciais</p><p>de ouro pilhado”.23 Até 1943, quando os Aliados interromperam os</p><p>transportes de minérios e tropas, os suecos já haviam autorizado</p><p>mais de 250 mil viagens alemãs.</p><p>A Suécia negociava com os dois lados, fornecendo equipamentos</p><p>necessários à construção tanto dos foguetes V2 alemães quanto do</p><p>avião Mosquito inglês. Em 1943, o país havia exportado para a</p><p>Alemanha não menos que 9,5 milhões de toneladas de minério de</p><p>ferro. Quando os suprimentos foram finalmente cortados, em</p><p>novembro do ano seguinte, mais sete toneladas do ferro sueco</p><p>haviam chegado aos portos da Alemanha. Em 1944, na Bélgica, os</p><p>Aliados encontraram nos estilhaços das bombas alemãs a inscrição</p><p>“Made in Sweden”.</p><p>Ao final da guerra, o governo sueco devolveu às organizações</p><p>internacionais de ajuda cerca de 14 toneladas de ouro roubado e</p><p>mais noventa bilhões em títulos, que os alemães mantinham na</p><p>Suécia, que foram usados na reconstrução das cidades devastadas.</p><p>No entanto, outras 7,5 toneladas de “ouro suspeito” permaneceram</p><p>em Estocolmo.24</p><p>Até 1941, os Estados Unidos não se envolveram diretamente com</p><p>a guerra na Europa e na Ásia. Mas a tão falada “neutralidade”</p><p>norte-americana rendeu muitos frutos. O programa de empréstimo</p><p>e arrendamentos, o Lend-Lease, criado para fornecer armas e</p><p>outros suprimentos para Grã-Bretanha, União Soviética e outros</p><p>aliados elevou a produção a níveis inimagináveis antes da guerra. A</p><p>indústria norte-americana cresceu assustadoramente. Quando, em</p><p>6 de janeiro de 1941, Roosevelt se dirigiu ao Congresso, afirmando</p><p>que os Estados Unidos deveriam “ser o grande arsenal da</p><p>democracia”, ele não estava falando por parábolas.25</p><p>Os números comprovam a previsão do presidente. Em 1939,</p><p>apenas 29 estaleiros trabalhavam para a Marinha, três anos depois</p><p>eram 322. Até 1945, mais de cem mil navios de vários tamanhos</p><p>foram entregues. Os britânicos compravam 47% dos blindados e</p><p>carros de combate e 60% dos aviões de transporte. Em 1945, dos</p><p>mais de 665 mil veículos do Exército Vermelho, 427 mil haviam</p><p>sido enviados pelos Estados Unidos. Metade das botas usadas pelos</p><p>soviéticos também era do Lend-Lease americano. Ainda foram</p><p>entregues dois mil trens, 15 mil aviões, 247 mil telefones de</p><p>campanha e cerca de quatro milhões de rodas de veículos.</p><p>A Coca-Cola, um dos grandes expoentes do “american way of</p><p>life”, o modo de vida norte-americano, estabeleceu 44 fábricas em</p><p>áreas de combate, alcançando 95% dos refrigerantes</p><p>comercializados em quartéis. Quando Roosevelt baixou os</p><p>impostos e incentivou a indústria, apresentando um gigantesco</p><p>mercado necessitado de quase tudo, os empresários entraram na</p><p>guerra antes mesmo que os japoneses os obrigassem. O</p><p>desemprego caiu de 5,5 milhões em 1939 para 670 mil em 1944. A</p><p>renda média no país também cresceu, agricultores e criadores no</p><p>interior dos Estados Unidos aumentaram seus lucros em 156%.26</p><p>O sucesso do New Deal de Roosevelt, o plano econômico que</p><p>tinha como objetivo tirar o país da gigantesca crise financeira na</p><p>década de 1930, foi consolidado com a Segunda Guerra. Ainda que</p><p>de natureza político-militar, a Segunda Guerra também foi uma</p><p>guerra de convenções e interesses geopolíticos sem precedentes.</p><p>É</p><p>2. HITLER, O LOBO</p><p>Hitler era vegetariano, abstêmio, amante dos cães e cordial e</p><p>extremamente atencioso com as mulheres. Leitor voraz, mas</p><p>também um artista frustrado; megalomaníaco, flatulento e</p><p>viciado em drogas. Sua política racial desencadeou um dos</p><p>maiores genocídios da história da humanidade e sua orientação</p><p>sexual ainda é motivo de acalorados debates.</p><p>muito provável que, se tivesse morrido em 1938, Hitler teria</p><p>passado para a História como um dos grandes personagens</p><p>políticos da Alemanha e da Europa. Afinal, apesar do militarismo e</p><p>de seu antissemitismo visceral, assumira o poder de forma</p><p>(aparentemente) legítima em uma ascensão quase meteórica. De</p><p>sua fracassada tentativa de golpe — o Putsch de 1923, na Baviera — à</p><p>liderança do país se passaram menos de dez anos.</p><p>Nesse ínterim, ele esteve preso, escreveu e publicou, em 1925,</p><p>sua autobiografia de título pomposo e texto antissemita Viereinhalb</p><p>Jahre des Kampfes gegen Lüge, Dummheit und Feigheit (Quatro</p><p>anos e meio de luta contra mentiras, estupidez e covardia),</p><p>abreviado para Mein Kampf, Minha Luta, o título pelo qual passou</p><p>para a História. Espécie de relato biográfico autopromocional e</p><p>manifesto político de ideias racistas, o livro de 650 páginas que se</p><p>tornou a bíblia nazista, vendeu mais de 12 milhões de exemplares</p><p>até o final da Segunda Guerra — a maioria comercializada depois de</p><p>1933, quando ele se tornou chanceler. O escritor George Orwell,</p><p>escrevendo sobre o livro, afirmou que Hitler ofereceu “luta, perigo</p><p>e morte” e ainda assim uma nação inteira se jogou aos seus pés.27</p><p>Na verdade, poucos estavam inclinados a acreditar que ele</p><p>realmente eliminaria judeus e tentaria destruir a Rússia soviética</p><p>como descrito no Mein Kampf.</p><p>O nazismo recebeu apoio da imensa massa trabalhadora</p><p>desempregada com a crise econômica da década posterior à</p><p>Primeira Guerra. (Ainda que hoje os partidos de esquerda rejeitem</p><p>categoricamente, na época, industriais e banqueiros alemães</p><p>acreditavam mesmo que o NSDAP — Nationalsozialistische</p><p>Deutsche Arbeiterpartei [Partido Nacional Socialista dos</p><p>Trabalhadores Alemães] — era “excessivamente ‘socialista’”.)28 E,</p><p>conforme escreveu o historiador britânico Martin Kitchen, a</p><p>Alemanha nazista foi tão horrível que poucos encontraram algo de</p><p>positivo nela.29</p><p>Mas os números conhecidos hoje, assim como na época, não</p><p>deixam dúvidas. Em meados da década de 1920, a taxa de</p><p>desemprego na Alemanha chegava a 44%. Era mais fácil usar o</p><p>dinheiro para alimentar o fogo no inverno do que comprar lenha.</p><p>Para comprar um pão, era preciso encher um carrinho de mão com</p><p>marcos alemães. Hitler conseguiu mudar radicalmente o panorama</p><p>econômico. Na década de 1930, enquanto a média de desemprego</p><p>na Europa ainda girava em torno de 20% (na Grã-Bretanha era de</p><p>17%), a Alemanha nazista foi o único país a eliminar o desemprego.</p><p>A produção industrial do país em 1938 cresceu 25% em relação a</p><p>1929.30 Inegavelmente a economia alemã havia encontrado</p><p>crescimento e prosperidade, motivo que permitiu a Hitler controlar</p><p>quase sem resistência a opinião pública alemã diante da</p><p>perseguição aos judeus.</p><p>HITLER, JUDEU?</p><p>O suposto avô judeu de Hitler sempre esteve entre os enigmas</p><p>favoritos dos adeptos das teorias da conspiração, frequentemente</p><p>aparecendo nos noticiários e causando sensacionalismo. Alois, o</p><p>pai de Hitler, nasceu em 1837 em Döllersheim, no Império Austro-</p><p>Húngaro, filho de mãe solteira, a criada Maria Anna Schicklgruber.</p><p>O registro de nascimento não informou quem era o pai do menino.</p><p>Anos depois, Maria Anna casou-se com Johann Georg Hiedler e</p><p>confiou a criação do filho a um irmão do esposo, Johann Nepomuk</p><p>Hüttler. (As grafias dos sobrenomes nessa época realmente não</p><p>tinham padrão, assim, Hiedler, Hidler ou Hüttler têm a mesma</p><p>origem. Fest apontou para uma “origem tcheca”: Hidlar ou</p><p>Hidlareck.)31</p><p>Quem seria o avô de Hitler, então? Uma versão antiga da família,</p><p>e levantada diante do tribunal</p><p>era</p><p>composto de 12 cômodos no andar superior (onde ficavam a</p><p>cozinha, o quadro elétrico e os empregados) e outros vinte no nível</p><p>inferior, onde se localizavam os quartos de alguns oficiais e líderes</p><p>nazistas e de Eva Braun, escritórios e seis salas destinadas ao uso de</p><p>Hitler. Mesmo que totalmente seguro e à prova de bombardeios, o</p><p>bunker era deprimente e lúgubre. Joachim Fest escreveu que “essa</p><p>última paragem feita de concreto, de silêncio e de luz elétrica</p><p>exprimia bem a natureza de Hitler, seu isolamento e o caráter</p><p>artificial de sua existência”.392</p><p>Aprisionado em seu próprio mundo e com a Alemanha</p><p>desmoronando ao seu redor, no final de abril, com os russos às</p><p>portas da Chancelaria, havia chegado a hora do ato final. Ian</p><p>Kershaw escreveu que “desprovido de energia construtiva e</p><p>criativa, e articulando apenas uma ânsia cada vez mais selvagem de</p><p>destruir, o fim mais provável do poder de Hitler era, portanto, o</p><p>que de fato acabou se verificando: uma bala na cabeça”.393</p><p>Hitler tinha um medo extremo de ser “exibido no zoológico de</p><p>Moscou” se capturado vivo pelos russos. Quando soube que</p><p>Mussolini e a amante haviam sido capturados por partigiani</p><p>italianos, executados e expostos pendurados de cabeça para baixo</p><p>como porcos num açougue em Milão, Hitler ordenou a seus</p><p>assistentes que, após o suicídio, seu corpo fosse queimado para</p><p>evitar a identificação. O suicídio havia se tornado algo comum na</p><p>Berlim de 1945, não menos do que 3.881 pessoas se mataram</p><p>durante a batalha pela capital.394</p><p>Com a Chancelaria acima do Führerbunker sob o fogo da</p><p>artilharia soviética, às quatro horas da madrugada do dia 29 de</p><p>abril, Hitler finalmente oficializou seu casamento com Eva Braun.</p><p>No dia seguinte, às duas horas da tarde, o ditador nazista fez a</p><p>última refeição na presença de sua cozinheira e das secretárias e</p><p>decidiu que chegara a hora de acabar com a própria vida. Fez uma</p><p>despedida rápida a seu séquito, que ainda tentou persuadi-lo a</p><p>fugir. Por volta das três e meia, os recém-casados entraram no</p><p>quarto e cometeram suicídio. Ele atirou na cabeça com uma pistola</p><p>Walther, calibre 7.65mm; os relatos divergem se na boca ou na</p><p>têmpora. Eva ingeriu cianeto de hidrogênio, um veneno poderoso</p><p>armazenado em ampolas e muito usado entre os militares alemães.</p><p>Como o Führer ordenara, os corpos foram então levados para o</p><p>jardim da Chancelaria onde dez galões de gasolina transformaram</p><p>os cadáveres de Hitler e Eva em uma pira de fogo.</p><p>A secretária Traudl Junge, para quem o líder nazista ditara seu</p><p>testamento pessoal e político horas antes, lamentou que, depois de</p><p>tanto desespero e tanto sofrimento, Hitler não dissera nenhuma</p><p>palavra de tristeza ou de compaixão. “Lembro-me de pensar, ele</p><p>não nos deixa com nada. Um nada.”395 Depois de tocar o</p><p>Crepúsculo dos Deuses, de Wagner, por várias horas, a rádio alemã</p><p>transmitindo de Hamburgo anunciou que o Führer tombara “à</p><p>frente dos heroicos defensores da capital do Reich” na luta contra o</p><p>bolchevismo. A maioria dos alemães recebeu a notícia com</p><p>indiferença.396 Descobriram muito tarde que as promessas de glória</p><p>trariam destruição e morte.</p><p>Com Hitler morto, os demais integrantes do bunker começaram</p><p>a fugir. Os generais Hans Krebs e Wilhelm Burgdorf cometeram</p><p>suicídio. Os Goebbels envenenaram os seis filhos (com idades entre</p><p>cinco e 13 anos) e também se mataram. Os corpos do casal também</p><p>foram incinerados.</p><p>Em 2 de maio de 1945, o general Helmuth Weidling, comandante</p><p>militar de Berlim, rendeu-se ao marechal Zhukov, e as tropas do</p><p>coronel-general Nikolai Berzarin, do 5º Exército de Choque,</p><p>ocuparam a Chancelaria. Naquele mesmo dia, o tenente-coronel</p><p>Ivan Klimenko, oficialmente o primeiro a entrar no Führerbunker</p><p>(o “covil da besta fascista”), considerado por isso o “herói da União</p><p>Soviética”, encontrou os corpos carbonizados do casal Goebbels</p><p>próximo à entrada do bunker. Os corpos dos filhos de Goebbels só</p><p>foram encontrados no dia seguinte, quando os russos também</p><p>encontraram o de um sósia de Hitler. As meias remendadas</p><p>descartaram a possibilidade de ser o Führer; mas, afoitos para</p><p>exibir o que seria um troféu, expuseram o morto no hall da</p><p>Chancelaria e o fotografaram. Os oficiais que divulgaram os</p><p>achados foram punidos.</p><p>Soldado soviético dentro do Führerbunker.</p><p>A versão alemã sobre a entrada dos russos no bunker é diferente</p><p>e menos heroica. O técnico mecânico Johannes Hentschel, que</p><p>havia permanecido no local mesmo depois da debandada dos</p><p>líderes nazistas, relatou que um grupo de enfermeiras do Exército</p><p>Vermelho entrou antes de Klimenko. Não procuravam Hitler, mas</p><p>Eva. Ou pelo menos o quarto dela. Segundo Hentschel, saíram com</p><p>sacos e sacolas cheias de roupas, peças de lingerie e uma dúzia de</p><p>sutiãs.397</p><p>Soldados soviéticos apontam o local onde teriam encontrado o corpo de Hitler.</p><p>O corpo de Hitler não foi encontrado e Stálin ordenou que um</p><p>destacamento da SMERSH ligado ao 3º Exército de Choque</p><p>investigasse o caso. O bunker foi lacrado e até mesmo o marechal</p><p>Zhukov foi impedido de entrar. As buscas por Hitler continuaram</p><p>nos dias seguintes e não menos do que quinze mortos foram</p><p>encontrados no perímetro da Chancelaria. Em 5 de maio, próximo</p><p>à saída do Führerbunker, enquanto revirava uma cratera de bomba,</p><p>o soldado Ivan Churakov encontrou o que seriam os corpos de</p><p>Hitler e Eva Braun. “Camarada tenente-coronel! Há pernas aqui!”,</p><p>exclamou o soldado do 79º Corpo de Carabineiros. Churakov e</p><p>Klimenko desenterraram dois corpos carbonizados cobertos por</p><p>uma fina camada de terra, encontrando ainda os de dois cães</p><p>(depois confirmados como sendo Blondi e Wolf, os cães de Hitler e</p><p>Eva).</p><p>No dia 7 de maio, os corpos dos filhos de Goebbels foram</p><p>reconhecidos pelo vice-almirante Hans-Erich Voss e autopsiados</p><p>em um hospital de campo em Buch, Pankow, um bairro a nordeste</p><p>de Berlim. A equipe de legistas era liderada pelo tenente-coronel e</p><p>doutor Faust Iosifovitch Shkaravski e também realizou exames nos</p><p>cães. A autópsia nos corpos de Hitler e Eva Braun foi realizada em 8</p><p>de maio de 1945 e nos do casal Goebbels no dia seguinte.398</p><p>Conforme o relatório assinado por Shkaravski, o então suposto</p><p>corpo de Hitler foi encontrado carbonizado, completamente</p><p>“desfigurado pelo fogo”. Foi possível identificar restos de uma</p><p>malha amarela e de uma camiseta de tricô, mas o cadáver não tinha</p><p>as costelas do lado direito, partes do crânio e o pé esquerdo.399 O</p><p>tórax estava completamente destruído, assim como a maior parte</p><p>dos braços. O testículo esquerdo também não foi encontrado (a</p><p>criptorquia foi confirmada por Fleischmann, em 2010, mas no lado</p><p>direito). Tal era a situação que a identificação só poderia ser feita</p><p>por meio das coroas e próteses dentárias encontradas em bom</p><p>estado. O corpo de Eva não estava em melhores condições. O</p><p>“cheiro de amêndoas amargas”, característico do cianeto, no</p><p>entanto, estava presente em ambos os cadáveres. O relatório não</p><p>conseguiu identificar o uso de armas de fogo.</p><p>Guardados em uma caixa de cetim vermelho, “do tipo usado</p><p>para joias baratas”, os dentes de Hitler foram entregues aos</p><p>cuidados de Elena Rzhevskaya, que trabalhava como intérprete</p><p>para a SMERSH. Ela passou a noite do dia 8 de maio, o dia da</p><p>rendição incondicional da Alemanha, servindo bebidas aos</p><p>soldados com a caixa debaixo do braço. Procurando evidências que</p><p>confirmassem as suspeitas de que os corpos eram de Hitler e Eva</p><p>Braun, os russos chegaram a Kathe Heusermann, assistente de</p><p>Hugo Blaschke, o dentista de Hitler. Heusermann levou os</p><p>investigadores ao escritório de Blaschke na Chancelaria, onde</p><p>foram encontradas radiografias da arcada dentária e também coroas</p><p>de ouro preparadas para o uso do Führer. Em seguida, o protético</p><p>Fritz Echtmann, que havia confeccionado as coroas dentárias, foi</p><p>encontrado. Heusermann e Echtmann confirmaram que os dentes,</p><p>sem a menor dúvida, eram de Hitler.400</p><p>Stálin proibiu qualquer menção à descoberta dos corpos. Nem o</p><p>coronel-general Berzarin, nem o marechal Zhukov ficaram a par.</p><p>Segundo Beevor, quando décadas mais tarde Zhukov ficou sabendo</p><p>a verdade sobre Hitler, sentiu-se “profundamente</p><p>traído”.401</p><p>Enquanto isso, a revista norte-americana Time, em edição de 7 de</p><p>maio de 1945, publicava na capa o retrato de Hitler atravessado por</p><p>um “X” em vermelho-sangue e uma reportagem sobre a fuga por</p><p>um túnel secreto.402</p><p>Beria, o chefe da NKVD, foi enviado de Moscou para</p><p>acompanhar o desenrolar dos fatos. No final de maio, o relatório da</p><p>SMERSH informando sobre o “suicídio por ingestão de compostos</p><p>de cianeto” entregue a Stálin foi descartado pelo líder soviético. (A</p><p>autópsia não conseguiu confirmar o tiro, provavelmente pelo</p><p>estado do cadáver, mas o sangue no sofá do quarto do bunker, os</p><p>relatos e as investigações posteriores confirmam que Hitler pode ter</p><p>se dado um tiro ao mesmo tempo em que mordera a ampola de</p><p>cianeto.) Stálin passou a afirmar que o Führer estava vivo e</p><p>escondido em algum lugar! No Japão ou na Argentina, onde teria</p><p>chegado após passar pela Espanha de Franco. Desde que Zhukov</p><p>lhe informara, em 1º de maio, que a rádio alemã anunciara a morte</p><p>de Hitler, Stálin não queria acreditar na possibilidade. “Então, a</p><p>besta escapou de nós!”, exclamara.</p><p>Stálin dera início à Operatsiya Mif, a “Operação Mito”, uma</p><p>campanha de desinformação que visava manter vivo o perigo da</p><p>ameaça nazista. Em julho, durante a Conferência de Potsdam,</p><p>Stálin alimentou as incertezas de seus aliados quanto ao destino do</p><p>líder alemão informando ao presidente Harry Truman que</p><p>“nenhum sinal dos restos mortais de Hitler” ou prova conclusiva</p><p>de sua morte fora encontrada. O historiador britânico Michael</p><p>Dobbs definiu a operação como “uma fantástica teia de</p><p>mentiras”.403 Rzhevskaya justificou a política adotada pelos</p><p>soviéticos: “O sistema de Stálin necessitava da presença de</p><p>inimigos tanto externos quando internos.”404</p><p>Alguns anos depois da morte do líder soviético, em 25 de</p><p>fevereiro de 1956, a Corte Federal da Alemanha Ocidental</p><p>finalmente emitiu uma certidão oficial de óbito concluindo que</p><p>“não há mais dúvidas de que no dia 30 de abril de 1945 Adolf Hitler</p><p>pôs fim a sua vida”.405</p><p>Os maxilares que haviam ajudado na identificação do corpo de</p><p>Hitler foram enviados a Moscou onde permaneceram sob a</p><p>proteção da SMERSH, enquanto os restos do crânio ficaram aos</p><p>cuidados da NKVD (depois KGB). O restante do corpo foi sepultado</p><p>em Finow e depois em Rathenow, próximo a Brandenburg. Em</p><p>fevereiro de 1946, foi exumado mais uma vez e enviado para um</p><p>campo do exército em Magdeburg, na Alemanha Oriental. Em</p><p>1970, quando o governo alemão decidiu tomar posse do local, o</p><p>Politburo do Partido Comunista da União Soviética resolveu dar um</p><p>fim a tudo “com o máximo sigilo”. Segundo relatório da Operação</p><p>Arquivo, em 5 de abril a KGB desenterrou a “massa gelatinosa” que</p><p>sobrara de Hitler, Eva e seus dois cães. Yuri Andropov ordenou</p><p>então que os restos fossem queimados e as cinzas misturadas às de</p><p>carvão foram jogadas na rede de esgotos que dava no Bideriz, um</p><p>afluente do rio Elba.406</p><p>Os assessores pessoais e guarda-costas de Hitler, Günsche,</p><p>Schaub e Linge, seu motorista, piloto e médico particular, Kempka,</p><p>Baur e Morell, foram todos presos pelos russos ou americanos. As</p><p>secretárias particulares e estenógrafas Wolf, Christian, Schröder e</p><p>Junge foram colocadas sob custódia. Speer, Göring, Hess e todos os</p><p>outros “faisões dourados” do Partido Nazista caíram prisioneiros ou</p><p>se entregaram aos Aliados (com exceção de Himmler e Goebbels,</p><p>que haviam cometido suicídio). O Alto-Comando da Wehrmacht</p><p>também foi todo aprisionado. Bormann foi o único dos importantes</p><p>líderes nazistas a ter o fim colocado sob suspeita (ainda que os</p><p>relatos de 1945 já apontassem para sua morte durante a fuga do</p><p>bunker). Provavelmente a única pessoa do círculo mais próximo de</p><p>Hitler a desaparecer sem deixar rastros foi sua jovem cozinheira</p><p>Manziarly; vista pela última vez tentando fugir dos russos.</p><p>Com algumas diferenças de relato, todos que escreveram suas</p><p>memórias relataram o suicídio de Hitler e Eva Braun. Importantes</p><p>historiadores da Segunda Guerra e biógrafos de Hitler, como Hugh</p><p>Trevor-Roper (que também era espião do SIS e foi o primeiro a</p><p>publicar material sobre os “últimos dias de Hitler”), Fest, Hastings,</p><p>Beevor e Kershaw, são unânimes em afirmar que Hitler se matou no</p><p>Führerbunker. Diversos outros historiadores alemães têm a mesma</p><p>opinião. Para além da confirmação dos relatórios médicos e relatos</p><p>pessoais, é difícil acreditar que um sexagenário doente como o</p><p>Führer (provavelmente com mal de Parkinson, esquizofrênico e</p><p>dependente de drogas) tivesse condições de fugir quando outros</p><p>não conseguiram, principalmente porque Hitler estaria sem a ajuda</p><p>daqueles em quem mais confiava. A multiplicidade de relatos pode</p><p>ter gerado a desconfiança. Fest escreveu que, com a queda da</p><p>Chancelaria, teve início uma “encenação confusa com ocasionais</p><p>toques burlescos, que não só enganou o mundo durante muito</p><p>tempo, bem como manteve Hitler ilusoriamente vivo”.407 A</p><p>Operação Mito de Stálin fez o resto.</p><p>TEORIAS DE CONSPIRAÇÃO</p><p>Dois anos depois do final da guerra, o húngaro Ladislao Szabo</p><p>publicava na Argentina o livro Hitler está vivo. Szabo inaugurava</p><p>uma série sem fim de livros a respeito. Seguindo a ideia lançada por</p><p>Stálin e que a própria revista Time ajudara a divulgar, Hitler não</p><p>teria cometido suicídio, mas teria sido levado secretamente para o</p><p>Hemisfério Sul por um comboio de submarinos alemães.</p><p>Na década de 1960, o mito ainda continuava vivo. Em 1967,</p><p>jornais noticiaram que Hitler estaria vivendo em uma “misteriosa</p><p>comunidade de alienados” em meio a um jângal, em Angola, na</p><p>costa ocidental africana. O ditador teria morrido ali em setembro</p><p>de 1964. Um missionário teria lhe perguntado no momento da</p><p>extrema-unção: “Diga-me, meu amigo, o senhor será talvez o</p><p>Führer?”, ao que o enfermo teria respondido: “Sim, sou mesmo</p><p>Adolf Hitler”.408</p><p>Em 1968, o jornalista e coeditor da revista russa Novoye Vremya,</p><p>Lev Bezymenski, apresentou ao Ocidente a íntegra dos relatórios</p><p>soviéticos sobre as autópsias dos corpos encontrados em Berlim.</p><p>Bezymenski também havia participado da tomada de Berlim com o</p><p>Exército de Zhukov. O livro foi publicado nos Estados Unidos por</p><p>intermédio de um editor alemão que conseguira contrabandear a</p><p>obra depois de ter pagado antecipadamente pelos manuscritos</p><p>originais. Mas todos os detalhes técnicos apresentados nos</p><p>relatórios médicos da SMERSH assinados pelo doutor Shkaravski e</p><p>sua equipe não convenceram os adeptos da teoria da conspiração.</p><p>Nas décadas de 1980 e 1990, surgiram histórias de que Hitler</p><p>havia sido visto “vestido de mulher” em Dublin, na Irlanda. O</p><p>jornal Times, de Londres, noticiou que ele se suicidara com</p><p>explosivos sobre o mar Báltico e outro periódico levantou teorias</p><p>sobre a vida de Hitler como “Adilupus” na Espanha do general</p><p>Franco, onde teria falecido em 1º de novembro de 1947.409</p><p>Nos anos 2000, uma nova onda de livros sobre a fuga de Hitler</p><p>encheu as prateleiras das livrarias pelo mundo. Em 2004, o</p><p>jornalista argentino Abel Basti escreveu o livro intitulado Bariloche</p><p>Nazi.410 O sucesso rendeu. Em sequência, Basti publicou Hitler en</p><p>Argentina (2006), El Exílio de Hitler en Argentina (2010) e Los</p><p>secretos de Hitler (2011). Basti também sustenta a teoria de que</p><p>Hitler fugiu para a Argentina e refuta a ideia de que ele teria se</p><p>matado ao final da guerra. Em 2010, foi a vez dos pesquisadores</p><p>argentinos Carlos De Napoli e Juan Salinas, que publicaram a obra</p><p>Ultramar Sul — A última operação secreta do Terceiro Reich, com a</p><p>história da missão criada para levar Hitler e nazistas proeminentes</p><p>até a Argentina. Segundo De Napoli e Salinas, oito submarinos</p><p>chegaram às regiões costeiras de Buenos Aires e da Patagônia, mas</p><p>os autores esquivam-se de afirmar que Hitler fizesse parte do grupo</p><p>desembarcado. Um ano mais tarde, os britânicos Gerrard Williams</p><p>e Simon Dunstan publicaram o livro The Grey Wolf: The Escape of</p><p>Adolf Hitler (Lobo cinzento: a fuga de Adolf Hitler). Os autores</p><p>sustentam que Hitler escapou da Alemanha três dias antes de seu</p><p>suposto suicídio. Hitler teria se instalado em mais de uma</p><p>residência na Patagônia, com Eva e duas</p><p>filhas, antes de morrer,</p><p>em 13 de fevereiro de 1962. O esquema teria sido articulado pelo</p><p>Reichsleiter Martin Bormann, o secretário particular de Hitler e</p><p>Chefe da Chancelaria do Reich, que também teria fugido para a</p><p>América do Sul. A fuga, segundo os autores, teria contado com o</p><p>apoio do OSS em troca de informações sobre tecnologia de guerra.</p><p>Bormann também teria entregue uma fortuna em ouro ao governo</p><p>de Perón.411</p><p>Bormann era eixo central das teorias da conspiração. O escritor</p><p>húngaro radicado nos Estados Unidos Ladislas Farago e o inglês</p><p>Charles Whiting estão entre os que caçaram Martin Bormann por</p><p>anos. Em 1975, Farago escreveu Aftermath: Martin Bormann and the</p><p>Fourth Reich (Consequências: Martin Bormann e o Quarto Reich).</p><p>“Baseado em entrevistas (algumas das quais fizeram parte de</p><p>manchetes em todo o mundo), documentos e arquivos secretos”, o</p><p>livro revelava a criação de um império nazista na América do Sul</p><p>sob a liderança de Bormann. Farago apresentou supostos</p><p>documentos da Polícia Federal da Argentina e relatou até mesmo</p><p>ter se encontrado com Bormann em um hospital onde este lhe teria</p><p>dito: “Você não vê que eu sou um homem velho? Então por que</p><p>você não me deixa morrer em paz?”412</p><p>O problema é que, assim como Hitler, Bormann não sobreviveu à</p><p>Berlim ocupada pelos soviéticos. Depois do suicídio do Führer, ele</p><p>deixou o bunker com um dos vários pequenos grupos de nazistas</p><p>formados para escapar da arapuca em que a capital alemã se</p><p>transformara. Junto dele estavam Artur Axmann e Ludwig</p><p>Stumpfegger. Axmann safou-se, mas Stumpfegger e Bormann não</p><p>tiveram a mesma sorte. O líder da Juventude Hitlerista afirmou</p><p>mais tarde que os dois companheiros de fuga haviam cometido</p><p>suicídio diante da eminência de serem presos pelos russos. No</p><p>entanto, como o corpo de Bormann não foi encontrado em meio às</p><p>ruínas de Berlim, surgiram diversas teorias sobre sua fuga para a</p><p>América do Sul. Até mesmo Reinhard Gehlen, o general do Serviço</p><p>de Informações do Exército Alemão que passara a trabalhar em</p><p>colaboração com a CIA depois da guerra, afirmou que o grande</p><p>espião de Stálin na Alemanha nazista durante a guerra era ninguém</p><p>menos do que o próprio Bormann. Gehlen escreveu: “Não há o</p><p>menor fundamento para as alegações que ele vive na Argentina ou</p><p>no Paraguai cercado de guardas. Em maio de 1945 ele entrou na</p><p>Rússia levado por forças da invasão.” Ainda segundo o agente</p><p>alemão, “informações separadas vindas de trás da Cortina de</p><p>Ferro” confirmavam a vida de Bormann em Moscou, na década de</p><p>1950, “escondido como assessor do governo”.413</p><p>Hitler condecora membros da Juventude Hitlerista defensores de Berlim, em</p><p>20 de abril de 1945.</p><p>Toda a farsa acabou quando, em dezembro de 1972, durante</p><p>escavações no metrô em Berlim, uma ossada foi descoberta</p><p>próximo à estação Lehrter, a menos de dois quilômetros do bunker,</p><p>nas proximidades do local onde Axmann relatara que vira Bormann</p><p>morto em 1945. A identificação foi contestada por associações</p><p>como a de Simon Wiesenthal, o “caçador de nazistas”, que</p><p>ganhavam um bom dinheiro investigando nazistas fugitivos. Em</p><p>maio de 1999, exames de DNA comprovaram definitivamente que</p><p>era mesmo Bormann.414</p><p>Desmascarado, o argentino Juan José Velasco confessou que</p><p>falsificara os documentos para revendê-los a Farago. A Operação</p><p>Mito desencadeada por Stálin manteve o FBI e a CIA ocupados por</p><p>quase trinta anos. O resultado foi um dossiê de quase mil páginas</p><p>que não leva a lugar algum, Hitler nunca foi encontrado. O mesmo</p><p>ocorreu na América do Sul. Quando a Argentina liberou os arquivos</p><p>para consulta no início dos anos 1990, o que se viu foi (segundo o</p><p>historiador argentino Uki Goñi) uma “sebenta pilha” de dossiês</p><p>sem nenhuma novidade.415 Havia “provas” da presença de</p><p>Bormann na Argentina e nada sobre Adolf Eichmann, capturado no</p><p>país pelo Mossad (o Serviço Secreto israelense), em 1962. Ainda</p><p>que com documentação cada vez mais contraditória, Basti, De</p><p>Napoli, Salinas, Williams, Dunstan, entre outros, continuam a</p><p>publicar e apostar suas fichas na fuga de Hitler para a América do</p><p>Sul.</p><p>O suicídio de Hitler e Bormann em Berlim não significa, no</p><p>entanto, que nazistas não tenham de fato fugido para o Hemisfério</p><p>Sul. Centenas de criminosos de guerra refugiaram-se no</p><p>continente, principalmente na Argentina, entre os anos de 1945 e</p><p>1955, durante o governo Perón (que, de fato, ganhou muito</p><p>dinheiro nazista).</p><p>Várias organizações não nazistas deram apoio à fuga, entre elas,</p><p>o Vaticano e as agências de inteligência Aliadas, que também</p><p>haviam levado nazistas em segurança para os Estados Unidos.</p><p>Segundo Goñi, “tudo com o objetivo de ajudar os sabujos de Hitler</p><p>a escaparem.”416 Através da “Rota dos Conventos” (via</p><p>Roma/Gênova) e da “Conexão Suíça” (por Berna), chegaram à</p><p>América fugitivos nazistas importantes como Klaus Barbie e o</p><p>próprio Eichmann, um dos organizadores da Solução Final.417 Josef</p><p>Mengele e Franz Stangl viveram no Brasil. Stangl foi preso e</p><p>extraditado, mas Mengele viveu por aqui até sua morte em 1979.</p><p>Herbert Cukurs também morou no Brasil, mas foi caçado e</p><p>assassinado pelo Mossad no Uruguai, em 1965.418</p><p>P</p><p>15. UMA GUERRA (NADA) FRIA</p><p>Os Aliados foram à guerra contra Hitler acusando a Alemanha de</p><p>escravizar outros povos em busca do “espaço vital”. Mas França</p><p>e Inglaterra também eram países exploradores de populações na</p><p>África e na Ásia. Com o fim da Segunda Guerra, Stálin</p><p>transformou o Leste Europeu em uma colônia da URSS, enquanto</p><p>os Estados Unidos passaram a dominar econômica e</p><p>politicamente o resto do mundo.</p><p>rovavelmente a maior prova de que os Aliados não eram heróis</p><p>lutando contra a tirania nazista apareceu quando a Segunda</p><p>Guerra chegou ao fim. Em 1945, os Estados Unidos, a União</p><p>Soviética e o Império Britânico brigavam para repartir os destroços</p><p>da Alemanha, assim como para manter e, principalmente, ampliar</p><p>seus impérios sobre o globo.</p><p>Quando os “Três Grandes” se reuniram em Yalta, às margens do</p><p>mar Negro, na Crimeia, entre os dias 4 e 11 de fevereiro daquele</p><p>ano, eles esperavam definir o futuro da Europa e do mundo pós-</p><p>guerra. Mas a ideia de que a conferência representaria o fim do</p><p>sistema de ação unilateral, alianças, esferas de influência e disputa</p><p>pelo poder não passou de utopia e propaganda Aliada.</p><p>Havia muito em jogo e ninguém queria perder. Desde 1943,</p><p>durante a Conferência de Teerã, no Irã, os Aliados mantinham uma</p><p>cooperação mais estreita quanto aos seus objetivos militares, como</p><p>a definição de uma segunda frente com a invasão da França e a</p><p>exigência de uma “capitulação incondicional” da Alemanha.</p><p>Porém, à medida que a guerra ia chegando ao final, os problemas</p><p>geopolíticos iam aparecendo e a Carta do Atlântico (1941) perdia</p><p>sua função. Um acordo entre Stálin e Churchill realizado em</p><p>Moscou em setembro de 1944 estabeleceu áreas de influência no</p><p>Leste da Europa (nos Bálcãs, essencialmente, já que na Polônia o</p><p>ditador soviético obstruía qualquer possibilidade de influência</p><p>Aliada). A Grã-Bretanha acordou que não teria participação nos</p><p>assuntos referentes a Romênia, Hungria e Bulgária para que</p><p>pudesse ter liberdade de ação no que se referia à Grécia. Assim,</p><p>Churchill manteve a Grécia sob o domínio britânico e não</p><p>encontrou restrições para eliminar a oposição dos guerrilheiros</p><p>comunistas. Stálin deixou seus partidários gregos isolados, sem</p><p>chances contra os ingleses. Uma pequena migalha para o líder</p><p>britânico.419</p><p>A DIVISÃO DA ALEMANHA</p><p>Em Yalta definiram-se ainda os últimos detalhes quanto à criação</p><p>da ONU e à divisão da Alemanha em zonas de ocupação, uma ideia</p><p>que vinha sendo discutida desde 1943. A situação da Polônia foi de</p><p>longe o tema mais controverso. Afinal, foi pela “honra e liberdade”</p><p>da Polônia que tudo havia começado. Enquanto Churchill e</p><p>Roosevelt planejavam um governo democrático, escolhido por</p><p>meio de eleições livres e organizado pelo governo polonês no exílio</p><p>(em Londres desde o início da guerra), o líder da URSS ressaltava o</p><p>caráter democrático do governo comunista que ele estabelecera em</p><p>Lublin. Como a Polônia encontrava-se sob ocupação soviética,</p><p>Stálin</p><p>era quem ditava as regras. Para Władysław Anders,</p><p>comandante do Exército Polonês no exílio, os Aliados haviam</p><p>vendido a Polônia aos soviéticos, Yalta havia assinado a “sentença</p><p>de morte” para seu país, transformando-o em uma “república</p><p>soviética”. Um jovem oficial inglês resumiu o que havia sido a</p><p>guerra: “Ficou perfeitamente claro que lutamos nessa guerra em</p><p>vão; todos os princípios pelos quais entramos em guerra foram</p><p>sacrificados.”420 Sacrificados no altar da liberdade, em benefício</p><p>das grandes potências.</p><p>Seis meses depois, entre 17 de julho e 2 de agosto, com o Terceiro</p><p>Reich de Hitler derrotado e os Estados Unidos prestes a lançarem a</p><p>primeira bomba atômica da história, outra conferência, desta vez</p><p>em Potsdam, próximo a Berlim, na Alemanha, decretaria o destino</p><p>das nações em um mundo agora dividido entre capitalismo e</p><p>comunismo. O Exército Vermelho ocupara todos os países a leste</p><p>da Alemanha e não tinha intenção de deixá-los. Averell Harriman,</p><p>embaixador norte-americano em Moscou, em sua primeira reunião</p><p>com o presidente Truman, sentenciou: “Estamos diante de uma</p><p>invasão da Europa pelos bárbaros.”421 A conferência não alterou a</p><p>situação das relações soviéticas com os americanos; nem com os</p><p>britânicos. Pelo contrário, acirrou as diferenças. (Churchill fora</p><p>derrotado nas primeiras eleições inglesas desde 1940 e agora</p><p>Clement Attlee ocupava o cargo de primeiro-ministro).</p><p>O mundo nas mãos das grandes potências: Churchill, Truman e Stálin reunidos</p><p>na Conferência de Potsdam, na Alemanha, em julho de 1945.</p><p>O resultado de Potsdam foi uma Alemanha dividida em duas</p><p>entidades rivais, guiadas por ideologias e sistemas econômicos e</p><p>políticos em competição. O lado ocidental foi dividido entre três</p><p>nações, já que a França entrara como quarta potência ao lado de</p><p>Grã-Bretanha e Estados Unidos, mas manteve quase que inalterada</p><p>a fronteira franco-alemã. O lado oriental da Alemanha, com</p><p>influência de Stálin, cedeu à Polônia parte da Pomerânia e a Silésia.</p><p>A Toca do Lobo, em Rastenburg, de onde Hitler comandara a</p><p>invasão da Rússia, agora fazia parte do território da Polônia com o</p><p>nome de Ketrzyn. Antigas cidades alemãs, como Breslau e Stettin,</p><p>agora eram Wroclaw e Szczecin.422</p><p>A Alemanha não foi a única a sofrer com a perda de partes de seu</p><p>território. A URSS incorporou a Estônia, a Letônia e a Lituânia,</p><p>além da parte oriental da Polônia e a Prússia Oriental. Stálin</p><p>transformou o restante do Leste Europeu em uma “colônia”</p><p>soviética. Mais uma vez, a política de autodeterminação dos povos</p><p>pregada pelo presidente Woodrow Wilson depois da Primeira</p><p>Guerra desmoronava diante de interesses político-militares e</p><p>econômicos.</p><p>Com o presidente Roosevelt morto em abril e Truman sem</p><p>experiência internacional, possivelmente apenas Churchill</p><p>conseguiu antever com clareza o que ocorreria na Europa. “Uma</p><p>cortina de ferro” desceu sobre o front, escreveu Churchill a Truman</p><p>quatro dias depois do colapso nazista, em maio de 1945. No</p><p>discurso da vitória, a velha raposa inglesa falou sobre sua</p><p>preocupação de que “os simples e honrados propósitos que nos</p><p>levaram à guerra” corriam o risco de serem “deixados de lado”.</p><p>Palavras como “liberdade, democracia e independência” estavam</p><p>sendo despidas de seu verdadeiro significado.423 (Churchill, como</p><p>visto antes, era o mestre da hipocrisia.)</p><p>Pouco depois, Churchill deu ordens ao marechal Montgomery</p><p>para que não destruísse as armas dos mais de dois milhões de</p><p>alemães que haviam se rendido aos britânicos, nem as aeronaves</p><p>alemãs em poder da RAF. O primeiro-ministro acreditava que o</p><p>confronto com Stálin era inevitável e chegou mesmo a ordenar aos</p><p>líderes militares que planejassem a “Operação Impensável”, que</p><p>deveria ser deflagrada em 1º de julho de 1945 com o objetivo de</p><p>“impor à Rússia a vontade dos Estados Unidos e do Império</p><p>Britânico”. Mas, o Exército Vermelho tinha duas vezes e meia mais</p><p>soldados e armamentos que as forças anglo-americanas. Truman</p><p>também não tinha a menor intenção de envolver os Estados Unidos</p><p>em uma nova guerra e Churchill recebeu como resposta que “a</p><p>ideia é claramente fantasiosa”. Como Churchill perdeu as eleições</p><p>de julho para Attlee, Stálin não tinha mais adversários a sua altura</p><p>na Europa.</p><p>Um ano depois, o ex-primeiro-ministro britânico, em viagem</p><p>aos Estados Unidos, retomou o uso da expressão que definiria a</p><p>separação entre a Europa comunista e capitalista nas décadas</p><p>seguintes. Em 5 de março de 1946, no Westminster College, em</p><p>Fulton, no Missouri, discursou ele: “De Stettin, no Báltico, até</p><p>Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o</p><p>continente. Por trás dessa linha ficam todas as capitais das antigas</p><p>nações da Europa central e oriental.”424 Ainda que franco,</p><p>Churchill não foi nada original. Na verdade, ele usou a expressão de</p><p>seu inimigo Goebbels que, embora não tenha sido o primeiro a falar</p><p>em “cortina de ferro”, foi quem a tornou proeminente. Em</p><p>fevereiro de 1945, em artigo para o jornal semanal Das Reich, o</p><p>ministro da Propaganda de Hitler alertava os alemães de que os três</p><p>países Aliados haviam acertado a divisão da Europa na Conferência</p><p>de Yalta, assim como haviam definido “um programa de ocupação</p><p>que irá destruir e exterminar o povo alemão até o ano 2000”.425 Em</p><p>seu testamento político, Hitler expressara a mesma opinião sobre a</p><p>repartição da Europa em dois blocos opositores e ainda salientara:</p><p>apenas duas grandes potências seriam capazes de enfrentar uma à</p><p>outra, os Estados Unidos e a Rússia soviética. Um trecho menos</p><p>conhecido do discurso de Churchill, embora provavelmente mais</p><p>original, não falava em cortina tampouco em ferro: “Uma sombra</p><p>desceu sobre os palcos tão recentemente iluminados pela vitória</p><p>dos Aliados.”</p><p>O Portão de Brandenburg, em Berlim, agosto de 1945: o mundo em esferas de</p><p>influência econômica</p><p>UMA PAZ QUE NÃO É PAZ: GUERRA FRIA</p><p>Quando, em 25 de abril de 1945, ocorreu a sessão inaugural das</p><p>Nações Unidas, em São Francisco, na costa oeste americana, quatro</p><p>colunas douradas foram dispostas no palco principal.</p><p>Representavam as quatro liberdades que Roosevelt prometera ao</p><p>mundo: liberdade de religião, de expressão, de viver sem fome e de</p><p>viver sem medo. Infelizmente, em poucos lugares do mundo elas</p><p>foram verdadeiramente respeitadas.</p><p>Em maio de 1945, quando a guerra terminou no Velho Mundo,</p><p>milhões de prisioneiros do derrotado Reich de Hitler, mantidos em</p><p>campos de concentração e de trabalhos forçados, e refugiados</p><p>vindos da linha de frente não sabiam para onde ir. Muitos haviam</p><p>perdido tudo — família, casa e até mesmo a nacionalidade</p><p>(especialmente os que eram originários da Europa Oriental).</p><p>Fronteiras foram criadas ou redefinidas, países criados ou extintos e</p><p>minorias étnicas mais uma vez erravam em busca de um lugar onde</p><p>pudessem reconstruir suas comunidades. Estima-se que mais de</p><p>vinte milhões de pessoas, a maioria alemães, foram expulsas ou</p><p>reassentadas em novos territórios.426</p><p>O sentimento de vingança encontrou guarida na ideia de que se</p><p>podia retribuir o mal feito durante a guerra. Após a rendição alemã,</p><p>uma onda de violência antigermânica tomou conta de uma Polônia</p><p>destroçada pelas forças nazistas. O polonês Cesaro Gimborski,</p><p>comandante de um campo de prisioneiros em Lamsdorf, por</p><p>exemplo, tinha só 18 anos quando a guerra chegou ao seu final, mas</p><p>foi o responsável pela morte de mais de seis mil pessoas, incluindo</p><p>oitocentas crianças alemãs.427</p><p>Oprimidos tornaram-se opressores. Enquanto o Império</p><p>Britânico se estendia da África Oriental até o Extremo Oriente, a</p><p>França ainda era dona de quase toda a África Ocidental. O mesmo</p><p>Charles de Gaulle que passara a guerra bradando por liberdade nos</p><p>microfones da BBC de Londres não queria perder as colônias</p><p>francesas no continente negro e na Ásia. No norte da África, a</p><p>França libertada da opressão nazista não aceitou os movimentos de</p><p>independência argelinos do pós-guerra. Cidades foram</p><p>bombardeadas, milhares foram presos, torturados e executados.</p><p>Estima-se que mais de trinta mil argelinos tenham morrido por</p><p>ordens vindas de Paris. Mesma situação ocorreu no Vietnã,</p><p>colônia</p><p>francesa ocupada pelo Japão durante a guerra. A Legião Estrangeira</p><p>Francesa, que atuava na Indochina, incluía muitos alemães e ex-</p><p>oficiais da SS, que torturaram e executaram milhares de</p><p>vietnamitas. Cerca de um milhão de pessoas morreriam de fome</p><p>nos conflitos pela independência do país.428</p><p>O inglês George Orwell, autor do livro anticomunista e</p><p>antistalinista A revolução dos bichos, escreveu, em outubro de</p><p>1945, que a era atômica e a luta entre as duas superpotências</p><p>trariam “uma época de horrível estabilidade, como os impérios</p><p>escravocratas da Antiguidade”, “uma paz que não é paz”</p><p>caracterizada por uma “guerra fria”.429 Uma guerra de influências,</p><p>por um mundo dividido entre os que apoiavam ou recebiam apoio</p><p>da URSS ou dos Estados Unidos, a grande força que emergira no</p><p>Ocidente democrático.</p><p>A nova potência do Ocidente lucrou em quase todos os sentidos</p><p>com a Segunda Guerra. O número relativamente baixo de perdas</p><p>humanas, menos de 420 mil, contrastou com ganhos enormes em</p><p>muitas áreas. O país concedeu vultosos empréstimos aos países</p><p>beligerantes, extraiu tecnologia do inimigo, expandiu a economia e</p><p>aumentou a produção industrial. Sem contar que a população civil</p><p>e o território americano foram preservados de bombardeios e uma</p><p>grande quantidade do ouro nazista foi parar nos cofres do Federal</p><p>Reserve.430 Nas décadas seguintes, para derrotar o comunismo e</p><p>manter sua área de influência econômica, os norte-americanos</p><p>financiaram muitos países alinhados com o capitalismo pelo globo.</p><p>Assim, o mundo veria a Guerra Fria esquentar em conflitos na</p><p>Coreia, no Vietnã e no Oriente Médio e quase deflagrar uma guerra</p><p>nuclear com a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962.</p><p>Ninguém representou melhor esse período que o judeu-alemão</p><p>Henry Kissinger. Depois de lutar como sargento na guerra contra</p><p>sua Alemanha natal (e contra a ditadura nazista e pela “liberdade”</p><p>do mundo), Kissinger iria virar Secretário de Estado norte-</p><p>americano, desempenhando um papel importante na política</p><p>exterior estadunidense. Ele foi o responsável, por exemplo, pela</p><p>Operação Condor, que deu sustentação a diversas ditaduras</p><p>militares na América do Sul da década de 1970. Ironicamente, ele</p><p>recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 1973.</p><p>Alguns historiadores chegam mesmo a afirmar que a Segunda</p><p>Guerra só chegou ao fim em 1991, com a derrocada do regime</p><p>soviético. O mais correto é que ela marcou o fim dos grandes</p><p>impérios em decorrência de ocupações territoriais e passou a</p><p>revelar novas potências em disputa por esferas de influência</p><p>econômica.431</p><p>OS VENCIDOS E OS VENCEDORES</p><p>Durante o ano de 1946, juízes Aliados se reuniram na cidade alemã</p><p>de Nuremberg, onde outrora eram realizados os congressos do</p><p>Partido Nazista, a fim de julgar os mais proeminentes líderes</p><p>alemães ainda vivos. Estes compareceram diante do Tribunal</p><p>Militar Internacional certos de que os julgamentos não passavam</p><p>de “vingança política” por parte dos vencedores. Pelo menos nesse</p><p>ponto os nazistas não estavam errados. Algumas acusações, como a</p><p>de “preparação de uma guerra de agressão”, foram aplicadas à</p><p>Alemanha como poderiam ter sido aplicadas também à União</p><p>Soviética. E não foram. No começo da guerra, Stálin não apenas</p><p>dividira a Polônia com Hitler, como invadira a Finlândia. Os russos</p><p>também não foram julgados pelo massacre de Katyn, assim como</p><p>franceses, ingleses e norte-americanos nunca foram julgados pelos</p><p>estupros, pilhagem e atrocidades cometidas em nome da liberdade.</p><p>Os horrores do Holocausto serviram de escudo para qualquer</p><p>acusação contra os Aliados.</p><p>Ao todo, dez dirigentes nazistas, entre eles, os chefes do Estado-</p><p>Maior da Wehrmacht Wilhelm Keitel e Alfred Jodl, o filósofo e</p><p>teórico do nazismo Alfred Rosenberg, o chefe da RSHA Ernst</p><p>Kaltenbrunner e Joachim von Ribbentrop, foram enforcados. Quase</p><p>todos saudaram a Alemanha, mas apenas Julius Streicher, editor do</p><p>jornal antissemita Der Stürmer, gritou “Heil Hitler!”. “Dez homens</p><p>em 103 minutos”, disse o carrasco John Wood, afirmando que o</p><p>trabalho rápido merecia uma bebida forte.432 Mesmo assim, Wood</p><p>foi criticado por não ser um bom executor, uma vez que o ex-</p><p>ministro das Relações Exteriores de Hitler agonizou por vinte</p><p>minutos pendurado pela corda até que fosse dado como morto.</p><p>Alguns nazistas escaparam da morte com sentenças brandas, como</p><p>os almirantes Karl Dönitz e Erich Raeder, o ministro do</p><p>Armamento e arquiteto predileto de Hitler Albert Speer, o vice-</p><p>Führer Rudolf Hess, que estava preso na Inglaterra desde 1941, e o</p><p>líder da juventude Hitlerista Baldur von Schirach. A maioria dos</p><p>oficiais da Wehrmacht também escapou da forca. Bormann, o</p><p>secretário do partido, morreu durante a fuga de Berlim, enquanto o</p><p>temível Himmler suicidou-se quando foi preso pelos ingleses. O</p><p>mesmo fez Hermann Göring, o comandante-chefe da Luftwaffe e o</p><p>mais popular dos líderes nazistas (Göring suicidou-se na sela da</p><p>prisão depois de seu julgamento, ele havia solicitado aos juízes que</p><p>fosse fuzilado, e não enforcado).</p><p>Muitos outros julgamentos contra médicos, cientistas, líderes da</p><p>SS e industriais acusados de colaborar com a máquina de guerra de</p><p>Hitler, foram realizados até o final de 1949. Quando acabaram, os</p><p>Aliados haviam julgado mais de cinco mil pessoas. Quatro mil</p><p>foram sentenciadas, 806 foram condenadas à morte e 486</p><p>executadas.433 Estima-se que duzentos mil alemães foram presos</p><p>por terem um passado nazista. Em 1947, quarenta mil ainda</p><p>estavam encarcerados. Dos libertados, a maioria foi integrada à</p><p>sociedade e não poucos participaram dos governos da Alemanha</p><p>Ocidental e da Áustria.</p><p>O judeu-polonês Mieczyslaw Pemper, que fora escrivão e</p><p>estenógrafo de Amon Göth, o comandante alemão do campo de</p><p>concentração Płaszów, participou de vários dos julgamentos,</p><p>inclusive o de Rudolf Röss, o temido chefe do campo de extermínio</p><p>de Auschwitz. Pemper lamentou que os carrascos da SS não</p><p>manifestassem qualquer sentimento de remorso pelas atrocidades</p><p>cometidas, “nenhuma desculpa, nenhuma renúncia, nenhum</p><p>remorso”.434 Göth foi responsabilizado pela morte de oito mil</p><p>pessoas no campo de Płaszów e por massacres em Cracóvia, Tanów</p><p>e Szebnie. Acusado de “crimes contra a humanidade”, ele disse</p><p>“não” quando perguntado se o réu se considerava culpado. Foi</p><p>enforcado em setembro de 1946. Na década de 1970, sua filha</p><p>Monika, nascida pouco antes de seu julgamento, fruto de um</p><p>relacionamento com a secretária de Oskar Schindler, Ruth Irene</p><p>Kalder, teve uma filha com um estudante nigeriano. Não deixa de</p><p>ser irônico que um carrasco nazista tenha tido uma neta negra.435</p><p>Os criminosos de guerra japoneses também compareceram</p><p>diante de um tribunal Aliado, em Tóquio, mas o imperador</p><p>Hirohito e os membros da família imperial foram liberados dos</p><p>julgamentos. Alguns militares também escaparam das punições. Já</p><p>o primeiro-ministro do Japão à época de Pearl Harbor, Hideki Tojo,</p><p>tentou cometer suicídio, mas sobreviveu, foi julgado, condenado e</p><p>executado. Antes, pediu desculpas pelas atrocidades cometidas</p><p>pelo Exército Imperial na Coreia, na Manchúria e na China.</p><p>Muitos japoneses não aceitaram ou sequer tomaram</p><p>conhecimento do acordo de paz com os Aliados. Unidades isoladas</p><p>na selva renderam-se somente em março de 1946, seis meses após</p><p>a rendição incondicional do Japão. Em 1972, o sargento Shoichi</p><p>Yokoi foi encontrado na selva da ilha de Guam ainda em prontidão</p><p>e negando-se a depor armas.436</p><p>Para alguns, era o fim, para outros, o começo. Os soldados</p><p>judeus das Forças Britânicas que atuaram na Itália, o Jewish Brigade</p><p>Group, conhecedores dos horrores dos campos de concentração,</p><p>conseguiram, com ajuda dos serviços de inteligência militares</p><p>norte-americano e britânico, listas de membros da SS. Foi o início</p><p>dos nokmin, os “vingadores”. Sua missão era prender e executar</p><p>todos os que faziam parte da lista. Com apoio de Haim Weizman,</p><p>futuro primeiro presidente de Israel, o grupo tentou envenenar o</p><p>abastecimento de água de Nuremberg e Hamburgo, na Alemanha.</p><p>Porém, o veneno, transportado em latas de leite condensado, não</p><p>chegou ao destino. A ideia de vingança, no entanto,</p><p>não chegara ao</p><p>fim.</p><p>Na Páscoa de 1946, os vingadores envenenaram com arsênico</p><p>três mil pães destinados a um campo de prisioneiros com 15 mil</p><p>homens da Waffen-SS. A maioria dos alemães sobreviveu, salva por</p><p>médicos americanos. Nunca se soube o número de mortos, mas os</p><p>nokmin deixaram sua marca.437 Cinco anos depois, em 1951, o</p><p>primeiro-ministro israelense, David Ben-Gurion, ordenou a</p><p>criação do Mossad — Le-Modiin ule-Tafkidim Meyuhadim, o</p><p>Instituto de Inteligência e Operações Especiais Israelense, que seria</p><p>responsável por caçar, capturar e executar os nazistas que haviam</p><p>conseguido fugir da Europa. Os perseguidos judeus passaram a ser</p><p>perseguidores. O Mossad passou a executar também árabes e todo e</p><p>qualquer inimigo do Estado de Israel.</p><p>Em 10 de setembro de 1952, Alemanha Ocidental e Israel</p><p>assinaram o Tratado de Luxemburgo, no qual os alemães se</p><p>comprometiam a pagar três bilhões de marcos ao recém-criado</p><p>Estado de Israel e 450 milhões de marcos a organizações judaicas.</p><p>Cerca de 35 bilhões seriam postos em reserva para futuras</p><p>indenizações.438</p><p>Foi somente em 5 de maio de 1955, dez anos após a rendição</p><p>incondicional, que a Alemanha se tornou um “Estado</p><p>independente e soberano”. Cinco anos depois, o país começou a</p><p>pagar indenizações aos países que havia ocupado durante a</p><p>Segunda Guerra. As tropas de ocupação Aliadas só começaram a</p><p>deixar a Alemanha em 1990, depois que o Muro de Berlim caiu e a</p><p>URSS começou a ruir. Em 2013, a Grã-Bretanha realizou o último</p><p>voo militar sobre o país. Norte-americanos e ingleses ainda</p><p>mantêm tropas e bases militares na região (com um efetivo de cerca</p><p>de 150 mil soldados), cuja retirada total deve ocorrer somente em</p><p>2020, sete décadas e meia depois do fim do Terceiro Reich.</p><p>“A paz”, escreveu ainda no século XIX o prussiano Carl von</p><p>Clausewitz, “é apenas uma continuação da guerra por outros</p><p>meios”.</p><p>LISTA DOS PERSONAGENS PRINCIPAIS</p><p>A lista inclui os principais líderes políticos e militares citados no</p><p>livro.</p><p>ARANHA, Osvaldo (1894-1960). Político brasileiro; embaixador</p><p>nos EUA de 1934 a 1937 e ministro das Relações Exteriores de</p><p>Vargas entre 1938 e 1944; foi chefe da delegação brasileira na</p><p>ONU, em 1947.</p><p>ATTLEE, Clement (1883-1967). Político, primeiro-ministro</p><p>britânico de 1945 a 1951.</p><p>BORMANN, Martin (1900-1945). Reichsleiter, líder do Partido</p><p>Nazista de 1933 a 1945, chefe da Chancelaria do Reich de 1941 a</p><p>1945 e secretário particular de Hitler de 1943-1945.</p><p>CHIANG Kai-shek (1887-1975). Militar e político chinês; depois da</p><p>guerra, derrotado pelos comunistas, criou a China Nacionalista,</p><p>em Taiwan.</p><p>CHURCHILL, Winston (1874-1965). Político, primeiro-ministro</p><p>britânico de 1940 a 1945, depois de 1951 a 1955.</p><p>DE GAULLE, Charles (1890-1970). General e político francês;</p><p>liderou as Forças Francesas Livres (1940-1945); foi presidente da</p><p>França de 1959 a 1969.</p><p>GOEBBELS, Joseph (1897-1945). Doutor em Filosofia, ministro da</p><p>Propaganda do Reich de 1933 a 1945.</p><p>GÖRING, Hermann (1893-1946). Militar e político,</p><p>Reichsmarschall, Marechal do Reich, comandante em chefe da</p><p>Luftwaffe.</p><p>HEYDRICH, Reinhard (1904-1942). Chefe do Escritório Central de</p><p>Segurança do Reich de 1939 a 1942.</p><p>HIMMLER, Heinrich (1900-1945). Reichsführer-SS, chefe da SS,</p><p>dos serviços de segurança e da polícia do Reich.</p><p>HIROHITO, imperador (1901-1989). 124º imperador do Japão, de</p><p>1926 a 1989.</p><p>HITLER, Adolf (1889-1945). Político, Chanceler, depois Führer da</p><p>Alemanha de 1933 a 1945.</p><p>HESS, Rudolf (1894-1987). Político, secretário particular de Hitler e</p><p>vice-Führer, preso na Inglaterra de 1941 a 1946 e depois na</p><p>Alemanha até 1987.</p><p>MAO Tsé-tung (1893-1976). Político, líder da Revolução Chinesa e</p><p>fundador da República Popular da China, governou de 1949 a</p><p>1976.</p><p>MOLOTOV, Vyacheslav (1890-1986). Político, ministro das Relações</p><p>Exteriores da URSS, de 1939 a 1949.</p><p>MUSSOLINI, Benito (1883-1945). Il Duce, primeiro-ministro da</p><p>Itália de 1922 a 1943.</p><p>RIBBENTROP, Joachim von (1893-1946). Político, ministro do</p><p>Exterior do Reich de 1938 a 1945.</p><p>ROOSEVELT, Franklin Delano (1882-1945). Político, 32º presidente</p><p>dos Estados Unidos, de 1933 a 1945, reeleito em quatro</p><p>oportunidades.</p><p>STÁLIN, Josef (1878-1953). Vozhd, secretário-geral do Partido</p><p>Comunista e do Comitê Central da URSS de 1922 a 1953.</p><p>TRUMAN, Harry (1884-1972). Político, 33º presidente dos Estados</p><p>Unidos, de 1945 a 1953.</p><p>VARGAS, Getúlio (1882-1954). Político; governou o Brasil de 1930 a</p><p>1945; primeiro como chefe do Governo Provisório (1930-1934),</p><p>depois como presidente constitucional (1934-1937), e,</p><p>finalmente, como ditador no Estado Novo (1937-1945).</p><p>ABREVIATURAS E TERMINOLOGIAS COMUNS</p><p>A lista inclui as principais abreviaturas e terminologias usadas ao</p><p>longo do livro.</p><p>ABWEHR, o serviço de inteligência e espionagem militar da</p><p>Alemanha de 1925 a 1944.</p><p>BBC, acrônimo de British Broadcasting Corporation, a mais</p><p>importante emissora de rádio europeia durante a guerra, criada</p><p>em 1922.</p><p>EINSATZGRUPPEN, grupos de operações especiais da SS,</p><p>responsáveis pelas execuções na Frente Oriental.</p><p>EXÉRCITO VERMELHO, o exército soviético de 1918 a 1991.</p><p>GESTAPO, acrônimo de Geheime Staatspolizei, a Polícia Secreta da</p><p>Alemanha Nazista.</p><p>KRIEGSMARINE, a Marinha alemã, de 1935 a 1947.</p><p>LUFTWAFFE, Força Aérea alemã, de 1935 a 1945.</p><p>NKVD, acrônimo para Narodniy komissariat vnutrennikh diel,</p><p>Comissariado do Povo para Assuntos Internos, a polícia secreta</p><p>soviética de 1934 a 1946.</p><p>NSDAP, de Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, Partido</p><p>Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista</p><p>(1920-1945); nazismo, nacional-socialismo.</p><p>OSS, de Office of Strategic Services, Escritório de Serviços</p><p>Estratégicos dos EUA de 1942 a 1945.</p><p>SA, de Sturmabteilung, Tropa de Assalto, os “Camisas Pardas”,</p><p>organização paramilitar nazista (1920-1945).</p><p>SD, de Sicherheitsdienst, Serviço de Segurança e Espionagem da</p><p>SS.</p><p>SIS, de Secret Intelligence Service, também chamado de MI6, de</p><p>Military Intelligence, Sessão 6, o Serviço Secreto Britânico.</p><p>SMERSH, acrônimo de Smert Shpionam, serviço de</p><p>contraespionagem soviético de 1942-1946.</p><p>SOE, de Special Operations Executive, Agência de Operações</p><p>Especiais britânica de 1940 a 1946.</p><p>SS, de Schutzstaffel, Tropas de Proteção, os “Camisas Negras”,</p><p>reunia serviços de espionagem, policia secreta e forças armadas</p><p>(1925-1945).</p><p>RAF, de Royal Air Force, a Força Área britânica.</p><p>RSHA, de Reichssicherheitshauptamt, Escritório Central de</p><p>Segurança do Reich, controlava a SD, a Gestapo e outras</p><p>organizações da SS (1939-1945).</p><p>TERCEIRO REICH, terceiro Império Alemão ou Alemanha no</p><p>período nazista, de 1933 a 1945.</p><p>URSS, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, União Soviética</p><p>(1922-1991).</p><p>WAFFEN-SS, Forças Armadas da SS.</p><p>WEHRMACHT, Forças Armadas da Alemanha de 1935 a 1945;</p><p>englobava o Exército, a Kriegsmarine e a Luftwaffe.</p><p>BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA</p><p>ABBOTT, Deborah e FARMER, Ellen. 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Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.17.</p><p>2. Pu Yi, O último imperador da China, p.240.</p><p>3. Harold Nicolson, O Tratado de Versalhes, p.96.</p><p>4. Ian Buruma, Ano Zero, p.112.</p><p>5. Winston Churchill, Memórias da Segunda Guerra Mundial, p.83.</p><p>6. Larry Hartenian, Mussolini, p.41.</p><p>7. William Shirer, O encontro de Munique, em Grande Crônica de</p><p>Segunda Guerra Mundial, vol.1, p.49.</p><p>8. F.W. Winterbotham, Enigma, p.19.</p><p>9. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.18.</p><p>10. Roger Manvell, Os conspiradores, p.48.</p><p>11. Winston Churchill, Memórias da Segunda Guerra Mundial,</p><p>p.156.</p><p>12. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.489.</p><p>13. Max Hastings, Inferno, p.28.</p><p>14. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.53.</p><p>15. Max Hastings, Inferno, p.113.</p><p>16. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.119.</p><p>17. Max Hastings, Inferno, p.419.</p><p>18. Richard Chesnoff, Bando de Ladrões, p.281.</p><p>19. Richard Chesnoff, Bando de Ladrões, p.295.</p><p>20. Max Hastings, Inferno, p.419.</p><p>21. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.275.</p><p>22. Martin Allen, A missão secreta de Rudolf Hess, p.263.</p><p>23. Richard Chesnoff, Bando de Ladrões, p.300.</p><p>24. Richard Chesnoff, Bando de Ladrões, p.306.</p><p>25. Wood Gray, Panorama da História dos Estados Unidos, p.132.</p><p>26. Eric Hobsbawm, Era dos Extremos, p.216-229; Max Hastings,</p><p>Inferno, p.358 e 368.</p><p>27. John Lukacs, O Duelo, p.62.</p><p>28. Martin Kitchen, História da Alemanha Moderna, p.322.</p><p>29. Martin Kitchen, História da Alemanha Moderna, p.387.</p><p>30. Eric Hobsbawm, Era dos Extremos, p.105.</p><p>31. Joachim Fest, Hitler, v.1, p.12.</p><p>32. Knack, de 17 ago. 2010, “Hitler was verwant met Somaliërs,</p><p>Berbers en Joden”, disponível em</p><p>33. “Family Tree DNA questions reporting about Hitler’s origins”,</p><p>de 30 ago. 2010, disponível em</p><p>34. Joachim Fest, Hitler, v.1, p.172.</p><p>35. Christa Schroeder, Doze anos com Hitler, p.19.</p><p>36. Joachim Fest, Hitler, p.659.</p><p>37. Timothy W. Ryback, A biblioteca esquecida de Hitler, p.207.</p><p>38. Timothy Ryback, A biblioteca esquecida de Hitler, p.19.</p><p>39. Hans Beilhack, A biblioteca de um diletante: um vislumbre da</p><p>biblioteca privada de Herr Hitler, Apêndice C, em Timothy Ryback,</p><p>A biblioteca esquecida de Hitler, p.292.</p><p>40. Ian Kershaw, Hitler, p.24.</p><p>41. Angela Lambert, A história perdida de Eva Braun, p.78.</p><p>42. Andrew Roberts, Hitler & Churchill, p.73.</p><p>43. C.G. Sweeting, O piloto de Hitler, p.416.</p><p>44. Ian Sayer e Douglas Botting, Hitler e as mulheres, p.88.</p><p>45. Joachim Fest, Hitler, v.1, p.181.</p><p>46. Bernard Wasserstein, Na Iminência do Extermínio, p.218.</p><p>47. John Lukacs, O Duelo, p.11.</p><p>48. Angela Lambert, A história perdida de Eva Braun, p.279.</p><p>49. Lukasz Kamienski, Shooting Up, p.108.</p><p>50. C.G. Sweeting, O piloto de Hitler, p.83; Ian Kershaw, Hitler,</p><p>p.165.</p><p>51. Angela Lambert, A história perdida de Eva Braun, p.123.</p><p>52. Christa Schroeder, Doze anos com Hitler, p.46.</p><p>53. Lothar Machtan, O segredo de Hitler, p.24.</p><p>54. Trecho citado por Lothar Machtan, O segredo de Hitler, p.42-</p><p>43.</p><p>55. Erich Schaake, Todas as mulheres de Hitler, p.25.</p><p>56. Ian Sayer e Douglas Botting, Hitler e as mulheres, p.41.</p><p>57. Christa Schroeder, Doze anos com Hitler, p.95.</p><p>58. Ian Sayer e Douglas Botting, Hitler e as mulheres, p.21.</p><p>59. John Lukacs, O Hitler da História, p.194.</p><p>60. Ian Sayer e Douglas Botting, Hitler e as mulheres, p.20.</p><p>61. Ian Sayer e Douglas Botting, Hitler e as mulheres, p.140.</p><p>62. Angela Lambert, A história perdida de Eva Braun, p.77.</p><p>63. Christa Schroeder, Doze anos com Hitler, p.60 e 68.</p><p>64. Ian Sayer e Douglas Botting, Hitler e as mulheres, p.88.</p><p>65. Andrew Roberts, Hitler & Churchill, p.79.</p><p>66. Winston Churchill, Memórias da Segunda Guerra Mundial,</p><p>p.322.</p><p>67. Erica Hobsbawm, Era dos Extremos, p.172.</p><p>68. Paul Johnson, Churchill, p.20.</p><p>69. Andrew Roberts, Hitler & Churchill, p.75.</p><p>70. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.66.</p><p>71. Andrew Roberts, Hitler & Churchill, p.29.</p><p>72. John Lukacs, O Duelo, p.48.</p><p>73. John Lukacs, O Duelo, p.75.</p><p>74. Michael Bloch, em Double lives — a history of sex and secrecy at</p><p>Westminster, artigo para o The Guardian, de 16 maio 2015.</p><p>Disponível em</p><p>75. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.113.</p><p>76. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.80.</p><p>77. Winston Churchill, Memórias da Segunda Guerra Mundial,</p><p>p.814.</p><p>78. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.72.</p><p>79. Ronald Lewin, Churchill, o lorde da guerra, p.306.</p><p>80. Winston Churchill, Memórias da Segunda Guerra Mundial,</p><p>p.1118.</p><p>81. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.109.</p><p>82. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.109.</p><p>83. Eduardo Figueiredo, Roosevelt, p.87.</p><p>84. Eduardo Figueiredo, Roosevelt, p.86.</p><p>85. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.138.</p><p>86. Gabriel Rotello, Comportamento sexual e AIDS, p.60-61.</p><p>87. Wood Gray, Panorama da História dos Estados Unidos, p.148.</p><p>88. Steven Gillon, Pearl Harbor, p.78.</p><p>89. Deborah Abbott e Ellen Farmer, Adeus, maridos, p.23.</p><p>90. Eduardo Figueiredo, Roosevelt, p.233.</p><p>91. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.194.</p><p>92. Max Hastings, Inferno, p.354.</p><p>93. Max Hastings, Inferno, p.596.</p><p>94. Max Hastings, Inferno, p.420.</p><p>95. Ronald Lewin, Churchill, o lorde da guerra, p.144.</p><p>96. Reinhard Gehlen, O Serviço Secreto, p.39.</p><p>97. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin, p.50.</p><p>98. Bertrand Patenaude, Trótski, p.244.</p><p>99. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin, p.120.</p><p>100. Antony Beevor, O mistério de Olga Tchekova, p.171.</p><p>101. Antony Beevor, O mistério de Olga Tchekova, p.328.</p><p>102. Svetlana Alliluyeva, Vinte cartas a um amigo, p.13.</p><p>103. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.78.</p><p>104. Moshe Lewin, O século soviético, p.54.</p><p>105. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.73.</p><p>106. Moshe Lewin, O século soviético, p.51.</p><p>107. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.47.</p><p>108. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin,</p><p>p.154.</p><p>109. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin, p.163.</p><p>110. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin, p.174.</p><p>111. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin, p.103.</p><p>112. Svetlana Alliluyeva, Vinte cartas a um amigo, p.18.</p><p>113. Constantine Pleshakov, A loucura de Stálin, p.46.</p><p>114. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.63.</p><p>115. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin, p.184.</p><p>116. Dorothy e Thomas Hoobler, Stálin, p.55.</p><p>117. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.219.</p><p>118. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.61.</p><p>119. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.258-259.</p><p>120. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin, p. 184.</p><p>121. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.185.</p><p>122. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.54.</p><p>123. Constantine Pleshakov, A loucura de Stálin, p.325.</p><p>124. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.249.</p><p>125. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.718.</p><p>126. Ian Buruma, Ano Zero, p. 201; Nikolai Tolstoy, A guerra secreta</p><p>de Stálin, p.296.</p><p>127. Max Hastings, Inferno, p.516.</p><p>128. M. Kharlamov, Stálin — o Maior Líder dos tempos modernos,</p><p>em Problemas — Revista Mensal de Cultura Política, n.16 jan/1949.</p><p>Disponível em</p><p>https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/16/stali</p><p>n.htm.</p><p>129. Lilly Marcou, A vida privada de Stálin, p.224.</p><p>130. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.50; Svetlana</p><p>Alliluyeva, Vinte cartas a um amigo, p.173.</p><p>131. Renata da Rocha, O direito à vida e a pesquisa com células-</p><p>tronco, p.86-87.</p><p>132. Marc Hillel, Em nome da raça, p.33-34.</p><p>133. Bernard Wasserstein, Na Iminência do Extermínio, p.15.</p><p>134. Bernard Wasserstein, Na Iminência do Extermínio, p.30. Ver</p><p>também Marc Mazower, O império de Hitler, p.673.</p><p>135. Bryan Rigg, Os soldados judeus de Hitler, p.84.</p><p>136. Bernard Wasserstein, Na Iminência do Extermínio, p.90.</p><p>137. Mark Mazower, O império de Hitler, p.670.</p><p>138. Bernard Wasserstein, Na Iminência do Extermínio, p.57.</p><p>139. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.896.</p><p>140. Citado por Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.581.</p><p>141. Rodrigo Trespach, O carrasco de Hitler, p.32.</p><p>142. Christian Ingrao, Crer & Destruir, p.59.</p><p>143. Christian Ingrao, Crer & Destruir, p.324.</p><p>144. Robert Gerwarth, O carrasco de Hitler, p.128.</p><p>145. Robert Gerwarth, O carrasco de Hitler, p.212.</p><p>146. Martin Kitchen, História da Alemanha Moderna, p. 416;</p><p>Marcos Guimarais, O extermínio de ciganos durante o regime</p><p>nazista, p.355.</p><p>147. Mark Mazower, O império de Hitler, p.444.</p><p>148. Robert Gerwarth, O carrasco de Hitler, p.296.</p><p>149. Martin Kitchen, História da Alemanha Moderna, p.415.</p><p>150. Max Hastings, Inferno, p.522; Antony Beevor, A Segunda</p><p>Guerra Mundial, p. 764. Dados precisos sobre o número de</p><p>prisioneiros no site do Auschwitz-Birkenau Memorial and Musem</p><p>.</p><p>151. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.287; Anne Frank,</p><p>O diário de Anne Frank, p.64.</p><p>152. Max Hastings, Inferno, p.536.</p><p>153. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.444.</p><p>154. Antony Beevor, Berlim, p. 370-371.</p><p>155. Bryan Rigg, Os soldados judeus de Hitler, p.210.</p><p>156. Bryan Rigg, Os soldados judeus de Hitler, p.284.</p><p>157. John Michalczyk, Medicine, Ethics, and the Third Reich, p.37.</p><p>158. Robert Gerwarth, O Carrasco de Hitler, p.295.</p><p>159. Marcos Guimarais, O extermínio de ciganos durante o regime</p><p>nazista, p.355.</p><p>160. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.902.</p><p>161. Audrey Fischer, The Remarkable Life of Hans Massaquoi,</p><p>disponível em Library of Congress:</p><p>. Ver</p><p>também Marc Hillel, Em nome da raça, p.248.</p><p>162. Ver o capítulo 4 de Robert Gerwarth, O carrasco de Hitler,</p><p>p.113 e seguintes, onde o autor lista os “inimigos do Reich” e suas</p><p>definições.</p><p>163. Robert Gerwarth, O Carrasco de Hitler, p.135-136.</p><p>164. Bernard Wasserstein, Na Iminência do Extermínio, p.380.</p><p>165. Ver Concentration camp system, em United States Holocaust</p><p>Memorial Museum, disponível em https://www.ushmm.org.</p><p>166. Ver Classification system in nazi concentration camps, em</p><p>United States Holocaust Memorial Museum, disponível em</p><p>https://www.ushmm.org.</p><p>167. Christian Ingrao, Crer & Destruir, p.134-137.</p><p>168. Tiago Elídio, A perseguição nazista aos homossexuais, p.34 e</p><p>47.</p><p>169. Lothar Machtan, O segredo de Hitler, p.51.</p><p>170. Joachim Fest, Hitler, p.546.</p><p>171. Max Hastings, Inferno, p.693.</p><p>172. Tiago Elídio, A perseguição nazista aos homossexuais, p.35.</p><p>173. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.17.</p><p>174. Ian Buruma, Ano Zero, p.274; Antony Beevor, A Segunda</p><p>Guerra Mundial, p.853; Max Hastings, Inferno, p.448.</p><p>175. Peter Li, Japan’s Biochemical Warface and Experimentation in</p><p>China, p.296-297.</p><p>176. Peter Li, Japan’s Biochemical Warface and Experimentation in</p><p>China, p.291.</p><p>177. Ian Buruma, Ano Zero, p. 274.</p><p>178. O capítulo 5 de The Rape of Nanking, de Iris Chang, “The Nazi</p><p>who saved Nanking”, descreve a atuação de Rabe. Ver também</p><p>Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.77.</p><p>179. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.78.</p><p>180. Max Hastings, Inferno, p.450.</p><p>181. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.83.</p><p>182. Eric Hobsbawm, Era dos extremos, p.51.</p><p>183. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.11.</p><p>184. Marc Hillel, Em nome da raça, p.27.</p><p>185. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.836; Max</p><p>Hastings, Inferno, p.423.</p><p>186. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.458.</p><p>187. Martin Kitchen, História da Alemanha Moderna, p.421.</p><p>188. Richard Rhodes, Os Mestres da Morte, p.295-296.</p><p>189. Max Hastings, Inferno, p.425.</p><p>190. Reinhard Gehlen, O Serviço Secreto, p.113.</p><p>191. Antony Beevor, Berlim, p.120, 242 e 492.</p><p>192. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p. 458.</p><p>193. Bernard Wasserstein, Na Iminência do Extermínio, p.219-220.</p><p>194. Bryan Rigg, Os soldados judeus de Hitler, p.63 e 89.</p><p>195. Bryan Rigg, Os soldados judeus de Hitler, p.234-235.</p><p>196. Bryan Rigg, Os soldados judeus de Hitler, p.259.</p><p>197. Bryan Rigg, Os soldados judeus de Hitler, p.282.</p><p>198. Tiago Elídio, A perseguição nazista aos homossexuais, p.15.</p><p>199. Constantine Pleshakov, A loucura de Stálin, p.33.</p><p>200. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.513.</p><p>201. Antony Beevor, Stalingrado, p.195.</p><p>202. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.718.</p><p>203. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.893.</p><p>204. João Barone, 1942, p.236.</p><p>205. Max Hastings, Inferno, p.430.</p><p>206. Eric Hobsbawm, Era dos Extremos, p.214.</p><p>207. Max Hastings, Inferno, p.434.</p><p>208. Citado por Lukasz Kamienski, Shooting Up, p.110.</p><p>209. Guido Knopp, Guerreiros de Hitler, p.261.</p><p>210. Lukasz Kamienski, Shooting Up, p.114.</p><p>211. Lukasz Kamienski, Shooting Up, p.115.</p><p>212. Lukasz Kamienski, Shooting Up, p.140.</p><p>213. Antony Beevor, Berlim, p.78.</p><p>214. SIS — Secret Intelligence Service e MI6 — Military Intelligence,</p><p>Seção 6.</p><p>215. Benjamim Ginsberg, Judeus contra Hitler, p.108. Ver Our</p><p>History, em Secret Intelligence Service, disponível em</p><p>.</p><p>216. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.208.</p><p>217. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.20 e 218.</p><p>218. Ver, por exemplo, Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial,</p><p>p. 214; Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.30; Max</p><p>Hastings, Inferno, p.157.</p><p>219. Martin Allen, A missão secreta de Rudolf Hess, p.318.</p><p>220. OSS — Office of Strategic Services e CIA — Central Intelligence</p><p>Agency.</p><p>221. Benjamim Ginsberg, Judeus contra Hitler, p.114-115.</p><p>222. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.294.</p><p>223. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.34, 41 e seg.</p><p>224. Eric Hobsbawm, Era dos Extremos, p.508.</p><p>225. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.92.</p><p>226. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.244.</p><p>227. F. Winterbotham, Enigma, p.106.</p><p>228. Max Hastings, Inferno, p.387.</p><p>229. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.84.</p><p>230. Andrew Roberts, Hitler & Churchill, p.137.</p><p>231. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.12.</p><p>232. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.185.</p><p>233. F. Winterbotham, Enigma, p.15.</p><p>234. F. Winterbotham, Enigma, p.12.</p><p>235. John Lukacs, O Duelo, p.143.</p><p>236. Constantine Pleshakov, A loucura de Stálin, p.73.</p><p>237. F. Winterbotham, Enigma, p.212.</p><p>238. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.281.</p><p>239. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.517.</p><p>240. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.286 e 314.</p><p>241. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.905.</p><p>242. Carla Bassanezi Pinsky e Joana Maria Pedro, Igualdade e</p><p>especificidade, em História da Cidadania, p.296.</p><p>243. Martin Kitchen, História da Alemanha Moderna, p.382.</p><p>244. Marc Hillel, Em nome da raça, p.41.</p><p>245. Marc Hillel, Em nome da raça, p.34.</p><p>246. Marc Hillel, Em nome da raça, p.236 e 300.</p><p>247. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.200.</p><p>248. Max Hastings, Inferno, p.357.</p><p>249. Max Hastings, Inferno, p.373.</p><p>250. Antony Beevor, Stalingrado, p.134.</p><p>251. Claude Quétel, As mulheres na guerra, p.122.</p><p>252. Claude Quétel, As mulheres na guerra, p.128.</p><p>253. Antony Beevor, O mistério de Olga Tchekova, p.156.</p><p>254. Max Hastings, Inferno, p.336.</p><p>255. Antony Beevor, O mistério de Olga Tchekova, p.220.</p><p>256. Antony Beevor, O mistério de Olga Tchekova, p.206, 209 e 211.</p><p>257. Antony Beevor, O mistério de Olga Tchekova, p.159.</p><p>258. Claude Quétel, As mulheres na guerra, p.112.</p><p>259. Mark Mazower, O império de Hitler, p.542.</p><p>260. Hardy Graupner, Livro revela horrores sobre bordéis em</p><p>campos de concentração na Alemanha nazista, em Deutsche Welle,</p><p>19 ago. 2009, disponível em . O livro de</p><p>Sommer, Das KZ Bordell, não tem versão para o português.</p><p>261. Ian Buruma, Ano Zero, p.69.</p><p>262. Claude Quétel, As mulheres na guerra, p.58.</p><p>263. Ian Buruma, Ano Zero, p.117.</p><p>264. Antony Beevor, Berlim, p.507.</p><p>265. Anne Frank, O diário de Anne Frank, p. 7-8. Sobre uma</p><p>conversa sobre sexo com Peter van Pels, ver p.182-185.</p><p>266. Sobre a autenticidade do diário, ver Origin, em Anne Frank</p><p>Fonds, disponível em , ou o</p><p>livro de Francine Prose, Anne Frank, a história do diário que</p><p>comoveu o mundo (Zahar, 2010).</p><p>267. Francine Prose, Anne Frank, p.235.</p><p>268. Anne Frank, O diário de Anne Frank, p.171-172.</p><p>269. Claudio Picazio, Diferentes desejos, p.142.</p><p>270. Anne Frank, O diário de Anne Frank, p.60 e 196.</p><p>271. Pascale Bos, Reconsidering Anne Frank, p.106.</p><p>272. Eric Hobsbawm, Era dos Extremos, p.165.</p><p>273. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.483.</p><p>274. Michael Paterson, Decifradores de códigos, p.188.</p><p>275. Fernando Fernandes, A estrada para Fornovo, p.83.</p><p>276. Rodrigo Trespach, O carrasco de Hitler, p.37.</p><p>277. Frederic Sondern, Onze noruegueses contra a Bomba Atômica,</p><p>em Grande Crônica da Segunda Guerra, p.143-149.</p><p>278. Max Hastings, Inferno, p.448.</p><p>279. Benjamin Ginsberg, Judeus contra Hitler, p.32.</p><p>280. Benjamin Ginsberg, Judeus contra Hitler, p.39-41.</p><p>281. Antony Beevor, Berlim, p.225-226.</p><p>282. Benjamin Ginsberg, Judeus contra Hitler, p.51.</p><p>283. Benjamin Ginsberg, Judeus contra Hitler, p.112.</p><p>284. Benjamin Ginsberg, Judeus contra Hitler, p.146-147.</p><p>285. Mark Mazower, O império de Hitler, p.189.</p><p>286. Mark Mazower, O império de Hitler, p.190.</p><p>287. Antony Beevor, Stalingrado, p.497; Hanson Baldwin, Batalhas</p><p>ganhas e perdidas, p.223.</p><p>288. Stephen Ambrose, O Dia D, p.705.</p><p>289. Max Hastings, Inferno, p.343.</p><p>290. Constantine Pleshakov, A loucura de Stálin, p.21.</p><p>291. Hildegard Kronawitter, Sophie Scholl — eine Ikone des</p><p>Widerstands, p.84.</p><p>292. Robert Wistrich, Who’s Who in Nazi Germany, p.227.</p><p>293. Hildegard Kronawitter, Sophie Scholl — eine Ikone des</p><p>Widerstands, p.86.</p><p>294. Robert Wistrich, Who’s Who in Nazi Germany, p.228.</p><p>295. Hildegard Kronawitter, Sophie Scholl — eine Ikone des</p><p>Widerstands, p.90.</p><p>296. . Deutsche Welle, de 22 de fev de 2003. Disponível em</p><p>.</p><p>297. Roger, Manvell, Os conspiradores, p.48.</p><p>298. Guido Knopp, Guerreiros de Hitler, p.280.</p><p>299. Roger, Manvell, Os conspiradores, p.50.</p><p>300. C.G. Sweeting, O piloto de Hitler, p.297.</p><p>301. Tobias Kniebe, Operação Valquíria, p.30.</p><p>302. Tobias Kniebe, Operação Valquíria, p.40.</p><p>303. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.58.</p><p>304. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.71.</p><p>305. Joachim Fest, Hitler, p.802.</p><p>306. Roger, Manvell, Os conspiradores, p.139.</p><p>307. Roberto Sander, O Brasil na mira de Hitler, p.292.</p><p>308. Gary e Rose Neeleman, Soldados da borracha, p.16.</p><p>309. Ricardo Seitenfus, O Brasil vai à guerra, p.280.</p><p>310. Gary e Rose Neeleman, Soldados da borracha, p.205.</p><p>311. Roberto Sander, O Brasil na mira de Hitler, p.70.</p><p>312. Durval Pereira, Operação Brasil, p.97.</p><p>313. Durval Pereira, Operação Brasil, p.125-126.</p><p>314. Durval Pereira, Operação Brasil, p.206.</p><p>315. René Gertz, O neonazismo no Rio Grande do Sul, p.10-12.</p><p>316. Frank McCann e Francisco Ferraz, Brazilian-American Joint</p><p>Operations in World War II, p.91.</p><p>317. João Barone, 1942, p.225; Fernando Fernandes, A estrada para</p><p>Fornovo, p.189.</p><p>318. Israel Blajberg, Soldados que vieram de longe, p.29.</p><p>319. Relato do primeiro-tenente Massaki Udihara, citado por João</p><p>Barone, 1942, p.175.</p><p>320. William Waack, As duas faces da glória, p.160.</p><p>321. William Waack, As duas faces da glória, p.166.</p><p>322. Hernâni Donato, Dicionário das Batalhas Brasileiras, p.366-</p><p>367.</p><p>323. William Waack, As duas faces da glória, p.276.</p><p>324. William Waack, As duas faces da glória, p.275.</p><p>325. João Barone, 1942, p.203.</p><p>326. A bibliografia diverge quando ao número de mortos. Joel</p><p>Silveira aponta 443; Boris Fausto, 454; Gary Neeleman, 457; e João</p><p>Barone, 468. O número total de soldados também varia muito,</p><p>entre 25.334 e 25.455.</p><p>327. William Waack, As duas faces da glória, p.272.</p><p>328. Rui Lima, Senta a Pua!, p.48-52.</p><p>329. Rui Lima, Senta a Pua!, p.356.</p><p>330. João Barone, 1942, p.165.</p><p>331. Dennison de Oliveira, Os soldados brasileiros de Hitler, p.17.</p><p>332. João Barone, 1942, p.170.</p><p>333. Ver Website Oficial de Pierre-Henri Clostermann em</p><p>.</p><p>334. João Barone, 1942, p.261.</p><p>335. Marcelo Szpilman em seu livro Judeus, p.240, informa que</p><p>João Guimarães Rosa também recebeu a honraria, mas o site da Yad</p><p>Vashem, atualizado em 1º jan. 2016, não lista seu nome. Ver página</p><p>The Righteous Among The Nations no site em</p><p>.</p><p>336. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.888.</p><p>337. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.383.</p><p>338. John Cornwell, Os cientistas de Hitler, p.213.</p><p>339. Guia de Armas de Guerra, Bombardeiros da II Guerra, vol.1,</p><p>p.22, 66 e 70.</p><p>340. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.301.</p><p>341. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.902.</p><p>342. Transcript of Surreptitiously Taped Conversations among</p><p>German Nuclear Physicists at Farm Hall, disponível em German</p><p>History in Documents and Images: .</p><p>343. Gordon Thomas e Max Morgan Witts, A bomba de Hiroxima,</p><p>p.47. Ver também reportagem jornal O Globo, de 6 ago. 2015.</p><p>“Documentos provam que Japão trabalhava em bomba atômica</p><p>durante a Segunda Guerra”. Disponível em</p><p>.</p><p>344. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.581.</p><p>345. Mark Mazower, O império de Hitler, p.350.</p><p>346. Miklos Nyiszli, Médico em Auschwitz, p.117.</p><p>347. John Michalczyk, Medicine, Ethics, and the Third Reich, p.36.</p><p>348. Miklos Nyiszli, Médico em Auschwitz, p.69.</p><p>349. Miklos Nyiszli, Médico em Auschwitz, p.220.</p><p>350. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.581.</p><p>351. Entrevista ao autor, em 24 maio 2015. Disponível em</p><p>.</p><p>352. Bryan Rigg, Os soldados judeus de Hitler, p.286.</p><p>353. Guia de Armas de Guerra, Bombardeiros da II Guerra, vol.1,</p><p>p.22 e 70.</p><p>354. John Michalczyk, Medicine, Ethics, and the Third Reich, p. 97.</p><p>N United States Holocaust Memorial Museum —</p><p>— há uma coleção de fotos de Rascher,</p><p>assim como as gravações</p><p>de Nuremberg depois da guerra,</p><p>dava conta que Alois seria filho de um judeu de Graz chamado</p><p>Frankenberg, em cuja casa Maria Anna trabalhava como doméstica.</p><p>Em 1942, a Gestapo fez uma pesquisa sobre a ancestralidade do</p><p>Führer, mas não chegou (ou não quis chegar) a uma conclusão</p><p>definitiva. Certo é que Alois Schicklgruber só se tornou Alois Hitler</p><p>quase trinta anos depois da morte de Maria Anna, quando Johann</p><p>Nepomuk solicitou ao padre que alterasse o registro de nascimento.</p><p>Assim, Adolf, nascido em 20 de abril de 1889, em Braunau am Inn,</p><p>na rua Vorstadt, 219, fruto do segundo casamento de Alois com</p><p>Klara Polzl, é registrado como Hitler, e não como Schicklgruber.</p><p>(Uma piada comum na época da guerra agradecia a alteração; se ela</p><p>não tivesse sido feita, os alemães teriam que saudar “Heil</p><p>Schicklgruber!”.)</p><p>Em agosto de 2010, uma revista belga publicou um estudo</p><p>genético em que o jornalista Jean-Paul Mulders e o historiador Marc</p><p>Vermeeren sugeriam que Hitler realmente tinha ancestrais judeus e</p><p>africanos. O estudo teria sido realizado com amostras de DNA de</p><p>parentes do ditador e teria apontado como haplogrupo (a</p><p>identidade genética de populações humanas) da família o E1b1b.32</p><p>Pouco comum na Europa Central e mais comum entre os berberes</p><p>do Norte da África e os judeus sefaradim e ashkenazim, a</p><p>informação de que o DNA da família Hitler era o E1b1b serviu para</p><p>que se tomasse como certa a ancestralidade judaica do Führer — a</p><p>informação passou a circular inclusive em diversos livros. No</p><p>entanto, 15 dias depois da afirmação da revista, o Family Tree DNA,</p><p>uma empresa líder no mundo em pesquisas de ancestralidade</p><p>genética, declarou em nota oficial que o estudo realizado era</p><p>“altamente questionável”. O E1b1b é o DNA de menos de 9% de</p><p>pessoas na Alemanha e Áustria e, destas, mais de 80% não têm</p><p>ligação com ancestrais judeus. O cientista chefe do FTDNA, o</p><p>geneticista Michael Hammer, afirmou que “estudos científicos,</p><p>bem como os registros do nosso próprio banco de dados, deixam</p><p>claro que não se pode chegar à conclusão” encontrada por Mulders</p><p>e Vermeeren.33 O mistério permanece.</p><p>NA INTIMIDADE: DROGAS E EXCENTRICIDADES</p><p>Seja como for, na época, Hitler não tinha ideia de quem era</p><p>realmente seu avô. Depois da fracassada tentativa de se tornar</p><p>pintor (ele foi reprovado duas vezes no exame de admissão da</p><p>Academia de Belas-Artes de Viena, mas viveu certo tempo</p><p>vendendo aquarelas dos prédios históricos da cidade) e de uma</p><p>vida errante de quase mendicância, ele serviu na Primeira Guerra</p><p>Mundial ao Exército da Alemanha, país que admirava. A derrota em</p><p>1918 e os equívocos do Tratado de Versalhes despertaram-lhe o</p><p>interesse político; o que se tornou uma obsessão.</p><p>Desde a década de 1920, Hitler era conhecido dentro de seu</p><p>círculo como “Wolf”, o lobo. Segundo escreveu um de seus</p><p>biógrafos, ele acreditava que essa era a forma germânica primitiva</p><p>de Adolf e que “correspondia à sua representação do mundo como</p><p>uma selva; e inculcava, ademais, uma ideia de força, de</p><p>agressividade, de solidão”.34 Por isso, seu principal quartel-general</p><p>e muitos quartéis secundários eram denominados com a</p><p>terminologia Wolf. Além de Wolfsschanze (Toca do Lobo), em</p><p>Rastenburg — à época na Prússia Oriental e hoje na Polônia —, o</p><p>mais importante dos quartéis-generais de Hitler, havia</p><p>Wolfsschlucht I (Desfiladeiro do Lobo), em Bruly-de-Pesche, na</p><p>Bélgica, Wolfsschlucht II, em Margival, na França, e ainda Werwolf</p><p>(Lobisomem), em Vinnytsia, na Ucrânia. No final da guerra ele</p><p>também deu o nome de Werwolf às unidades que combatiam atrás</p><p>das linhas inimigas ou em território alemão ocupado e tinham</p><p>como missão sabotar a ação dos invasores. O nome dado à cidade</p><p>alemã de Wolfsburg também foi uma homenagem a Hitler, criada</p><p>para ser a sede da Volkswagen, em 1938.</p><p>Hitler realmente tinha o hábito noturno dos lobos, “o sol lhe</p><p>fazia mal”. Depois de alcançar o poder e pouco antes da guerra,</p><p>suas reuniões duravam a noite inteira e terminavam durante a</p><p>madrugada, depois dos monólogos que obrigava seu séquito a ouvir</p><p>quase diariamente. “Na verdade era necessário um poderoso</p><p>controle dos nervos para assistir àquelas reuniões intermináveis,</p><p>diante do cenário imutável de toras queimando dentro da grande</p><p>lareira” do Berghof, escreveu uma secretária.35</p><p>Por causa desse hábito, ele acordava geralmente por volta das</p><p>onze horas e a dieta do desjejum incluía um copo de leite e pão sem</p><p>sal, maçã ralada, nozes, flocos de aveia e limão. Desde o início de</p><p>sua atividade política, Hitler tornara-se vegetariano, motivo pelo</p><p>qual sua alimentação principal consistia em “pratos únicos”, como</p><p>feijões, ervilhas e lentilhas. Segundo sua secretária Christa</p><p>Schröder, “recusava-se até a beber um caldo de carne ou gordura”.</p><p>Seu horror à carne era tanto que ele tinha o péssimo hábito de falar</p><p>à mesa sobre como ela representava matéria morta e podre,</p><p>detalhando aos convidados o trabalho sanguinolento nos</p><p>abatedouros e o esquartejamento dos animais. Sua sobremesa</p><p>favorita era torta de creme e chocolate. Detestava álcool e fumaça</p><p>de cigarro. Não bebia nem café, nem chá preto. E embora</p><p>costumasse fazer os outros rirem (era um bom imitador), ele</p><p>próprio raramente ria. Sua secretária particular só o viu rir por duas</p><p>vezes.36</p><p>Um grupo bem pequeno de pessoas tinha acesso a Hitler e outro</p><p>menor ainda conhecia sua intimidade; a bem poucos ele dedicava</p><p>atenção e confiança. (Com a guerra, apenas o Alto-Comando da</p><p>Wehrmacht tinha permissão para se aproximar dele e, depois do</p><p>atentado de 1944, somente uns poucos oficiais.) Esse pequeno</p><p>grupo era formado por seus ajudantes Otto Günsche, Julius Schaub,</p><p>Heinz Linge e Hans Junge, as secretárias Johanna Wolf, Gerda</p><p>Daranowski Christian, Christa Schröder e Traudl Humps (mais</p><p>conhecida como Traudl Junge), sua cozinheira Constanze</p><p>Manziarly, seu piloto particular Hans Baur e seu motorista Erich</p><p>Kempka. Nas palavras do historiador norte-americano Timothy</p><p>Ryback, “anônimos e insignificantes para a história, mas</p><p>indivíduos que Hitler considerava sua ‘família’”.37 Chegou-se</p><p>mesmo a afirmar que seu único amigo era Blondi, sua cadela</p><p>alsaciana a quem dedicava um carinho especial.</p><p>A música de Wagner, carros grandes e velozes, cães e flores eram</p><p>suas paixões, assim como os livros. Sua coleção, dispersa entre</p><p>Munique, Berlim e Obersalzberg, é impressionante: cerca de 16 mil</p><p>exemplares. Além de obras dos grandes escritores alemães, havia</p><p>livros sobre literatura, arquitetura e arte, uma grande quantidade</p><p>de livros sobre equipamentos, campanhas e biografias militares e</p><p>uma coleção das obras de Shakespeare, a quem Hitler considerava</p><p>“superior a Goethe e Schiller em todos os aspectos”. Frederick</p><p>Oechsner, jornalista norte-americano que se deteve em estudos</p><p>sobre a biblioteca particular de Hitler, estima que sete mil volumes</p><p>da coleção eram dedicados a questões militares. Nada do que se</p><p>espera de um estadista, nem mesmo algo expressivo sobre direito,</p><p>religião, filosofia, economia ou história mundial foi encontrado em</p><p>sua biblioteca.</p><p>Hitler e a cadela Blondi, no Berghof. (Do Álbum de fotos de Eva Braun.)</p><p>Ryback, autor de uma pesquisa sobre os 1.200 livros restantes da</p><p>coleção original de Hitler, hoje guardados na Biblioteca do</p><p>Congresso, em Washington, acredita que “dois terços de sua</p><p>coleção consistem em livros que ele nunca olhou, muito menos</p><p>leu”.38 Motivo pelo qual o jornalista alemão Hans Beilhack,</p><p>escrevendo para o jornal Süddeutsche Zeitung, em 1946, foi</p><p>categórico: “É a típica biblioteca de um diletante.”39 “A biblioteca</p><p>de Hitler”, escreveu Beilhack, “é a de um homem que nunca</p><p>procurou obter sistematicamente conhecimentos e aprendizado</p><p>amplos em qualquer área específica.” Kershaw tem outra opinião:</p><p>“embora seus conhecimentos fossem incompletos, unilaterais e</p><p>dogmaticamente inflexíveis, ele era inteligente e sagaz”.40</p><p>Realmente, Hitler tinha uma memória extraordinária para detalhes</p><p>técnicos e fatos de seu interesse. Seu amigo de juventude, August</p><p>Kubizek, citado em Mein Kampf, afirmou que “os livros eram todo</p><p>o seu mundo”.41</p><p>Hitler tinha o que muitos afirmavam</p><p>de seu julgamento pós-guerra.</p><p>355. John Michalczyk, Medicine, Ethics, and the Third Reich, p.96.</p><p>356. Mark Campbell e Viktor Harsch, Hubertus Strughold, p.9.</p><p>357. Robert Proctor, Racial Hygiene, p.300.</p><p>358. Antony Beevor, Berlim, p.129 e 796.</p><p>359. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.129.</p><p>360. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.731.</p><p>361. Martin Kitchen, História da Alemanha Moderna, p.428.</p><p>362. Max Hastings, Inferno, p.672.</p><p>363. Gordon Thomas e Max Morgan Witts, A bomba de Hiroxima,</p><p>p.273.</p><p>364. Angela Lambert, A história perdida de Eva Braun, p.569.</p><p>365. Antony Beevor, Berlim, p.69.</p><p>366. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.148.</p><p>367. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.153.</p><p>368. Antony Beevor, Berlim, p.254.</p><p>369. Ian Buruma, Ano Zero, p.61.</p><p>370. Max Hastings, Inferno, p.481.</p><p>371. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.414.</p><p>372. Antony Beevor, Berlim, p.501 e 504.</p><p>373. Miriam Gebhardt é autora de Als die Soldaten kamen: Die</p><p>Vergewaltigung deutscher Frauen am Ende des Zweiten Weltkriegs,</p><p>em uma tradução literal “Quando os soldados chegam: o estupro</p><p>das mulheres alemãs no final da Segunda Guerra”.</p><p>374. Nikolai Tolstoy, A guerra secreta de Stálin, p.269.</p><p>375. Max Hastings, Inferno, p.649.</p><p>376. Antony Beevor, Berlim, p.370.</p><p>377. Anônima, Uma mulher em Berlim, p.64-65.</p><p>378. Antony Beevor, Berlim, p.72.</p><p>379. Antony Beevor, Berlim, p.157.</p><p>380. Antony Beevor, A Segunda Guerra Mundial, p.858.</p><p>381. Ian Buruma, Ano Zero, p.54.</p><p>382. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.382.</p><p>383. Richard Chesnoff, Bando de Ladrões, p.47 e 74.</p><p>384. Ian Buruma, Ano Zero, p.274.</p><p>385. Reinhard Gehlen, O Serviço Secreto, p.136 a 140.</p><p>386. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.345.</p><p>387. Max Hastings, Inferno, p.445.</p><p>388. Erich Hobsbawm, Era dos Extremos, p.214.</p><p>389. Rodrigo Trespach, Anjos do Mal, p.35.</p><p>390. Ver, por exemplo, reportagem de Anna Edwards para o jornal</p><p>inglês Daily Mail, de 25 jan. 2014. Disponível em</p><p>.</p><p>391. Ver página Hitler-Tagebücher, no site da revista Stern:</p><p>.</p><p>392. Joachim Fest, Hitler, v.2, p.816.</p><p>393. Ian Kershaw, Hitler, p.195.</p><p>394. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.414.</p><p>395. Citado por Angela Lambert, A história perdida de Eva Braun,</p><p>p.478.</p><p>396. Ian Kershaw, O fim do Terceiro Reich, p.403.</p><p>397. Joachim Fest, No bunker de Hitler, p.166.</p><p>398. Lev Bezymenski, The Death of Adolf Hitler, p.44 e seguintes e</p><p>p.110 e seguintes.</p><p>399. Lev Bezymenski, The Death of Adolf Hitler, p.44.</p><p>400. Lev Bezymenski, The Death of Adolf Hitler, p.56.</p><p>401. Antony Beevor, Berlim, p.490.</p><p>402. Revista Time, edição de 7 maio 1945, Vol. XLX, n.19. Ver</p><p>.</p><p>403. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.277.</p><p>404. Antony Beevor, Berlim, p.489.</p><p>405. Ian Sayer e Douglas Botting, Hitler e as mulheres, p.245.</p><p>406. Joachim Fest, No bunker de Hitler, p.169; Antony Beevor,</p><p>Berlim, p.526.</p><p>407. Joachim Fest, No bunker de Hitler, p.166.</p><p>408. Luciano Aleotti, Hitler, p.158.</p><p>409. Joachim Fest, No bunker de Hitler, p.168.</p><p>410. Ver site do autor Bariloche Nazi,</p><p>.</p><p>411. Marcos Meinerz, Operação Odessa, p.57.</p><p>412. Marcos Meinerz, Operação Odessa, p.54.</p><p>413. Reinhard Gehlen, O Serviço Secreto, p. 98-99.</p><p>414. C.G. Sweeting, O piloto de Hitler, p.386; Antony Beevor,</p><p>Berlim, p.471.</p><p>415. Uki Goñi, A verdadeira Odessa, p.23; Ian Sayer e Douglas</p><p>Botting, Hitler e as mulheres, p.235.</p><p>416. Uki Goñi, A verdadeira Odessa, p.22.</p><p>417. Sergio Costa, Crônicas de uma guerra secreta, p.462.</p><p>418. Eric Frattini, Mossad, p.52.</p><p>419. Ian Buruma, Ano Zero, p. 146-151; Michael Dobbs, Seis Meses</p><p>em 1945, p.161.</p><p>420. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.138.</p><p>421. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.208.</p><p>422. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.872.</p><p>423. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.261.</p><p>424. Winston Churchill, Memórias da Segunda Guerra Mundial,</p><p>p.1123.</p><p>425. Joseph Goebbels, “Das Jahr 2000”, em Das Reich, de 25 jan.</p><p>1945. Disponível em http://research.calvin.edu/german-</p><p>propaganda-archive/goeb49.htm.</p><p>426. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.432.</p><p>427. Ian Buruma, Ano Zero, p.130.</p><p>428. Ian Buruma, Ano Zero, p.165 e 172.</p><p>429. Michael Dobbs, Seis Meses em 1945, p.433.</p><p>430. Richard Chesnoff, Bando de Ladrões, p.292.</p><p>431. Eric Hobsbawm, Era dos Extremos, p.215.</p><p>432. Revista Time, edição de 28 out. 1946, Vol. XLVIII, n.1, p.34.</p><p>Ver http://time.com.</p><p>433. Martin Kitchen, História da Alemanha Moderna, p.433.</p><p>434. Mietek Pemper, A lista de Schindler, p.254.</p><p>435. Rodrigo Trespach, O homem por trás da lista de Schindler,</p><p>p.27.</p><p>436. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.909.</p><p>437. Eric Frattini, Mossad, p.16.</p><p>438. Martin Gilbert, A Segunda Guerra Mundial, p.904; Martin</p><p>Kitchen, História da Alemanha Moderna, p.434.</p><p>CRÉDITO DAS IMAGENS</p><p>Imagens 1, 2 e 3: © Getty Images Brazil / Archive Photos − RM</p><p>Editorial Images</p><p>Imagem 1: © Getty Images Brazil / Bettmann</p><p>Imagem 1: © Getty Images Brazil / Gamma-Keystone - RM Editorial</p><p>Images</p><p>Imagens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11: © Getty Images Brazil /</p><p>Hulton Archive - RM Editorial Images</p><p>Imagem 1: © Getty Images Brazil / Imperial War Museums − RM</p><p>Editorial Images</p><p>Imagens 1, 2, 3: © Getty Images Brazil / Roger Viollet − RM Editorial</p><p>Images</p><p>Imagem 1: © Getty Images Brazil / SPL Creative − RM Images</p><p>Imagens 1 e 2: © Getty Images Brazil / The LIFE Picture Collection −</p><p>RM Editorial Images</p><p>Imagens 1 e 2: © Getty Images Brazil / ullstein bild − RM Editorial</p><p>Images</p><p>Imagens 1 e 2: © Getty Images Brazil / Universal Images Group −</p><p>RM Editorial Images</p><p>Publisher</p><p>Omar de Souza</p><p>Gerente editoral</p><p>Renata Sturm</p><p>Editora</p><p>Thalita Aragão Ramalho</p><p>Preparação de texto</p><p>Pina Bastos</p><p>Revisão</p><p>Daniel Borges</p><p>Isis Pinto</p><p>Luiz Werneck</p><p>Thamíris Leiroza</p><p>Projeto gráfico e diagramação</p><p>Rafael Nobre | Babilonia Cultura Editorial</p><p>Aberturas de capítulo</p><p>Rafael Nobre e Cadu França | Babilonia Cultura Editorial</p><p>Projeto gráfico de capa</p><p>Rafael Brum</p><p>Ilustração de capa</p><p>Luís Ernesto de Morais</p><p>Produção do eBook</p><p>Ranna Studio</p><p>Rosto</p><p>Créditos</p><p>Dedicatória</p><p>Sumário</p><p>Histórias não (ou mal) contadas</p><p>1. Lustrando armas</p><p>2. Hitler, o lobo</p><p>3. Churchill e Roosevelt: sexo, drogas e poder</p><p>4. Tio Joe, o czar vermelho</p><p>5. Shoah, o holocausto judeu</p><p>6. Holocaustos esquecidos</p><p>7. Soldados vira-casacas e drogados</p><p>8. Guerra de inteligência</p><p>9. Mulheres na guerra</p><p>10. Resistências</p><p>11. A cobra fumou! o brasil na segunda guerra</p><p>12. Ciência nazista</p><p>13. Os aliados não eram heróis</p><p>14. Hitler (não) morreu no bunker!</p><p>15. Uma guerra (nada) fria</p><p>Lista dos personagens principais</p><p>Abreviaturas e terminologias comuns</p><p>Bibliografia de referência</p><p>Notas</p><p>Crédito das imagens</p><p>Ficha técnica</p><p>ser “dominação</p><p>carismática” sobre os que o cercavam e sobre o povo em geral.</p><p>Mesmo depois da guerra, a secretária favorita de Hitler, Christian,</p><p>conservou boas lembranças do “chefe”: “bondoso e justo.”42 Baur</p><p>também acreditava nisso, mesmo depois de passar anos como</p><p>prisioneiro dos russos e perder uma perna por causa da guerra. Para</p><p>ele, Hitler ainda era “um homem realmente notável, gentil e</p><p>atencioso”.43 Seus grandes olhos azuis, o lendário “olhar do</p><p>Führer”, exerciam grande magnetismo. Outra de suas secretárias,</p><p>Traudl Junge, revelou que Hitler “era um homem excitante, embora</p><p>de aparência não exatamente atraente. Mas tinha um brilho. Os</p><p>olhos eram interessantes. E possuía uma espécie de charme —</p><p>todos sabem que existe uma fascinação natural por pessoas</p><p>extraordinárias, independente de quem sejam”.44 A fascinação pelo</p><p>Führer fez com que “as mulheres que eram dominadas por uma</p><p>exaltação sentimental extraordinária ao contemplarem Hitler no</p><p>tumulto das manifestações noturnas” legassem, por testamento,</p><p>todas as suas posses ao Partido Nazista.45 É inegável o magnetismo</p><p>que ele exercia sobre as pessoas. Otto Rudolf Hensheimer, um</p><p>estudante judeu de 25 anos, ao ouvir um discurso de Hitler no rádio</p><p>em 1933, considerou “chocante, esmagador — e, no entanto, ao</p><p>mesmo tempo, edificante”. “Não existe realmente nenhuma</p><p>possibilidade de um judeu tomar parte nesta coisa aqui?”, se</p><p>perguntou.46 Martin Heidegger, o maior dos filósofos alemães,</p><p>também enalteceu o regime e nunca se desculpou por sua posição.</p><p>O historiador britânico John Lukacs tem uma explicação. Hitler</p><p>“possuía o grande talento profissional que se aplica a todas as</p><p>questões relacionadas ao ser humano: uma compreensão da</p><p>natureza humana e a compreensão das fraquezas de seus</p><p>adversários. Isso foi suficiente para levá-lo muito longe”.47</p><p>Seu magnetismo hipnotizava multidões e até mesmo filósofos,</p><p>mas sua saúde era frágil. Se Hitler precisasse realizar um discurso</p><p>em dias frios ou chuvosos, Theodore Morell, um de seus médicos</p><p>particulares, lhe aplicava injeções com complexos vitamínicos no</p><p>dia anterior, no dia do discurso e no dia seguinte. A resistência</p><p>natural do corpo foi, assim, gradualmente sendo substituída por</p><p>um meio artificial. Hitler recebia grandes quantidades das “pílulas</p><p>de ouro” do doutor Morell. Tais comprimidos eram feitos à base de</p><p>dextrose, vitaminas e hormônios animais, como “extrato de</p><p>testículo de touro”. Ao todo, segundo Morell, Hitler tomava 28</p><p>medicamentos, parte deles diariamente. Alguns eram ministrados</p><p>pelo próprio Hitler, como enemas de camomila (o que contribuiu</p><p>para a divulgação de uma suposta obsessão anal do Führer).48 Até</p><p>mesmo o Pervitin dado aos soldados parecia fraco demais para o</p><p>desejo que Hitler tinha de se tornar invulnerável e eufórico</p><p>diariamente. Acabou viciado em Eukodal, um derivado do ópio,</p><p>intimamente relacionado à heroína e aos esteroides.49</p><p>O pesquisador polonês Lukasz Kamienski acredita que o excesso</p><p>de drogas causaria insônia severa em qualquer pessoa normal. Mas</p><p>Hitler já sofria de distúrbios do sono. Então, para que ele pudesse</p><p>dormir à noite, Morell administrava doses igualmente potentes de</p><p>sedativos hipnóticos, principalmente barbitúricos, e bromo. O</p><p>resultado era que muitas vezes Hitler simplesmente não conseguia</p><p>acordar pela manhã. Kamienski supõe que isso seja um dos</p><p>motivos pelo qual ninguém tinha permissão para acordá-lo; o que</p><p>explicaria, por exemplo, a atitude do Estado-Maior da Wehrmacht</p><p>diante do Dia D, quando os alemães levaram horas para reagir ao</p><p>ataque Aliado. Estavam aguardando Hitler acordar do seu sono</p><p>entorpecido. Além da insônia, o Führer tinha outros problemas</p><p>graves: dores crônicas de cabeça e no estômago e mau</p><p>funcionamento do intestino. Baur afirmou que ele sofria de</p><p>“exaustão intestinal”, enquanto Kershaw fala em “espasmos</p><p>intestinais”.50 Resumindo, Hitler tinha sérios problemas de</p><p>flatulência.</p><p>SEXO: AMORES, HOMOSSEXUALIDADE E CRIPTORQUIA</p><p>Além da possível origem judaica, poucos temas sobre Hitler são</p><p>mais polêmicos do que sua vida sexual. As opiniões variam de um</p><p>elevado número de amantes mulheres e parceiros homossexuais,</p><p>sexo oral e anal (o que era visto como depravação na década de</p><p>1930) com a sobrinha até esquisitices como a coprofilia e a zoofilia</p><p>— o prazer sexual por fezes e por animais, respectivamente.51</p><p>Segundo Christa Schroeder, a secretária particular de Hitler, que</p><p>o acompanhou por 12 anos, de 1933 a 1945, “desde muito jovem,</p><p>Hitler se interessava pelas meninas”.52 Schroeder, que fora</p><p>estimulada a escrever sobre o chefe enquanto prisioneira no campo</p><p>de Augsburg, em 1947, relatou que Hitler contara a ela que “à noite,</p><p>em Linz, quando via uma garota que lhe interessava, ia direto para</p><p>junto dela”.</p><p>Mas o amigo Kubizek parece contrariar a opinião de Schroeder.</p><p>Segundo ele, as mulheres se sentiam atraídas pelo futuro Führer,</p><p>mas “era natural que Adolf ignorasse namoricos e flertes e repelisse</p><p>as tentativas de aproximação das moças”. Tanto em Linz quanto em</p><p>Viena, Hitler “sempre conseguiu driblar essas tentativas de</p><p>aproximação”. O relato de Kubizek deu margens às especulações</p><p>de que Hitler esconderia sua verdadeira orientação sexual. Em um</p><p>livro polêmico, O segredo de Hitler, o historiador alemão Lothar</p><p>Machtan afirma que Hitler era homossexual reprimido e que na sua</p><p>juventude ele não teria se interessado por mulheres, mas por</p><p>homens. Para Machtan, o Führer e parte da elite nazista eram</p><p>“homossexuais ou, no mínimo, apresentavam fortes inclinações</p><p>homoeróticas”.53 Alguns, de fato, eram homossexuais assumidos,</p><p>como o líder da SA Ernst Röhm, morto por ordem de Hitler antes</p><p>da Segunda Guerra. Mas a lista incluiria ainda nomes como Rudolf</p><p>Hess e Albert Speer (o que nenhum outro historiador jamais</p><p>cogitou). “Diferentemente do que se presumia até hoje, suas</p><p>amizades com homens eram, na realidade, ‘amores entre</p><p>homens’”, resumiu.</p><p>Sobre o livro de memórias de Kubizek, publicado em 1953,</p><p>Machtan destacou um trecho que resumiria o tipo de amizade que</p><p>uniu Hitler e seu amigo. Surpreendidos por uma forte chuva</p><p>durante uma caminhada pelas montanhas, os dois jovens</p><p>refugiaram-se em uma cabana. Com as roupas molhadas, Kubizek</p><p>preparou uma cama com linho cru sobre o feno, onde dormiram:</p><p>“Adolf, no entanto, parecia indiferente a tudo. Não fazia questão</p><p>que houvesse mais alguém ali. Divertia-se com nossa aventura e</p><p>aquele final romântico lhe agradava bastante.”54</p><p>Kubizek, no entanto, revela em outra passagem o ardente desejo</p><p>de Hitler por uma bonita loira de Linz de nome Stefanie que ele</p><p>chegou a pensar em “raptar”. “Adolf não via que existiam outras</p><p>moças além de Stefanie”, escreveu Kubizek, “não me lembro de</p><p>nenhuma que lhe tenha despertado seu interesse.”55 Para alguns,</p><p>Stefanie seria a primeira de uma série. O jornalista Erich Schaake,</p><p>que escreveu sobre as mulheres na vida do Führer, sequer cogita a</p><p>homossexualidade. Entre os muitos casos, relata até mesmo a</p><p>história do envolvimento com a cozinheira Héléna Leroy, que</p><p>supostamente teria gerado um filho durante a Primeira Guerra</p><p>Mundial, enquanto Hitler era cabo do Exército alemão em Wavrin,</p><p>na França. E os diários pessoais do ministro da Propaganda nazista,</p><p>publicados em 2006, revelaram também outra paixão de Hitler do</p><p>começo da década de 1930: Magda, a futura esposa de Joseph</p><p>Goebbels.</p><p>A historiadora Angela Lambert também é uma ardente defensora</p><p>da heterossexualidade de Hitler. Em seu livro A história perdida de</p><p>Eva Braun, ela não apenas refuta as ideias de Machtan como</p><p>apresenta detalhes da vida sexual e sentimental do ditador com</p><p>várias mulheres, principalmente com Eva e a sobrinha Geli Raubal,</p><p>a grande paixão do ditador. Segundo Lambert, Geli e Eva chegaram</p><p>mesmo a viver um triângulo amoroso com Hitler.</p><p>Apaixonado pela sobrinha, sua “princesa”, Hitler fez da meia</p><p>irmã Angela Hitler a governanta em Obersalzberg para ter a jovem</p><p>sobre seu teto e controle. Mais tarde a levou para o apartamento em</p><p>Munique. Para Lambert, Hitler exigia que as mulheres não</p><p>chamassem a atenção para si em companhia masculina e jamais</p><p>fossem vulgares. Mas Geli era jovem, conhecia bem as sensações</p><p>que causava nos homens e quebrava as duas regras. Putzi</p><p>Hanfstängl a descreveu como “uma putinha cabeça-oca sem</p><p>cérebro nem caráter”. Como a campanha política tomava tempo</p><p>demais do tio, Geli, sozinha em Munique, começou a ter amantes,</p><p>como o motorista de Hitler, Emil Maurice, e as fofocas começaram</p><p>a circular.</p><p>Em setembro de 1931, Geli foi encontrada morta no apartamento</p><p>de Hitler na Prinzregentenplatz. A versão oficial foi de que ela</p><p>cometera suicídio, mas as evidências são contraditórias e</p><p>inconclusivas. Hitler teria matado a sobrinha por ciúmes de seus</p><p>casos amorosos? Ou Geli não suportara a pressão de um obsessivo</p><p>Onk Alf, o tio Adolf? Um psicanalista chegou a afirmar que Geli não</p><p>teria suportado o sexo coprófilo e sadomasoquista de Hitler, o que</p><p>nunca foi provado. Um suposto “Arquivo do Führer”, elaborado</p><p>por Himmler e muito citado por sensacionalistas, daria conta dessa</p><p>atividade desde antes do romance com Geli e incluiria nomes de</p><p>jovens como a judia Rosa Edelstein, Jenny Haug e até uma freira</p><p>“robusta” de nome Eleonora Bauer, com quem Hitler praticaria</p><p>atos de sadismo para manter a ereção.56</p><p>Seja como for, com a morte de Geli, Eva Braun entrava em cena</p><p>definitivamente. Para a secretária Schroeder, Eva não fazia o tipo</p><p>de mulher preferido por Hitler. “Ele preferia o tipo das mulheres da</p><p>Alemanha do sul, morenas robustas, de cor natural.”57 Mas seu</p><p>mordomo pensava diferente. Eva correspondia às expectativas,</p><p>ainda que não fosse brilhante intelectualmente: era bela, loira,</p><p>olhos azuis, “boas pernas, seios firmes e quadris redondos”.58</p><p>Eva nasceu em Munique, mas viveu e estudou em uma escola</p><p>primária na cidade de Simbach, uma aldeia bávara do outro lado do</p><p>Inn, em frente à Braunau, cidade natal do ditador.59 Os dois se</p><p>conheceram em setembro de 1929, quando Eva tinha apenas 17</p><p>anos e ele já passava dos quarenta. Foi no estúdio de Heinrich</p><p>Hoffmann, o fotógrafo oficial de Hitler, onde ela trabalhava como</p><p>assistente. “Eu tinha subido uma escada para alcançar os arquivos</p><p>que estavam nas prateleiras do alto [quando] naquele momento</p><p>meu patrão entrou acompanhado de um homem cuja idade não</p><p>pude avaliar; percebi que ele tinha um bigode engraçado, vestia um</p><p>casaco claro no estilo inglês e segurava um chapéu de feltro. Os</p><p>dois se sentaram e eu senti que aquele homem estranho estava</p><p>olhando para minhas pernas. Naquele dia, eu havia encurtado</p><p>minha saia”, relatou Eva à irmã.60 Ela não sabia, mas selara seu</p><p>destino.</p><p>Muitos historiadores afirmaram que o relacionamento do casal</p><p>não passou de convenção, sem relação sentimental ou sexual. Os</p><p>relatos do círculo íntimo de Hitler, no entanto, apontam que eles</p><p>faziam sexo e com certa frequência, como em qualquer</p><p>“relacionamento normal”. Heinz Linge relatou depois da guerra</p><p>que certa vez flagrou Hitler e Eva em uma “posição nada</p><p>convencional”, mas não explicou o que seria. Otto Günsche,</p><p>secretário pessoal de Hitler, também declarou que os dois tinham</p><p>atividade sexual normal. O mesmo disseram Albert Speer e Traudl</p><p>Junge. A ajudante de Eva, Liesl Ostertag, afirmou anos depois da</p><p>guerra que o romance “não tinha a intensidade latina, mas podia</p><p>ser definido como natural”.61 Por fim, o doutor Morell sustentou,</p><p>em 1945, que o casal mantinha relações sexuais a ponto de Hitler</p><p>solicitar drogas que “aumentassem a libido”. Mas sexo não significa</p><p>amor e, para Junge, ele jamais teria pronunciado tal palavra.</p><p>De qualquer forma, mesmo na época da guerra, a intimidade do</p><p>ditador alemão era um dos temas prediletos em rodas de conversas</p><p>entre os combatentes inimigos. Os soldados britânicos adoravam</p><p>cantar Hitler has only got one ball (Hitler só tem uma bola), uma</p><p>paródia da popular Colonel Bogey March (Marcha do coronel</p><p>Bogey). Em 2015, o historiador alemão Peter Fleischmann, diretor</p><p>do Arquivo Estadual de Nuremberg, publicou o livro Hitler als</p><p>Häftling in Landsberg am Lech 1923/24 [Hitler como prisioneiro em</p><p>Landsberg am Lech 1923/24], no qual detalha o caso que se tornou</p><p>público em 2010: um documento certificava que Hitler, de fato,</p><p>sofria de criptorquia. O relatório médico, assinado por Josef</p><p>Brinsteiner e datado de 12 de novembro de 1923, confirmou que o</p><p>“preso número 45” apresentava bom estado de saúde, mas padecia</p><p>de “criptorquia do lado direito”. Ou seja, só um de seus testículos</p><p>havia descido à bolsa escrotal. Nunca uma paródia foi tão</p><p>verdadeira.</p><p>Já em 2006, Lambert acreditava que a dificuldade de um</p><p>relacionamento aberto com mulheres advinha da criptorquia:</p><p>“Embora o problema não afetasse necessariamente sua potência,</p><p>não era algo que teria gostado de expor sem a certeza de que a</p><p>mulher o pouparia do ridículo.”62 É um fato curioso que poucos</p><p>realmente tenham relatado intimidade com Hitler. Ele sempre</p><p>dormia por trás de uma porta trancada a sete chaves, tinha “repulsa</p><p>em se despir diante de alguém” e mesmo “seu criado jamais o viu</p><p>trocar de roupa ou de robe”.63 “Ele não gostava de ser tocado”,</p><p>revelou uma secretária, “nem um médico podia tocá-lo durante</p><p>um exame.”64</p><p>Mais moderado, o historiador britânico Andrew Roberts acredita</p><p>que a imagem de “homossexual insaciavelmente promíscuo e</p><p>predatório que expressava suas paixonites por motoristas, colegas</p><p>soldados, michês vienenses e parceiros casuais encontrados na</p><p>rua” apresentada por Machtan vai longe demais porque as provas</p><p>vêm justamente dos inimigos de Hitler durante as décadas de 1920</p><p>e 1930. Segundo Roberts, como os casos com Geli e Eva são aceitos</p><p>por todos os pesquisadores, Hitler poderia ser no máximo</p><p>bissexual. Em verdade, os biógrafos mais respeitados do ditador e a</p><p>maioria dos historiadores acham pouco provável a</p><p>homossexualidade do líder nazista. Para o professor Norman Stone,</p><p>no entanto, Hitler era “semiassexuado”: sua grande paixão seria a</p><p>arquitetura.65 “Ninguém sabia o que se passava na cabeça de Hitler,</p><p>e ele nunca revelou nada”, afirmou.</p><p>E</p><p>3. CHURCHILL E ROOSEVELT:</p><p>SEXO, DROGAS E PODER</p><p>Churchill era um fumante inveterado com propensão ao</p><p>alcoolismo. Roosevelt era um pai amável, mas um esposo infiel.</p><p>Unidos na política durante os longos anos de guerra, eles</p><p>ajudaram Stálin a derrotar a Alemanha de Hitler. Engana-se, no</p><p>entanto, quem pensa que seus objetivos eram unicamente a luta</p><p>pela liberdade e pela democracia.</p><p>m junho de 1940, logo após a vexatória retirada das tropas</p><p>franco-inglesas das praias de Dunquerque, no norte da França, o</p><p>recém-empossado primeiro-ministro inglês proferiu seu discurso</p><p>mais conhecido, considerado por muitos como o mais importante</p><p>da guerra. Winston Churchill falou ao povo inglês e ao mundo:</p><p>“Lutaremos nas praias, lutaremos nas pistas de aterrissagem,</p><p>lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas montanhas;</p><p>jamais nos renderemos.”66 Diante da iminente queda da França,</p><p>que de fato caiu poucos dias mais tarde, e de uma invasão alemã às</p><p>ilhas britânicas, o discurso foi a base do ideal dos Aliados de luta</p><p>pela liberdade contra os regimes totalitários. Um ideal que seria</p><p>propagandeado até o final da guerra.</p><p>Mas a questão é: liberdade? Para quem? Churchill era hipocrisia</p><p>pura. Até 1939, o poderoso Império Britânico, onde o sol nunca se</p><p>punha, tinha influência direta na vida de quatro quintos da</p><p>população mundial. No mesmo discurso de 1940, ele mencionou</p><p>que, se as ilhas fossem tomadas, o povo inglês continuaria lutando</p><p>em “nosso Império além dos mares”. Churchill surgia como</p><p>sustentáculo da liberdade, mas aprisionava milhões nos quatro</p><p>cantos do globo.</p><p>“É impossível que eu ajude a Grã-Bretanha. Como poderia lutar</p><p>pela liberdade quando ela me é negada? A política britânica na</p><p>Índia parece aterrorizar o povo para que, em nossa ansiedade,</p><p>busquemos sua proteção”, afirmou Jawaharlal Nehru, um dos</p><p>líderes da luta pela independência da Índia durante a Segunda</p><p>Guerra.67 Mahatma Gandhi também pediu que a Grã-Bretanha</p><p>deixasse a Índia a fim de evitar que ela se tornasse alvo dos</p><p>japoneses. Em 1942, o movimento “Deixem a Índia” tornou-se</p><p>popular, mas só conseguiu seu intento em 1947, quando a guerra</p><p>havia</p><p>acabado.</p><p>WINSTON CHURCHILL: ÁLCOOL E CHARUTOS</p><p>O mais ferrenho inimigo de Hitler era um inglês sisudo de trato</p><p>difícil e gosto excessivo pelo álcool. Winston Leonard Spencer</p><p>Churchill nasceu em 30 de novembro de 1874, em Woodstock, a</p><p>cem quilômetros de Londres, na Inglaterra. De uma família com</p><p>origens aristocráticas, era descendente do duque de Marlborough.</p><p>Quando se tornou primeiro-ministro e assumiu o posto no número</p><p>10 da Downing Street, em maio de 1940, Churchill tinha 66 anos de</p><p>idade e havia passado quase toda a vida servindo aos interesses do</p><p>Império Britânico. Tinha experiência militar, como observador,</p><p>soldado e comandante desde a guerra da independência cubana,</p><p>em 1895. Atuou também na Índia, no Sudão, na África do Sul e na</p><p>Primeira Guerra, quando sofreu seu revés mais duro, o frustrado</p><p>desembarque em Galípoli, na Turquia. Como político, iniciou a</p><p>carreira no Parlamento em 1900.</p><p>Até chegar ao cargo máximo da nação, foi secretário de diversas</p><p>pastas, primeiro lorde do Almirantado e ministro quatro vezes.</p><p>Ainda que tenha atuado durante a Segunda Guerra pelo Partido</p><p>Conservador, aquele que o tornara um dos homens mais</p><p>conhecidos de sua época, Paul Johnson, escreveu que Winston não</p><p>tinha partido, “sua lealdade era devida ao interesse nacional e a si</p><p>mesmo”; por isso, trocou de lado e “rótulo” seis vezes. Após o</p><p>retorno ao Partido Conservador, em 1922, o próprio Churchill</p><p>revelou seu caráter oportunista: “Qualquer um pode virar a casaca.</p><p>Mas é preciso ser realmente um craque para virá-la duas vezes.”68</p><p>Para Andrew Roberts, autor do livro Hitler & Churchill: segredos</p><p>da liderança, em contraste com Hitler, “Churchill era um patrão</p><p>severo”, insolente, rude e sarcástico no trato com seus ajudantes e</p><p>secretários.69 “Tinha um gênio horrível, embora seu grande</p><p>encanto geralmente lhe permitisse consertar as coisas depois.”</p><p>Os charutos cubanos e a bebida eram sua marca pessoal. Quando</p><p>esteve na Casa Branca, em 1942, certificou-se de que receberia um</p><p>copo de xerez no “quarto antes do café da manhã, uns dois copos</p><p>de uísque com soda antes do almoço e, à noite, champanhe francês</p><p>mais um conhaque bem envelhecido” antes de se deitar.70 Em</p><p>1943, na viagem para a Conferência de Quebec, no Canadá,</p><p>Churchill consumiu em uma única refeição “ostras, consommé,</p><p>linguado, peru assado, gelo com melão-cantalupo, queijo Stilton e</p><p>grande variedade de frutas, petit fours etc., tudo regado com</p><p>champanhe (Mumm 1929) e um Liebfraumilch excepcional,</p><p>seguidos por um conhaque de 1870”.71 Outro historiador, John</p><p>Lukacs, acredita que Churchill comia, de fato, muito, mas defendia</p><p>que os oito ou dez charutos diários “raramente eram fumados até o</p><p>fim” e que o copo de uísque que sempre estava em uma das mãos</p><p>era diluído.72 Pode ser, mas não foram poucos os que viram o lorde</p><p>inglês bêbado. Roosevelt apostava muito no companheiro inglês,</p><p>mas o secretário do Interior americano, Harold Ickes, escreveu em</p><p>seu diário que “Churchill não merece muita confiança quando está</p><p>sob a influência da bebida”.73</p><p>Em questões de sexo, há quem diga que o primeiro-ministro era</p><p>bissexual. Ainda que altamente questionável, é o que supõe o</p><p>escritor inglês Michael Bloch em seu livro de título sugestivo Closet</p><p>Queens [Rainhas do armário]. Bloch lembrou que, quando jovem,</p><p>Churchill foi acusado de “atos de imoralidade do tipo de Oscar</p><p>Wilde” (escritor inglês e homossexual famoso) com cadetes em</p><p>Sandhurst.74 O autor enumera ainda diversos homens com quem</p><p>Churchill teria tido contato durante a vida e que revelariam sua</p><p>“orientação sexual”. “Intensamente narcisista e exibicionista,</p><p>Churchill era atraído romanticamente por homens em vez de por</p><p>mulheres, ainda que em suas relações tenha evitado o contato</p><p>físico.”</p><p>Já Sonia Purnell, em uma biografia sobre a esposa do político,</p><p>afirma que ele estava longe de ser um “predador sexual”, assim</p><p>como de ser gay. Certo é que o casamento com Clementine Hozier</p><p>não passou de um acerto financeiro e político, como era comum à</p><p>época. Na noite de núpcias, para ter certeza de que atuaria bem,</p><p>aconselhou-se com a própria mãe, que a história diz ter tido</p><p>duzentos amantes.</p><p>O primeiro-ministro foi desde o início da década de 1930 um</p><p>ardente crítico de Hitler, do nazismo e do imperialismo alemão:</p><p>“Se Hitler invadisse o inferno, eu faria pelo menos um</p><p>pronunciamento favorável ao demônio na Câmara dos Comuns”,</p><p>disse ele certa vez. Mas isso não quer dizer que ele próprio não</p><p>tivesse interesses de domínio e de expansão imperialista.</p><p>Em Yalta, em 1945, preocupado que a criação das Nações Unidas</p><p>pudesse limitar o poderio britânico, ele declarou a Roosevelt:</p><p>“Enquanto eu for primeiro-ministro, não cederei um centímetro de</p><p>nosso patrimônio.” Um dos “patrimônios” do Império Britânico</p><p>era a Índia, e a independência da grande colônia asiática causava</p><p>calafrios em Churchill. Ele acreditava que os hindus eram um</p><p>“povo bestial, com uma religião bestial” que servia aos interesses</p><p>econômicos ingleses.75 Churchill já havia manifestado ideias</p><p>preconceituosas desse tipo em seu livro Savrola, publicado no final</p><p>do século XIX. Muitas das ideias eugênicas comuns naquela época</p><p>aparecem na obra, que ele depois tratou de ocultar.</p><p>O mesmo Churchill afirmou ao fim da guerra que a Carta do</p><p>Atlântico, a declaração conjunta assinada por ele e Roosevelt na</p><p>Conferência do Atlântico, a bordo do HMS Prince of Wales, em</p><p>agosto de 1941, na Terra Nova, no Canadá, “não se aplicava ao</p><p>Império Britânico”. Ainda que na época da assinatura os norte-</p><p>americanos não estivessem em guerra declarada com a Alemanha,</p><p>o documento estabelecia a política dos Aliados no pós-guerra: não</p><p>haveria ganhos territoriais e possíveis ajustes deveriam ser</p><p>realizados de acordo com os interesses dos países diretamente</p><p>envolvidos; os povos teriam direito à autodeterminação; barreiras</p><p>comerciais seriam excluídas; haveria cooperação econômica global</p><p>para o avanço do bem-estar social, desarmamento das nações</p><p>agressoras e o “abandono permanente do uso de forças nas relações</p><p>internacionais”.76 A carta beneficiava enormemente os norte-</p><p>americanos, que passaram a ser os principais fornecedores de</p><p>armas, petróleo, equipamentos e dinheiro para os países</p><p>beligerantes, mas prejudicava franceses e ingleses, que tinham</p><p>grandes impérios coloniais. A França era dona de quase toda a</p><p>África Ocidental, e o Império Britânico se estendia da África</p><p>Oriental até o Extremo Oriente.</p><p>Sobre Mussolini, o ditador italiano aliado de Hitler, Churchill</p><p>tinha opinião diferente. Ele acreditava que o Duce era “o legislador</p><p>italiano”. “Ele alçou o povo italiano do bolchevismo em que ele</p><p>poderia ter soçobrado, em 1919, para uma situação que a Itália</p><p>nunca tivera antes na Europa.”77 Seu erro fatal, na opinião do</p><p>inglês, foi declarar guerra à França e à Grã-Bretanha. O</p><p>pragmatismo de Churchill era evidente: Mussolini teria recebido as</p><p>boas-vindas dos Aliados, “extraindo uma riqueza e prosperidade</p><p>incomuns das lutas dos outros países”.</p><p>Churchill adorava usar números, principalmente os que</p><p>revelassem seu poder. Antes do final da guerra, quando a Inglaterra</p><p>negociava com Estados Unidos e Rússia a divisão do Terceiro Reich,</p><p>sua assessoria propôs que 40% do território alemão, 36% da</p><p>população e 33% dos recursos da Alemanha fossem entregues aos</p><p>soviéticos, “para agradar Stálin”. Em 1944, ele negociou um acordo</p><p>com o líder soviético em que repartiu, por exemplo, a Bulgária em</p><p>“75% Rússia, 25% Aliados”, “Grécia 90% Aliados, 10% Rússia” ou</p><p>“Hungria 50/50%”.78 O escritor inglês Ronald Lewin o definiu da</p><p>seguinte maneira: “O traço marcante de Churchill como grande</p><p>comandante é que ele gostava do poder — e da guerra — sem</p><p>nenhum pudor.”79</p><p>Quando foi derrotado por Clement Attlee nas eleições de 1945,</p><p>em meio à Conferência de Potsdam, Churchill afirmou que o</p><p>resultado “foi uma grande surpresa” para ele. Em um almoço,</p><p>Clementine disse ao marido: “É bem possível que seja uma bênção</p><p>disfarçada”, ao que Churchill respondeu: “No momento, parece</p><p>bem disfarçada mesmo.”80 Foi a derrota mais dura em sua longa</p><p>vida pública. Mas ele retornou</p><p>o poder na década de 1950.</p><p>Considerado o “maior britânico de todos os tempos”, Churchill</p><p>morreu em 24 de janeiro de 1965, antes de completar 91 anos de</p><p>idade.</p><p>ROOSEVELT, O INDOMÁVEL</p><p>Para alguns, Franklin Delano Roosevelt era um político idealista,</p><p>altruísta, de enorme autoconfiança; para outros, um político frio e</p><p>calculista. Como Stálin, raramente permitia que inimigos e mesmo</p><p>aliados políticos soubessem o que tinha em mente. “Nunca deixo</p><p>que minha mão direita saiba o que a minha mão esquerda está</p><p>fazendo”, revelou ele.81 E, assim como Churchill, sabia como lidar</p><p>com as diversas exigências pertinentes ao cargo que ocupava. “Sou</p><p>um malabarista”, disse ele a Henry Morgenthau Jr.82 Depois de uma</p><p>entrevista reservada, o psicanalista suíço Carl G. Jung escreveu</p><p>sobre Roosevelt, em 1936: “Não tenham dúvidas, ele é uma força da</p><p>natureza — um homem dotado de uma mente superior, mas</p><p>impenetrável, uma mente altamente versátil que não se pode</p><p>entrever.”83 A ilustradora e escritora Peggy Bacon observou que o</p><p>olhar franco e penetrante de Roosevelt era de alguém “inteligente</p><p>como o diabo, mas tão inocente como o de um grande ator”.84</p><p>Nascido em 30 de janeiro de 1882, em Hyde Park, 150</p><p>quilômetros ao norte de Nova York, o presidente norte-americano</p><p>estava em seu quarto mandato consecutivo quando uma</p><p>hemorragia cerebral o matou a poucos dias da rendição alemã. Era</p><p>herdeiro de uma família rica e com vocação política. Seu parente</p><p>Theodore Roosevelt havia sido presidente no começo do século e</p><p>também o primeiro americano a receber o Nobel da Paz. “Teddy” e</p><p>Franklin Roosevelt não eram primos em primeiro grau, informação</p><p>que aparece em muitos livros. Eles tinham como ancestral comum</p><p>Nicholas Roosevelt, que viveu entre os séculos XVII e XVIII. A</p><p>confusão parece ocorrer porque Teddy era tio de Anna Eleanor, a</p><p>prima em quinto grau com quem Franklin casou-se em março de</p><p>1905.</p><p>Roosevelt nunca foi religioso, pelo menos não carola. Embora</p><p>membro da Igreja Episcopal em Saint James, Franklin preferia os</p><p>sermões presbiterianos, metodistas ou batistas. “Quando vou e me</p><p>sento lá, com todo mundo olhando para mim, não sinto a menor</p><p>vontade de dizer minhas preces”, afirmou certa vez. Tinha uma</p><p>crença particular baseada na determinação e na força de vontade.</p><p>“A única coisa que devemos temer é o próprio medo”, revelou.85</p><p>De fato, FDR, como é muito comumente mencionado, não era</p><p>propenso a temeridades, mas a primeira década depois da Primeira</p><p>Guerra foi particularmente difícil para ele. Um dos maiores</p><p>escândalos sexuais da América (antes do caso entre o presidente</p><p>Bill Clinton e a estagiária Monica Lewinski, em 1998) ocorreu</p><p>enquanto Roosevelt era Secretário da Marinha, em um caso que</p><p>ficou conhecido como “Escândalo Sexual de Newport”. Em 1919,</p><p>gays da força naval norte-americana foram acusados de formar um</p><p>“círculo sexual” para seduzir jovens marinheiros e soldados para a</p><p>prática de sexo oral na base da Marinha em Newport, Rhode Island.</p><p>Os investigadores da Marinha enviaram jovens marinheiros como</p><p>agentes secretos para comprovar a prática. Quando a ação tornou-</p><p>se pública com os julgamentos, além de chocar a opinião pública,</p><p>ela acabou com a carreira de muitos dentro da Marinha e quase</p><p>sepultou a de Roosevelt na política.86</p><p>Dois anos depois, ele contraiu poliomielite, doença que limitou</p><p>o movimento de suas pernas e o colocou em uma cadeira de rodas.</p><p>Graças à mulher, Roosevelt pôde se retirar em um exílio político</p><p>voluntário para tratamento médico. Eleanor manteve vivos os</p><p>contatos dentro do Partido Democrático. Revigorado, em 1928</p><p>Roosevelt foi eleito governador de Nova York e em 1932 derrotou</p><p>Herbert Hoover em uma eleição presidencial com a diferença</p><p>expressiva de mais de sete milhões de votos.87 Durante os primeiros</p><p>e difíceis anos de presidência, ele apresentou ao mundo o New</p><p>Deal, a política americana para recuperar a economia destroçada</p><p>pela Quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929. Mas apesar</p><p>do relativo sucesso que o governo fez questão de explorar e</p><p>estimular na crença popular, a economia dos Estados Unidos não</p><p>recuperou a potência de antes da crise. A fabricação de automóveis,</p><p>por exemplo, principal setor da indústria americana, não alcançou</p><p>os números anteriores até a Segunda Guerra. Foi o conflito</p><p>europeu, depois mundial, que salvou e catapultou a economia</p><p>norte-americana a uma liderança nunca vista antes.</p><p>Durante toda a campanha presidencial e ao longo da vida</p><p>pública, FDR escondeu suas pernas atrofiadas. Mesmo com extrema</p><p>dificuldade, sempre se preocupou em ocultar o uso que fazia de</p><p>cadeira de rodas, das muletas e dos pesados suportes de aço que o</p><p>faziam ficar de pé, embora isso lhe causasse dor extrema. Mesmo</p><p>para se vestir, ele precisava da ajuda do fiel Arthur Prettyman, seu</p><p>criado pessoal.</p><p>Roosevelt foi o primeiro presidente norte-americano a usar um</p><p>avião. Foi em fevereiro de 1943, quando usou um hidroavião da Pan</p><p>American para chegar até Casablanca, no Marrocos, para uma</p><p>conferência com Churchill. Em 1945, em seu voo até Yalta, na</p><p>Crimeia Franklin inaugurou a “Vaca Sagrada”, a primeira versão do</p><p>Air Force One atual, construído sob o codinome Projeto 51. O novo</p><p>avião presidencial era mais uma forma de aliviar o tremendo</p><p>esforço físico que Roosevelt fazia para continuar vivo e</p><p>trabalhando. O presidente também fazia uso regular de cocaína</p><p>para aliviar a inflamação nasal de que sofria. Em um dos dias mais</p><p>importantes da guerra, o ataque japonês a Pearl Harbor, precisou</p><p>usar a droga antes de aparecer em público.88 Em 1944, uma</p><p>avaliação médica feita pelo doutor Howard Bruenn lhe deu um ano</p><p>a mais de vida — o que se concretizou. Roosevelt estava “muito</p><p>mal”. Tinha vinte quilos a menos, sofria de falta de ar, bronquite e</p><p>o coração dilatado corria risco de parar. Bruenn indicou o uso de</p><p>digitalis, cujos efeitos tóxicos poderiam ser graves e até letais. O</p><p>médico principal de Roosevelt, Ross McIntire, era contrário, mas o</p><p>presidente precisava se mostrar forte, otimista e “indomável”. Nos</p><p>últimos meses da guerra na Europa, no entanto, era um morto-</p><p>vivo.</p><p>Roosevelt e Churchill, durante a Conferência de Casablanca no Marrocos, em</p><p>janeiro de 1943.</p><p>O homem de sucesso na vida pública teve uma ativa vida</p><p>amorosa e sexual no plano pessoal. O casamento lhe rendeu seis</p><p>filhos, mas esteve longe de ser amoroso e feliz. Uma frustrada</p><p>Eleanor Roosevelt, que também era uma progressista e líder</p><p>feminista, esteve envolvida com seu guarda-costas, o sargento Earl</p><p>Miller, e, segundo alguns, com o administrador do New Deal,</p><p>Harry Hopkins, com quem ela mantinha uma amizade muito</p><p>próxima. A descoberta posterior de mais de duas mil cartas da</p><p>primeira-dama também mostrou um romance nada casual com a</p><p>jornalista Lorena Hickok. O caso lésbico da primeira-dama é um</p><p>assunto controverso entre os historiadores norte-americanos, mas,</p><p>em uma das cartas, Eleanor escreveu algo que parece definir sua</p><p>paixão por Hickok: “Lembro-me... da sensação daquele lugar</p><p>macio bem no canto da sua boca contra os meus lábios...”89</p><p>Enquanto isso, Franklin tinha um romance com “Missy” LeHand</p><p>e com Grace Tully, suas duas secretárias pessoais na Casa Branca.</p><p>LeHand, que manteve um caso amoroso com o embaixador</p><p>americano em Moscou, também compartilhou Miller (e</p><p>possivelmente Hopkins) com a primeira-dama. Sobre os romances</p><p>do marido, Eleanor escreveu em seu livro de memórias: “Ele teria</p><p>sido mais feliz com uma esposa que se abstivesse totalmente de</p><p>críticas. Isso eu nunca fui capaz de ser, e ele teve que recorrer a</p><p>outras pessoas.”90 Na verdade, Roosevelt e Eleanor já não viviam</p><p>como marido e mulher desde 1918, quando ela descobriu cartas de</p><p>amor trocadas entre o marido e sua secretária Lucy Page Mercer. A</p><p>própria filha do casal, Anna Roosevelt, costumava levar mulheres</p><p>inteligentes e menos rabugentas que a mãe até Warm Springs, a</p><p>casa de campo da família na Geórgia, para “algumas horas de</p><p>descanso extremamente necessário”.91 Mercer permaneceu</p><p>próxima a Roosevelt até a morte do presidente, em 12 de abril de</p><p>1945; estava com ele em seu momento final, enquanto</p>
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